Manuel Rodrigues Lapa (Anadia, 1897 – Anadia, 1989)

 

Manuel Rodrigues Lapa nasceu na Anadia, no limite sul do velho reino da Galiza consolidado; perto da Anadia está o mosteiro de Lorvão fundado no ano 924 in finibus Gallaeciae. Aos dez anos veio estudar para Lisboa, sob a égide da Casa Pia, frequentando o Colégio de Santa Isabel, onde não terá feito porém todo o liceu, já que em 1913 o vemos colaborador e director do jornal da associação escolar do Liceu Pedro Nunes, Os Novos.

Os anos de 1914 a 1919 são os da licenciatura em Filologia Românica; 20/21, o de funcionário da Biblioteca Nacional (então de Raul Proença e do resto do “grupo da Biblioteca”, e de muitos seareiros), e de “estágio” docente. Professor agregado em 1922 (no Camões), efectivo em 23 (no Martins Sarmento, de Guimarães), ensina também no Liceu Gil Vicente (pelo menos a partir de 26), até que em 1928 regressa à Faculdade de Letras de Lisboa como assistente, indicado por Leite de Vasconcelos.

Bolseiro em Paris (1929-1930), doutora-se com Das origens da poesia lírica em Portugal na Idade Média. Com as provas de doutoramento começou aliás um ódio de estimação por Oliveira Guimarães, professor de Coimbra, com quem virá a ter rijas polémicas. Em 32 – ao lado, por exemplo, de Rodrigo de Sá Nogueira – é um dos fundadores do Centro de Estudos Filológicos, o actual CLUL.

Também 1932 visita a Galiza que percorre toda estabelecendo uma forte relação pessoal com o Afonso Rodrigues Castelão, líder do nacionalismo galego; desde aquela altura terá presente em todos os seus trabalhos a Galiza ao norte do Minho, como parte que é da Lusofonia:

“Como a nossa língua é radicalmente a mesma, há um problema de recuperação literária do galego, a ser resolvido naturalmente com a ajuda do português, que é a verdadeira Língua de cultura. Nisso também me tenho empenhado. Cinjo na minha actividade de escritor, as três dimensões da nossa cultura, que são cronologicamente a galega, a portuguesa e a brasileira (…) Convenci-me inteiramente de que, para nos conhecermos bem, teremos de conhecer a Galiza, onde está a nossa mais profunda raiz (…) Nunca deixei de me ocupar da Galiza, que é para mim um vício e uma necessidade; e também um dever moral”.

Pela mesma época, vai procurando que seja aberto concurso para a cátedra, para que teria pronto O Livro de Falcoaria de Pero Menino (Centro de estudos filológicos, 1931); mas, não só a exigência da abertura do concurso de catedrático não é satisfeita, como, em retaliação de ofensas que produzira em conferência (“A política do idioma e as universidades”, 1933, depois coligido em As minhas razões, pp. 39-66), é-lhe negada a renovação do contrato com a Faculdade. Alunos manifestam-se em sua defesa. Reentrará por concurso, como professor auxiliar agregado. Por pouco tempo: em 35 é o governo de Salazar que o afasta do ensino. E não mais voltaria a exercer em academias portuguesas.

Seguiram-se anos em que subsiste organizando cursos particulares e publicando muito – “o tempo permitirá avaliar com justiça o que os estudantes da minha geração […] ficaram a dever, da sua cultura literária, ao trabalho da equipa admirável que, sob orientação de Rodrigues Lapa, se dedicou à obscura tarefa de preparação desses livrinhos, de texto seguro e prefácios bem elaborados, que não faltavam em nenhuma das nossas pequenas bibliotecas particulares” (L. Lindley Cintra); entretanto, a direcção de O Diabo (1935-37); estadas no Brasil (a partir de 54, fixando-se em 57, como professor universitário, em Belo Horizonte e, depois, no Rio); regresso a Portugal (1962), e sublimação do apego à Galiza; direcção da Seara Nova (1973-4), desagravos (depois do 25 de Abril) e homenagens (anos setenta e oitenta).

Do ponto de vista da linguística, o que mais interessa da obra de Rodrigues Lapa não é a tese de literatura Das origens da poesia lírica em Portugal na Idade Média (edição do autor, datada de 1929, mas de 1930), nem as Lições de literatura portuguesa: época medieval (Lisboa, Centro de estudos filológicos, 1934) ou aa edições de autores “brasileiros” (por exemplo, as Obras completas de Tomás António Gonzaga, 2 vols., Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1957 – bem como os artigos sobre as Cartas Chilenas -, ou Vida e obra de Alvarenga Peixoto, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1960).

Veja-se mais cerca da edição e glossário das Cantigas d’escarnho e de mal dizer dos cancioneiros medievais galego-portugueses (Vigo, Galaxia, 1965; 2.ª ed. 1970; 3.ª edição, ilustrada: Lisboa, João Sá da Costa, 1995), da Miscelânea de língua e literatura portuguesa medieval (Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1965; 2.ª edição, bastante modificada: Universidade de Coimbra, 1982) ou até das aludidas edições divulgadoras organizadas para a Sá da Costa (colecção “Clássicos”) e para a Seara Nova (“Textos literários”) e da corrente Estilística da língua portuguesa (Lisboa, Seara Nova, 1945; muitas reedições melhoradas), “concebido como manual prático de redacção e estilo, mas apoiado num método seguro de análise dos factores linguísticos que encontra as suas raízes na estilística da língua de Charles Bally.

É possível que, passado meio século, o conteúdo normativo e didáctico do livro tenha cedido o passo a uma outra função: a de documento insubstituível sobre o estado da moderna língua portuguesa européia, numa época em que as recolhas científicas de dados ainda não tinham começado” (Ivo Castro). Paradoxalmente, hão-de perder menos com o passar dos anos as peças da polémica com J. J. Oliveira Guimarães e outros textos de ocasião arquivados em As minhas razões. “Memórias de um idealista que quis endireitar o mundo…” (Coimbra editora, 1983) e a meia centena de recensões que fez. Quanto aos Estudos galego-portugueses. Por uma Galiza renovada (Lisboa, Sá da Costa, 1979), reúne trabalhos com a Galiza como denominador comum.

Entre as publicações saídas pelo centenário do nascimento há livros que acrescentam bastante ao conhecimento da figura de Lapa: da Correspondência de Rodrigues Lapa. Selecção (1929-1985) (Coimbra, Minerva, 1997) resulta perceber-se o trânsito intelectual e afectivo entre Portugal, Brasil e Galiza; em Manuel Rodrigues Lapa. Fotobiografia (por Manuel Ferraz Diogo; Anadia, Casa Rodrigues Lapa, 1997) entrevemos intimidade de Lapa.

Em 1997 realizou-se na Curia um Colóquio internacional inspirado no filólogo, cujas Actas sem dúvida interessarão. Sobre “Rodrigues Lapa, professor da Faculdade de Letras de Lisboa”, ver as Actas do XII Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, 2, 1997, pp. 587-604 (Rita Veloso). Usámos também o artigo de Luís Lindley Cintra inserido no volume de homenagem do Boletim de Filologia (28, 1983, pp. 7-15), verbetes no Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, organizado por G. Lanciani e G. Tavani, 1993 (João Dionísio) e na Biblos. Enciclopédia VERBO das Literaturas de Língua Portuguesa, 2, 1997 (Ivo Castro). Para a bibliografia, veja-se a reunida por Isabel V. Cepeda (Boletim de Filologia, 29, 1984, pp. 595-628).

Manuel Rodrigues Lapa, foi das pessoas que mais emoção sentiu ante o facto extraordinário do nascimento da AGAL, encorajando os seus membros a irem firmes pelo caminho certo que tinham encetado. Lapa foi membro da AGAL -membro de honra, desde o nascimento da AGAL até o seu falecimento, e in memoriam é um dos seus mais destacados vultos, junto com Ricardo Carvalho Calero, Jenaro Marinhas e Ernesto Guerra da Cal.

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