Carlos David González Bermúdez mora em Madrid, onde muitos dos seus amigos são também galegos, onde tenta transmitir a língua à sua criança de 4 anos.
Acha um grande erro o modelo Ilg-Rag ter sido institucionalizado para o galego e é pessimista dada a indiferença social que existe em volta da língua.
Deseja para a AGAL mais visibilidade social e que nas cidades o galego ganhe espaço entre as crianças. Além de galego, é ibiense.
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Carlos mora em Madrid e tem uma criança de quase 4 anos com a qual fala em galego. Que estratégias segues num contexto castelhano-falante para transmitir a língua da Galiza?
Bom, estratégia nenhuma: falo com ele em galego e tento que tenha contacto com o galego através dos debuxos, contos, etc. Não é davondo, porque ainda que ele entende e usa alguma palavra, só se expressa em castelhano, mas confio em que, quando for novo, tenha competência suficiente para ler, escrever e falar o galego.
Nascido na Corunha, a tua língua materna é o castelhano embora esta não fosse a língua de teus pais. Quando e porquê decides quebrar o guião e recuperar a língua dos teus ascendentes?
Foi na adolescência quando tive consciência do problema e descobri como a ideologia negacionista afastou a minha geração do galego; comecei a ser consciente do problema e a usar o galego sempre que pude.
Contudo, ainda que uso de cote as duas línguas, tanto quando estou em Madrid como quando passo temporadas na Corunha, sendo sincero eu ainda sinto o castelhano como a minha língua matriz.
Logo que instalado no galego, abre-se o debate de que estratégia e prática seguir. Como foi o processo de descoberta do galego internacional? Que debates gerou em ti?
Foi na universidade quando um companheiro fez uma equiparação entre galego e português e castelhano padrão e andaluz: tomei consciência de que as nossas diferenças são apenas geográficas, as normais entre línguas. Posteriormente, entendi o grande erro que foi criar uma norma isolada para o galego da Galiza quando já tínhamos a portuguesa, ótima para os objetivos de normalização que se perseguiam.
Em começos dos anos 80, a norma ILG-RAG foi estabelecida polo governo da Xunta como o modelo hegemónico de galego. Que achas que temos perdido com essa decisão?
Muito, insisto em falar de erro fulcral. Nos processos de normalização, o falante diglóssico, não alfabetizado na sua língua mas sim na alheia, percebe a norma, o standard, com certa violência. Isto acontece, por exemplo, com as formas recuperadas do galego que foram deturpadas. Sendo assim, foi uma oportunidade perdida não termos implantado a norma portuguesa standard que, ademais de ser mais fiel cientificamente falando, abria-nos a toda a lusofonia: o impacto, para os falantes, teria sido o mesmo que a do galego RAG-ILG, mas os benefícios a longo prazo infinitamente maiores.
Que estratégias deveriam ser as centrais para deter a perda de falantes e a castelhanização da língua?
Eu sou um chisco pessimista no tocante a este tema porque a maioria dos galegos e galegas, simplesmente, não se sentem interpelados. É um assunto sem importância para eles, e, sem a sua implicação, não vamos conseguir coisa nenhuma.
Como estratégias, as óbvias: acrescentar paulatinamente as horas de galego no Ensino até uma “inmersió” linguistica e investir em prestigiar o nosso idioma no âmbito social, nomeadamente na empresa, na administração e noutros âmbitos de prestigio social.
Em Barcelona, segundo se pode deduzir das entrevistas a sócios que moram lá, há certa conexão entre as pessoas de origem galega que, em muitos casos, reforçam a identidade na distância. Acontece o mesmo em Madrid?
Os galegos e as galegas estamos muito conectados em geral, tanto à terra como entre nos. De facto, muitos dos meus melhores amigos em Madrid são galegos. Contudo, não sendo nos casos de pessoas militantes ou sensíveis a este tema, essa identidade, se se tiver nalgum ponto, vai enfraquecendo com o passar do tempo.
Por que tomaste a decisão de te tornar sócio da AGAL. Que papel deve cumprir a associação?
Para revertermos o erro histórico do que falávamos, precisamos de entidades que, como a AGAL, façam uma aposta séria pola lusofonia. Isto motivou-me para me tornar sócio.
A AGAL deve ganhar maior visibilidade na sociedade galega, primeiramente no campo académico, para ter mais suporte de carácter científico; segundo, no âmbito político, nomeadamente no nacionalista, mas não só; por último, nos âmbitos mais relacionados com o ensino. Para concluir, seria importante também ganhar consensos no mundo da lusofonia na “metrópole” portuguesa, de jeito que eles também incluam as variedades galegas no corpus geral do português internacional.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2040?
Bom, desgraçadamente acho que é pouco importante o meu anseio. Mas gostaria que, especialmente, as crianças das cidades falassem galego com normalidade, que tivessem acesso à nossa língua nas escolas, que não fora vergonhoso para eles falá-lo, nem para a sociedade em geral. Que a gente pudesse usá-lo naturalmente, sem prejuízo social ou moral para eles e elas.
Também gostaria que se detivesse o processo de hibridação do galego com o castelhano, o que não deixa de ser uma morte devagar, lenta, para o galego.
Conhecendo o Carlos
Um sítio web: direi um que me resulta bem útil, o dicionário Priberam da língua
Um invento: o lava-louças
Uma música: a minha grande paixão. Há milhões, mas assinalarei uma da Galiza especialmente importante na história da nossa musica: “Fonte do Araño” do Emilio Cao
Um livro: um que me marcou muito “El aleph” do Jorge Luis Borges. Em galego, “Dos arquivos do trasno”, do Rafael Dieste ou “O crepúsculo e as formigas”, do Xosé Luis Méndez Ferrín.
Um facto histórico: muitos, mas assinalarei um especial para mim, a vitória do bipartido na Galiza em 2005.
Um prato na mesa: sem duvida, polvo à feira
Um desporto: futebol
Um filme: muitos, por dizer um, “Straw dogs” (“Cães de palha”), do Sam Peckimpah
Uma maravilha: o primeiro grolo de cerveja numa manhã de calor
Além de galego/a: passei todos os verãos da minha infância em Íbias, concelho asturiano da “raia” entre a Galiza e as Astúrias onde nasceu minha mãe, e onde também se fala uma variedade do galego oriental com muitas semelhanças com o português atual: assim que direi que também sou ibiense.
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