Ernesto Guerra da Cal (Ferrol, 1911 – Lisboa, 1994)

 

“Este estudo é obra de amor. Um amor já antigo. Amor que me levou, muito cedo na minha vida, a internar-me com uma curiosidade gozosa pelas verdes veigas e as praias sonoras da literatura portuguesa –que representaram para mim um assombrado encontro com o meu próprio espírito, uma inesperada descoberta da minha verdadeira intimidade. Portugal era o desenvolvimento cultural, pleno, da minha Galiza natal. Era o que a Galiza deveria ter sido se as vicissitudes e os caprichos da História não a tivessem transviado do seu destino natural, deturpando a sua fisionomia espiritual, quebrando a sua tradição, impondo-lhe formas de cultura alheias, estranhas ao seu carácter”

(Ernesto Guerra da Cal, “Nota Prévia” a Lengua y Estilo de Eça de Queiroz, Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, 1954).

“O verdadeiro meridiano espiritual galego passa por Lisboa e pelo Rio de Janeiro –e quanto antes reconheçamos esta verdade, antes se abrirão à nossa antiga voz recuperada as possibilidades de ecoar fora dos restritos confins comarcais nos quais nos estamos fechando, cegos às vastas perspectivas que temos diante dos olhos”

(Ernesto Guerra da Cal, “Nota do Autor” a Lua de Além-Mar, in ed. Galaxia, 1959; e AGAL, 1991).

“Em poucas gerações poderá a Galiza contemplar o seu velho rusticado rosto no límpido espelho da língua portuguesa, que lhe devolverá a sua imagem real e ideal de Terra prometida e livre –e orgulhosa da sua voz, que virá então a tornar o seu lugar de antiguidade no coro ecuménico, terceiro do mundo, de europeus, americanos, africanos e asiáticos que se exprimem na língua de Camões, de Rosalia e de Machado de Assis –perto de 200 milhões de almas que ocupam uma sétima parte do Globo (…) Como poeta, embora humilde, que sou, reclamo o que de jus me cabe: o direito a sonhar com uma estrutura da Hispânia mais em harmonia com a pluralidade dos Povos que a compõem; o direito a sonhar que nessa nova ordenação o Minho deixe de ser uma linha de saparação política para passar a ser apenas uma bela fita de prata numa paisagem comum; o direito a sonhar com a resposta de uma Galiza livre ao apelo lançado pelo poeta Lopes Vieira: ‘Deixa a Castela e vem com nós’; o direito, enfim, a sonhar com aquela ‘Portugaliza’ ideal dos dois Povos do Cabo da Europa que visionaram Pondal e Teixeira de Pascoaes –e Mestre Lapa, vitalício sonhador, que, graças a Deus, continua a nutrir sonhos animadores de realidades “.

(Ernesto Guerra da Cal, “Antelóquio indispensável”, in Futuro Imemorial. Manual de Velhice para Principiantes, Lisboa, 1985).

“Por isso é para mim tão gratificante esta iniciativa da AGAL. Pois com esta nova edição vou ver aparecer na amada Terra natal –única Pátria do meu espírito— esta já minha pálida Lua e este meu já cinzento Rio,desconhecidos para o público leitor das gerações mais novas, trajados agora com o vestido portugalego do resto da minha obra lírica. Isto é com a “koiné” do mundo universal da Lusofonia, à qual –seja qual fôr o Destino que Deus venha providenciar para a Galiza— eu, pela LÍNGUA –que é o crisol da ALMA— pertenço”.

(Ernesto Guerra da Cal, “Nota Preambular” a Lua de Além-Mar e Rio de Sonho e Tempo, ed. AGAL, 1991).

“Guerra da Cal é um fenómeno, um monstro da natureza, uma fonte de vida, de energia e de inspiração. Professor, crítico, ensaísta, poeta, ele é, sobretudo, um homem prodigiosamente vivo: atleta, operário (construiu uma casa com as suas próprias mãos), soldado (combateu, na Guerra Civil de Espanha, do lado republicano), ex-amigo de Lorca e de não seu quantos mais, Guerra da Cal é um daqueles homens a quem o imenso saber não arranja maneira de ressequir. (…) Seria fastidioso, interminável, e pouco adequado inventariar aqui, de modo exaustivo, a bibliografia deste grande trabalhador e dinamizador de cultura, deste galaicoportuguês de dimensões universais, deste mestre supremo de língua e literatura, deste sage sedutor, deste grande civilizado que é também um invulgar mestre de viver”.

(Eugénio Lisboa, Colóquio Letras, Julho-Dezembro 1992; e Agália, Outono 1994).

“Ademais, Guerra sustinha que Eça devia ser considerado como um escritor verdadeiramente ‘galego’, nom só por ser nativo da zona mais setentrional de Portugal, que forma parte da antiga Gallaecia romano-sueva e medieval com a mesma plenitude que qualquer zona da Galiza actual, mas também por possuir ascendência da Galiza nortenha (com efeito, no apelido Eça oculta-se seguramente um Deça, indicando procedência da Terra do Deça)”.

(José Martinho Montero Santalha, A Nosa Terra, 19-VIII-1994).

“Guerra da Cal deixou também uma apreciável produção lírica. Nela ecoam temas, paisagens e mitos de uma Galiza que, mesmo durante os longos anos passados no estrangeiro, não se desvaneceu da memória de Guerra da Cal: é muitas vezes com nostalgia e discreta melancolia que a terra galega é evocada em livros como Lua de Alén Mar (1959) e Rio de Sonho e Tempo (1963) (…) Já nos últimos anos da sua produção poética, Guerra da Cal tematiza, sob um olhar um tanto irónico, preocupações próprias de uma idade madura mas sempre serena: o tempo, a morte e o amor”.

(Carlos Reis, Dicionário de Literatura Portuguesa, 1996).

“Ernesto Guerra da Cal, personalidade projectada e realizada, como nengumha outra galega, nos vastos horizones da lusofonia (e da lusofilia) além-minhota”.

(José Luís Rodríguez, Estudos dedicados a Ricardo Carvalho Calero, Parlamento de Galiza-Universidade de Santiago de Compostela, 2000)

ERNESTO GUERRA DA CAL

Ernesto Guerra da Cal (Ferrol, 19-XII-1911/ Lisboa, 28-VII-1994) é o galego que conseguiu um maior reconhecimento no mundo pola sua produçom científica, e também o poeta em língua galega do século XX mais celebrado pola crítica internacional. Assim se visa demonstrar neste breve e muito elementar trabalho, que acompanha alguns dos principais momentos da sua biografia e produçom científico/literária, desenvolvida em numerosos países e línguas.

Ao nascer foi registado, em Ferrol, com o nome de Ernesto Román Laureano, e assina os seus primeiros trabalhos como Ernesto Pérez Güerra. Desde Abril de 1945, ao renunciar à nacionalidade espanhola e naturalizar-se norte-americano, adapta o seu nome para o sistema onomástico anglo-saxónico e, no sucessivo, assinará como Ernesto Guerra da Cal, nome portanto que nom constitui nengum pseudónimo nem heterónimo, como por erro se tem indicado por vezes em trabalhos publicados na Galiza.

Quando ainda nom contava um ano de idade morreu-lhe o pai, o que provocou a sua deslocaçom para Quiroga, onde ele e o seu irmao ficárom ao cuidado de umha tia, Teteyo (a quem dedicará o seu primeiro poemário, Lua de Além-Mar), enquanto a sua mae foi finalizar os estudos em Madrid. Tendo onze anos deslocou-se a residir para Madrid, onde trabalhava sua mae, e onde tem ocasiom de realizar os estudos secundários e mais os universitários, finalizando o Curso de Letras em Junho de 1936. Na capital de Espanha fai teatro, trata os deputados do Partido Galeguista e outras figuras galegas, além da maoria dos vultos principais das espanholas Generación del 98 e Generación del 27, tendo a este respeito especial relevo o seu relacionamento com Federico García Lorca: a Da Cal correspondeu responsabilidade directa nos cinco últimos dos Seis Poemas Galegos, para os quais serviu de “diccionario viviente” ao andaluz, como explica numha conhecida carta a Eduardo Blanco Amor, do ano 1949.

Participa na Guerra de Espanha, nas Milícias Galegas, defendendo a legalidade da República. Nesse período casa em primeiras núpcias com Margarita Ucelay, com quem teria o seu único filho, Enrique. O final da Guerra surpreende-o em Nova Iorque, onde realizava umha missom para o Governo da República, e lá fica a residir, como exilado. Reune-se com a sua esposa e inicia a sua carreira como docente universitário. Na cidade norte-americana coincide com Castelao e colabora com outros hispanistas exilados da Columbia University, em especial Federico de Onís, director do “Instituto Hispánico” da instituiçom docente e ex-alto cargo republicano; nessa Universidade realiza a Tese de Doutoramento, que apresentará com sucesso no final da década de 40, sobre Eça de Queiroz, a primeira sobre Literatura Portugesa nos Estados Unidos. Em 1941 insere-se no quadro docente da New York University (NYU). Nesse tempo, como em anos posteriores, colabora estreitamente com a colectividade emigrante galega de Nova Iorque e do exterior.

Em 1951 atinge a categoria de Professor Catedrático de Línguas e Literatura Románicas na NYU, e principia o desempenho de diferentes cargos e responsabilidades administrativas na própria NYU e em Sociedades Científicas e Profissionais, nomeadamente, desde 1955, da “American Association of Teachers of Spanish and Portuguese”, do “Inter-University Seminar of Latin American Studies”, da “Modern Language Association of America” (nesta entidade foi “Chairman” do “Bibliography and Research Committee, Section I: Galician, Portuguese and Brazilian Literatures” entre 1955 e 1957), e do “Institute of International Education”; da “New York Academy of Sciencies” (em que ingressa no ano 1958), ou da “Hispanic Society of America” (desde 1960). No ano 1958 funda o Instituto Brasileiro na NYU, e no ano 1959 é distinguido com as medalhas de Doutor Honoris Causa da Universidade da Baía.

Em 1954 a Universidade de Coimbra publica a primeira ediçom de Lengua y Estilo de Eça de Queiroz, volume que recolhe a sua Tese de Doutoramento (ver Bibliografia). Essa primeira ediçom é a única em espanhol, idioma em que tivera que redigir o seu trabalho académico, o que favoreceu a sua recepçom polos hispanistas e teóricos da Estilística e da Literatura Comparada, escolas em que se filiou, que se ocupárom do seu ensaio com meio cento de recensons em sete línguas e onze países, o que prova o grande reconhecimento internacional atingido. Em 1956 colabora no Dicionário de Literatura Portuguesa, Brasileira e Galega dirigido por Jacinto do Prado Coelho, para o qual redigiu a maioria dos verbetes respeitantes a Literatura Galega, Eça de Queirós e mais o Realismo em Portugal.

Os seus primeiros trabalhos literários datam do tempo da Guerra Civil espanhola, na revista dos escritores galegos anti-fascistas Nova Galiza, editada em Barcelona, ao abrigo da Generalitat. Na década de 50 publica de novo, em diferentes revistas, sobretodo de colectividades de emigrantes galegos; e em 1959 sai o seu primeiro livro, Lua de alén mar, em Galaxia. Nesse poemário, como já em trabalhos anteriores, defende claramente o Reintegracionismo. Do ponto de vista de educador tem relevo, nesta década, o ter organizado os pioneiros Junior Year em Espanha e no Brasil, que facilitárom o relacionamento de universitários norte-americanos com os dous países. Em 1952 principiou a sua colaboraçom semanal com a estaçom de rádio Voice of America, que se demorou durante cinco lustros.

Na década de 60, entre os principais factos há que salientar como, em 1963, edita o segundo poemário em Galaxia, Rio de Sonho e Tempo, com um “Limiar” de R. Otero Pedrayo, onde se afirma que “Guerra da Cal, mestre da nova Galeguidade (…) é um dos mellores representantes do esprito de Coimbra e Compostela, da frol oicidental da cultura galaico-portuguesa”; e igualmente nesse ano traduz para inglês as Cantigas de Santa Maria de Afonso X. Em 1964 transfere-se para a City University of New York (CUNY), na qual porá em andamento, entre outras realizaçons, o programa de Doutamento em Português nos Estados Unidos. Nesse mesmo ano traduz Fernando Pessoa por vez primeira para inglês (já em 1947, quando Pessoa era ainda pouco conhecido, dedicou-lhe um trabalho, igualmente em língua inglesa, também pioneiro, no Columbia Dictionary of Modern European Literature) e Langston Hughes para Galego, para além de propiciar, com José Rubia Barcia (outro exilado, como ele natural do Ferrol) o poemário Voz Fuxitiva, da norte-americana Anne Marie Morris, mais umha vez publicado em Galaxia, por causa do estreito relacionamento que Da Cal tinha na altura com o grupo galeguista que regia a editora viguesa. Em 1966 casa, em segundas núpcias, com Elsie Allen da Cal, anglo-portuguesa, quem devotamente acompanhou a sua actividade intelectual. Em 1970 presidiu, pronunciando o discurso inaugural, o “I Congresso de Professores Universitários em Língua Inglesa e Literatura Anglo-Americana do Brasil”, celebrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também nesta década, na revista Papeles de Son Armadans publicou dous breves poemários, Poemas e Motivos do eu. Em 1960 ganhou, em Guimarães, um concurso poético Galego-português, com uma composiçom dedicada a Rosalia de Castro; e em mais de umha ocasiom fôrom organizadas desde a Galiza excursons de galeguistas (entre eles Ramón Piñeiro, Fernández del Riego, Carvalho Calero ou Franco Grande) para cumprimentá-lo na fronteira portuguesa, ao se recusar a pisar o país enquanto perdurasse a ditadura de Franco; porém, na parte final dos anos 60 deslocou-se até Vigo, para visitar a sua mae.

Na década de 70 principia a publicar a tantas vezes qualificada como “monumental” Bibliografia Queirosiana (ver Bibliografia), como “Apêndice” do volume da sua Tese de Doutoramento. A ediçom deste celebrado repositório demorou até 1984 e consta de seis tomos, com mais de 3.000 páginas e 14.000 verbetes. Foi considerado um contributo pioneiro pola crítica literária, pois, na altura, e segundo frisárom várias recensons de reconhecidos especialistas, nom existia nengum trabalho semelhante para outro autor de qualquer literatura. Ainda hoje está a funcionar como umha obra modelar e é constantemente citada polos estudiosos de Eça de Queiroz, e nom só. Em 1971, no Brasil, Estados Unidos, Portugal, Angola e Moçambique, profere a palestra “A Relíquia, romance picaresco e cervantesco”, um trabalho de crítica literária em que rebate a tradiçom luso-brasileira contrária a este romance de Eça de Queirós, que perdurava desde o século XIX; esta produçom de Guerra da Cal, editada em Moçambique, Portugal e Brasil, resultou fulcral para consolidar um novo discurso sobre este literato português e favorecer a sua canonicidade. Em 1977 reformou-se, como Professor Catedrático Emeritus de Literatura Comparada da CUNY, e fixou a sua residência em Portugal. Finalizava assim um muito impressionante e exemplar percurso científico/pedagógico, que Elsie Allen da Cal, na sua biografia (1991:35, ver Bibliografia) resume deste modo:

Ao longo de quatro décadas de vida professoral em instituições de ensino superior nas Américas e na Europa visitou 25 países de três continentes, como docente, como congressista, como bolseiro e como conferencista (nesta última capacidade falou em 26 instituições académicas dos E.U.A.). Sempre, por toda a parte, propagou e sustentou a causa da emancipação da Pátria Galega oprimida, e defendeu a dignificação da sua língua –a variante mais antiga da expressão lusíada— empenhada hoje numa luta de sobrevivência, como instrumento de cultura, contra a sua dialectização organizada.

Na década de 80, além de finalizar a Bibliografia Queirosiana, publicou-se a quarta ediçom, e “definitiva”, de Língua e Estilo de Eçade Queiroz, realizada por Elsie Allen da Cal, com a sua colaboraçom. Foi designado Membro de Honra da Associaçom Galega da Língua, entidade que, nos anos 1984 e 1987, fizo figurar o seu nome na Presidência de Honra dos I e II congressos internacionais que organizou. Em 1984 publicou Homenage to Federico Garcia Lorca, que faz parte da sua produçom em língua inglesa, como D. C. Warnest. Em 1985, com ensejo do Centenário da Morte de Rosalia de Castro, editou em Lisboa Antologia Poética. Cancioneiro Rosaliano, trabalho de sucesso; e, nesse mesmo ano, também em Lisboa, publicou Futuro Imemorial (Manual de Velhice para Principiantes), precedido de um “Antelóquio indispensável”, que é um dos textos mais contundentes que se tem publicado em Portugal sobre a questom do Reintegracionismo. De 1987 data outro dos seus poemários, igualmente lançado em Lisboa, Deus, Tempo, Morte, Amor e outras bagatelas. A 1988 correspondem 6 Poemas a Rosalia de Castro. Em 1989, em Málaga, por causa da estreita amizade que o unia com os poetas Maria Victoria Atencia e Rafael León, residentes na cidade andaluza, edita Espelho Cego. Em 1989 recebeu as medalhas de Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra e, com tal ensejo, a revista Nós, das Irmandades da Fala de Galiza e Portugal, dedicou-lhe, monográfico, os seus números 13-18. Também desempenhou nesta década a presidência da Comissão para a Integração da Língua da Galiza no Acordo da Ortografia Unificada.

Já na década de 90, a Associaçom Galega da Língua reeditou Lua de Além-Mar e Rio de Sonho e Tempo, em 1991. E, de novo, em Málaga, difundiu-se outra produçom literária, Coisas e Loisas. Em 1992, a Universidade de Coimbra publica um seu ensaio queirosiano sobre a génese de “Testamento de Mecenas”, trabalho datado uns anos antes, que marca o modelo seguido na ediçom crítica da produçom de Eça de Queirós, em andamento desde aquele mesmo ano. Em Abril de 1994 a AGAL apoiou uma homenagem que lhe foi tributada em Quiroga, onde se lembrou o tempo que passou na sua infáncia e juventude nesse val, e um grupo de docentes e discentes, entre os quais figurava a Professora Maria do Carmo Henríquez, presidenta da AGAL, analisárom e recitárom a sua obra lírica. Em Junho, no mês anterior à sua morte, Guerra da Cal teve em Lisboa um encontro com uma delegaçom da Associaçom Galega da Língua, encabeçada por Maria do Carmo Henríquez. Morreu sem ter regressado a Galiza, apesar dos convites que mesmo a Associaçom Galega da Língua lhe fizo, para que participasse nas suas actividades. Ele recusava, segundo explica Elsie Allen da Cal na sua autorizada biografia já assinalada, “…viver numa pátria colonizada, tanto política e socialmente como no terreno linguístico-cultural…”, embora, até ao último instante da sua vida, continuasse “…a nutrir sempre o seu saudoso amor pela Terra, que leva sacramente no seu peito ‘como a Custódia leva a Hóstia’ –e a sonhar com o seu irrenunciável ideal da grande ‘Portugaliza’”, mais umha vez em palavras da sua viúva.

Em 1994, a revista Agália publicou o seu derradeiro trabalho, “Nótula lisbonense. Dois lusistas insólitos”, no número 38, por ele datado poucos dias antes da sua morte; e esta revista da AGAL dedicou-lhe um volume de homenagen, no número 39; o mesmo que as Irmandades da Fala de Galiza e Portugal em 1995, ano em que a Associaçom Nacional de Estudantes de Letras da Universidade de Santiago o reivindicou como poeta galego num multitudinário acto celebrado na Faculdade de Filologia; e a Universidade de Coimbra, em 1997, publicou mais um volume de homenagem. Também em 1997, no Brasil, foi-lhe dedicada a nova ediçom, em quatro tomos, da Obra Completa de Eça de Queirós, publicada pola editora Aguilar; e a Câmara Municipal de Cascais aprovou honrar a sua memória dedicando-lhe umha rua no Estoril. No ano 1999 a AGAL comemora o 40º aniversário de Lua de Além-Mar e insiste no relevo deste poemário para o Reintegracionismo.

No ano 2000, dentro das actividades oficiais comemorativas do Centenário da Morte de Eça de Queirós, o Governo de Portugal patrocinou o prémio internacional de investigaçom “Professor Ernesto Guerra da Cal”, falhado em Março de 2001. Dentro destas comemoraçons queirosianas, Guerra da Cal tivo constante destaque e reconhecimento. Um dos momentos principais foi, sem sombra de dúvida, a exposiçom Eça de Queirós: a escrita do mundo, inaugurada em Junho na Biblioteca Nacional de Lisboa e um dos actos principais das celebraçons, como indicou na apresentaçom do Livro-Programa (ver Bibliografia) da mesma o próprio Ministro da Cultura, na altura Manuel Maria Carrilho. Nessa exposiçom, que teve como comissário o Professor Carlos Reis, Da Cal foi citado constantemente como fonte e referente principal.

Já no ano 2001, a AGAL estreou a primeira Primavera do século XXI com a ediçom de Caracol ao Pôr-do-Sol, poemário póstumo de Da Cal, que ele preparara por volta do ano 1992, e que se publicou com um prólogo do Professor Carlos Reis. Ainda nessa mesma estaçom do ano, na Universidade de Santiago de Compostela, apresentava-se um trabalho académico sobre a sua produçom científica queirosiana.

Durante a sua vida, Ernesto Guerra da Cal foi merecedor de numerosas distinçons e comemoraçons, de instituiçons académicas e de governos, no Brasil, Estados Unidos e Portugal. Entre elas podem salientar-se, no Brasil, a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul e a Medalha Padre Anchieta, polo Governo; a Chave da Cidade do Rio de Janeiro, pola Prefeitura do Distrito Federal do Rio; ou a Medalha Oskar Nobiling, pola Sociedade Brasileira de Língua e Literatura; em Portugal, a Ordem Militar de Santiago-da-Espada e a Ordem do Infante dom Henrique, polo Governo; a Ordem Militar de Nª Sra. da Conceição de Vila-Viçosa, pola Casa Real de Bragança; o prémio de bibliografia Dom Manuel II, pola Fundaçom Casa de Bragança; e foi designado membro de instituiçons como a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Academia Internacional da Cultura Portuguesa ou a Academia das Ciências de Lisboa; nos Estados Unidos, a Hispanic Society of America concedeu-lhe a sua medalha, e a University of California at Los Angeles homenageou-no, em 1972, como “Pioneiro dos Estudos Luso-Brasileiros nos Estados Unidos”.

Ernesto Guerra da Cal está considerado como figura cimeira da crítica literária, muito em especial em Portugal, onde hoje nom se discute o seu lugar central no queirosianismo. No entanto, os seus contributos atingem outras literaturas (Medieval, Galega, Brasileira, Espanhola e Hispano-americana), para as quais contribuiu com trabalhos considerados de referência, e assim citados por numerosos especialistas. Também tem umha importante produçom lingüística, sendo autor de contributos de relevo para a lexicografia e ortografía galega, assim como de vocabulários e de um dicionário Inglês-Espanhol, entre outras produçons.

Os muito diferentes campos para os quais contribuiu com trabalhos especializados, e o reconhecimento internacional de que desfruta na actualidade, elevam Guerra da Cal à categoria de ser o cientista galego de todos os tempos com maior reconhecimento no mundo, pois nom há nengum outro estudioso, em qualquer actividade do conhecimento, que se lhe poda comparar.

A sua produçom poética foi celebrada pola crítica de vários países, como figura nas páginas 283-288 de Lua de Além-Mar/Rio de Sonho e Tempo (editado pola AGAL, ver Bibliografia, embora esta extraordinária referência esteja hoje muito incompleta). Também se pode afirmar, portanto, que nengum outro poeta galego do século XX teve um reconhecimento de tanto relevo no exterior.

Só a censura que é aplicada contra o Reintegracionismo na Galiza, movimento do qual ele é figura principal, explica que nom tenha atingido a consideraçom que merece no País, e que mesmo se deitem sobre ele juízos e afirmaçons falsas, que ele próprio considerava caluniantes.

No entanto, Ernesto Guerra da Cal é, sem sombra de dúvida, umha das principais figuras da História de Galiza e nome cimeiro do Galeguismo e da Literatura Galega. Activo de inegável centralidade do Reintegracionismo, o avanço para posiçons mais centrais desta doutrina contribuirá para o seu deslocamento para o centro do Campo Literário Galego e para atingir na sua Galiza natal um justo reconhecimento que, no exterior, já tem consolidado desde há décadas.

SELECÇOM BIBLIOGRÁFICA DE ERNESTO GUERRA DA CAL

Como bem assinala Elsie Allen da Cal na biografia de Ernesto Guerra da Cal (1991:35), “A bibliografia activa e passiva da obra de ensaísta, de crítico e de erudito de G. da C. –que se estende por várias épocas de várias literaturas, e que se compõe de uma vintena de volumes e mais de uma centena de peças breves, ficaria aqui evidentemente descabida; por muitas razões: a primeira a do espaço”. Estas mesmas palavras som de aplicaçom neste lugar e, portanto, citam-se só alguns dos seus trabalhos e das referências sobre ele. A outros foi aludido supra, e os interessados encontrarám mais dados em várias das produçons que se relacionam a continuaçom, tanto activas como passivas.

BIBLIOGRAFIA ACTIVA DE ERNESTO GUERRA DA CAL

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B2) Produción literaria inédita publicada póstuma:

(1994), “Eucaristía Blasfema”, Agália, nº 39.

(1994), “Decálogo Lírico”, [tamén se encontran nese volume os poemas antologados “Domingo”, “Janela na Noite”, “Partida”, “Outono”, “Enigma”, “Namoro Primeiro”, “Desencontro”, “Auto-Retrato”, “Chamada a Ela na Apocalipse da Galiza”, “Autocídio”, “Iniciação”, “Pavana Ritual para um Poeta Assassinado”, “Retorno a Tenochtitlán”, “Silêncio”, “Amanhecer Seródio”, “Otherness” e “Astro-Lábio”], in Álvarez Cáccamo, Xosé M., 50 Anos de Poesia Galega. Antoloxía. A Xeración do 36, A Coruña, Penta, pp. 72-96.

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Sem Autor e sem data, “GUERRA DA CAL, Ernesto”, in Gran Enciclopedia Gallega, Gijón, Ed. Silverio Cañada, Vol. XVII.

*p { margin-bottom: 0.21cm; }As referências biográficas de Ernesto Guerra da Cal contidas no presente trabalho encontram-se acrescentadas no volume: Fazer(-se) um nome. Eça de Queirós-Guerra da Cal, um duplo processo de canonicidade na segunda metade do século XX, de Joel R. Gômez, publicado em Ed. do Castro (Sada-A Corunha), secção Ensaio Filologia, no ano 2002. Este volume inclui também um texto prefacial de Elias Torres Feijó. As referências de bibliografia de, e sobre, Ernesto Guerra da Cal, encontram-se no estudo A trajectória de Ernesto Guerra da Cal nos campos científico e literário, editado pela Universidade de Santiago de Compostela (“Servizo de Publicacións e Intercambio Científico”; ISBN: 978-84-9887-257-6), no ano 2009.

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