Violeta Santás Corral é de Ourense, uma cidade muito ligada ao rural mas onde as gerações mais novas estão muito castelhanizadas. Informa-nos, no entanto, que no projeto da Semente Ourense há dez crianças.
Ela começou a falar galego no bacharelato mas foi na universidade quando deixou de ser galego-calante. Estudou Belas Artes em Cuenca.
A música brasileira ajudou na passagem ao lado escuro da norma. Julga que a música, sobretudo a rádio-fórmula, pode ser útil para divulgar o português.
*
Violeta Santás é de Ourense e neo-falante. Ourense tem a imagem de ser talvez a cidade galega onde melhor se conversa a nossa língua. A realidade fai justiça a essa imagem?
Pois aqui não se sente essa discriminação classista sobre o galego falante que há em Vigo ou na Corunha, acho que é por causa de ser Ourense uma cidade muito vinculada ao rural no seu redor, sobretudo determinados bairros (mas por outras zonas mais do centro como Rua do Passeio etc, já é mais raro escutar galego). Na zona onde vivo há muita gente que provém desse rural e o galego continua a ser um chisco maioritário, embora a diglossia seja o habitual. Também não é estranho que o interlocutor mude para o galego se falares em galego, cousa que em Vigo vejo mais difícil. Porém, acho a gente da minha geração em adiante bastante castelhanizada (não só no linguístico…) , e,na verdade, não escuto a gente falar em galego com as crianças, que é o primordial para o futuro, No projeto da Semente Ourense são uns dez meninos, muito poucos para uma cidade com fama de galego falante e tradição galeguista. E os poucos pequenos paleo-falantes já começam com diglossia logo que põem um pé na escola, minha irmã mesmo (tenho uma meia irmã de três anos), e isso apesar de, em teoria, as aulas serem dadas em galego…
Passaste do castelhano para o galego na adolescência. Como foi o processo?
Como muitos da cidade, apesar de ler em galego ou assistir aos desenhos do Xabarín, nunca falara o galego de uma maneira habitual. A maioria da gente em meu redor empregava o castelhano ou o castrapo (mesmo os avôs galego falantes) Quando passei para o bacharelato muitos dos meus companheiros mais próximos eram das vilas e eles sim eram falantes e assim terminas falando com eles em galego. Acho impossível falar uma língua se os demais não a falarem ao teu redor. Porém, por viver fora da Galiza tanto tempo e serem a maioria dos meus contactos de fora, continuei a ser bastante galego-calante até a volta da universidade, quando também me fiz mais consciente do problema e do potencial do galego.
Empregar um sistema ortográfico alheio facilita a irrupção de termos alheios
Estudaste Belas Artes fora da Galiza. Que te motivou a emigrar?
Não foi por nada em especial…cansaço de Ourense e curiosidade de conhecer e viver noutros sítios. Fiz a prescrição em varias universidades e no final escolhi Cuenca porque falaram-me bem dela, da faculdade e da cidade. Na faculdade quase toda a gente vinha doutros cantos da península (não sei se é o caso em Ponte Vedra) Morei ali seis anos e entremeias fiz um ano de Sicue em Tenerife. De curiosidade estivem a piques de fazer o Erasmus na ilha de Madeira mas afinal, por temas de matérias e créditos, não fui. Varias companheiras minhas sim estiveram de Erasmus em Lisboa e foi muito bom conhecer essa cidade, por boca delas e depois em pessoa… Desde aquela Portugal chamou mais a minha atenção
O teu contacto com o reintegracionismo, já de regresso a Ourense, foram os artigos em galego internacional no Sermos e no Praza. Mas o contacto com esta forma de viver a nossa língua era já anterior
Sim, na casa sempre se escutou música em português, especialmente brasileira, Caetano Veloso, Carlinhos Brown ou a Zélia Duncan, mas também fadistas como Madredeus, Dulce Pontes…Mesmo tinha daquela algum comic e livrinho em português e não lembro dificuldade nenhuma em perceber tudo.
Também vivia perto da Livraria Torga e lembro ver escrito “Livro” e outras palavras na ortografia medieval.
Já achara, inconscientemente, serem galego e português uma mesma língua, mas a barreira mental que te injetam na escola é muito forte, de forma que aceitas o absurdo de que são línguas muito, muito parecidas mas não são a mesma e tens que auto- censurar-te supostos lusismos porque o diz este ou aquele fulano (a secção dos lusismos do livro de texto já me parecia uma parvada sem sentido) E daí não sais exceto se não estás muito doutrinada e sem muitos preconceitos nestes temas. Eu realmente tampouco tivera muito contacto com o pensamento isolacionista, não sendo no galego normativo da escola. Quando descobri, graças às redes sociais, eu fiquei muito surpreendida pelo nível de negacionismo do óbvio e a lusofobia que há nos debates na rede sobre este tema. É evidente que a indiferença para com Portugal, tanto a nível das elites galegas como estatal e algo premeditado. Portugal é como uma Catalunha que conseguiu tornar-se independente. Pode-se ver facilmente o paralelismo da Galiza com Valência, onde é alimentada a Catalanofobia e a separação linguística.
Eu pola música que escutara tinha mais associado o português com a variedade brasileira ou o sotaque lisboeta do fado, mas quando indaguei mais no português em mais áreas já me convenci de todo que era a mesma língua e a separação existente é sobretudo mental, que as diferenças não eram mais que diferenças dialetais que se dão em todas as línguas, acrescentando a questão diglóssica e a perda da prosódia.
A ortografia é um fato, unifica mentalmente ou separa. Por exemplo há muita gente que acha que no Irão é falado o árabe por que empregam um alfabeto árabe e são línguas muito diferentes (bom, muitos nem sabem a diferença entre escrita e fala e que todas as línguas do mundo passárom por mudanças ortográficas) Como curiosidade dizer que há pouco tempo tivem na casa uns brasileiros e não achavam (e já conheciam a historia) que “Carballo” fosse igual a Carvalho… Empregar a mesma ortografia é uma enorme vantagem, derruba barreiras e reforça a língua, e empregar um sistema ortográfico alheio facilita a irrupção de termos alheios. Sem dúvida, no caso de ter-se escolhido a norma portuguesa num principio as cousas seriam hoje muito diferentes…
O contacto com o português serviu para te regaleguizares. Em que medida?
Pois ao ir procurar materiais de imersão em galego sempre ficava frustrada, especialmente com a música, quase todo é muito castrapeiro… Quanto aos padrões orais por um lado temos o galego dos paleo-falantes, bom foneticamente mas cheio de castelhanismos e sem vontade de correção, e por outro o galego rag da TVG que falam menos castelhanismos mas sempre achei pouco atrativo por artificial, na verdade… Mas com o português mudou a cousa para mim, tens muitas opções e possibilidades, uma vez familiarizado com os sotaques, livros, jornais, filmes… o modelo que sofremos atualmente é castrante e limita-nos o pleno desenvolvimento na língua. A consciência de que a tua cultura é mais do que te fizeram crer faz-te mais orgulhoso do teu e mais consciente do problema de colonização cultural e mental que temos. Além disso, foi muito bom descobrir a cultura minhota e a transmontana, Ourense e Trás-os-Montes têm muito em comum (O entrudo, os magustos…). Também fiquei abraiada com a música.
Que se deveria fazer para que a vivência internacional da nossa língua ganhasse presença social?
Acho a receção da TV e das rádios portuguesas na Galiza fundamental para ganhar essa presença, e é de vital importância que o nacionalismo galego deixe o modelo isolacionista que é uma traição com a posição dos galeguistas históricos. Defender uma língua é incompatível com minorizá-la. Também ganhar apoios de Portugal no campo cultural, continuar a fomentar os vínculos com os países lusófonos…Pela minha experiência, acho que a música, onde o sotaque passa a um segundo plano, pode ser um importante fator de penetração, e sobretudo a música de radio-fórmulas. O fato de o Porto e Lisboa estar na moda também pode ajudar…
Agora que és sócia, que esperas da AGAL?
Nada mais que continue a trabalhar na linha de até agora…gosto da sua visão fresca da cultura galega e do humor que têm com cousas como o Orgulho Toalheiro ou a Virgem de Fátima reintegracionista deste ano na manifestação da Mesa.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2040?
Gostaria que já estivesse aceitada socialmente a unidade galego-portuguesa, poder assistir à TV portuguesa, filmes e termos livros em português em qualquer livraria. Não ver mais apelidos galegos deturpados, imersão linguística em todas as etapas do ensino, os jornais em galego…
Conhecendo Violeta Santás
Um sítio web: www.spacesarchives.org
Um invento: As lentes (não poderia viver sem eles)
Uma música: Banda do Casaco
Um livro: Um que estou a ler agora, Inverno Mágico, sobre festas de origem ritual em Trás-os-Montes
Um fato histórico: O sufrágio feminino
Um prato na mesa: Churrasco
Um desporto: Caminhadas
Um filme: Calendar, do Atom Egoyam
Uma maravilha: Internet
Além de galego/a: Europeia, quiçá…
[starbox]