Betânia Cabo: “As duas normas deveriam conviver em igualdade de possibilidades”

Betânia Cabo é de Melide, paleo-falante, mas mora em Compostela. Julga que 35 anos de norma Ilg-Rag dificulta o questionamento sobre o que o galego é. Tomou consciência do galego internacional em Londres e no Porto. Arquiteta técnica, olha com saudade as vilas do outro lado do Minho. Recomenda estudar português na EOI.

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Betânia Cabo é de Melide e mora entre esta vila e Compostela. Onde pensas que é mais fácil viver em galego?

Como vila do interior da Galiza, em Melide há um uso predominante do galego, mas também é certo que o castelhano ganha cada vez mais terreno entre os mais jovens e cada vez fica mais presente.

Com a mudança de modelo populacional as mudanças não decorrem só no tecido rural-urbano mas nos esquemas linguísticos; à medida que as aldeias ficam abandonadas a língua fica esquecida. Há uma perda identitária a todos os níveis.

Mais fácil é viver em galego em Melide embora Compostela responda a um modelo de pequena cidade e haja uma implicação com a língua, contudo a presença do galego está condicionada à localização dentro da mesma, bairro histórico/ bairro novo. Uma forte presença turística, lojas focadas a este sector que deslocam lojas históricas, o problema da gentrificação em determinados bairros, fazem mudanças na população e na forma de viver as cidades que reverte diretamente na língua.

O galego luta por sobreviver num momento em que a globalização e o modelo sócio-económico só permite que as fortes e consolidadas resistam, por isso uma focalização internacional permite que a nossa língua ganhe força e protagonismo fronte o castelhano.

Paleo-falante e reintegracionista. Julgas que a ortografia internacional é percebida como um estranhamento do galego falado nas tuas redes sociais em Melide?

Pois, o galego internacional ainda não está muito presente em Melide, mas nunca se sabe, se calhar tudo é começar.

O esquema linguístico arredor da ILG-RAG calhou fundo e embora só tenha 35 anos, na maior parte dos casos, está assumida como única forma própria e verdadeira. Faz parte importante que a televisão pública, muitos jornais (Quando não estão em castelhano) Rádio e a própria administração estejam construídas em base a esta norma e outra opção não é nem tão sequer considerável. Acho que chegados até aqui, e vendo a caída ano após ano da percentagem de crianças e jovens que têm o galego como língua inicial, é inevitável perguntar-nos se esta aposta por esta ortografia autonomista é o caminho a seguir, mas é uma reflexão que cada uma deve fazer sozinha.

No meu grupo de amigas, em Melide, somos todas paleo-falantes, mas o problema está em que temos tão assumido que falamos e defendemos o galego que não sempre reflexionamos sobre que tipo de galego temos. Não sempre percebemos que falamos de forma deturpada cheia de castelhanismos. E em parte os meios de comunicação alimentam que esta deturpação seja entendida como uma evolução “normal” da língua. Assim a minha mudança para a ortografia internacional, como qualquer outra mudança importante, suscitou, e suscita, quês e porquês mas é muito bom que debatamos sobre distintos pontos de vista e, como tudo, após a novidade chega a aceitação como uma forma mais. No mundo profissional já é outro cantar…

Numa altura onde o castelhano ganha e o galego perde terreno acho importante não lutar contra o modelo isolacionista mas somar forças para consolidar o futuro da língua. As duas normas deveriam conviver em igualdade de possibilidades, e não por fazer uma escolha determinada ter mais ou menos facilidades para desenvolver um trabalho profissional, para o relacionamento com a administração pública ou simplesmente o questionamento social desta escolha.

Para a tua passagem ao lado escuro da norma ajudou uma residência em Londres e um aPorto na cidade invicta. Conta-nos a experiência…

Como passa a muitas, cheguei a Londres para aprender inglês e ali atopei-me com o galego internacional. Lembro a sensação dos primeiros meses em Londres, quando tudo era barulho, e o alívio que sentia quando conhecia a alguém do Brasil ou de Portugal e tinha certeza de que a comunicação não era um atranco.

Em Londres há um movimento galego morrinhento importante, com pessoas envolvidas e socialmente muito ativas. Fiz amigos que utilizavam a norma AGAL e comecei a interessar-me polo galego internacional. Eu sabia do reintegracionismo mas ata aquela altura não figera uma reflexão consciente de que modelo de língua queria, simplesmente utilizava a que me ensinaram na escola. Um dia procurando pola Internet que fazer quando voltasse a Galiza vi através da Ciranda os cursos aPorto.

De manhã tínhamos aulas na faculdade de letras e de tarde atividades culturais, lembro um jantar africano em casa da senhora Filomena muito giro, e um convite da UNICEPE para ver a cooperativa, onde assistimos a uma leitura de poemas, entre eles alguns galegos, e no fim uma velhota deu-nos umas copias dum magazine que seu pai publicava chamado Galiza. Mais uma prova de que a barreira é mais imposta que real.

Gostei imenso do aPorto e o ambiente foi genial! No autocarro de volta a Compostela decidi estudar português na EOI.

És estudante na EOI de Compostela e segundo nos comentaram tens uma frequência sem falha. Que te motiva a estudar português neste centro público? Por que o recomendarias?

Este é o terceiro ano que estudo na EOI e a verdade é que não posso estar mais contente desta decisão.

As aulas são descontraídas e a relação entre colegas da turma não pode ser melhor. Para mim, e acho que a maioria dos colegas da turma concordariam comigo, ir às aulas de português é o momento de parêntese da semana. É esse momento do dia no qual durante hora e meia escutamos músicas do Brasil, Angola, Guiné; analisamos curta-metragens, confrontamos opiniões sobre relações humanas, migração, meio ambiente… Em resumo, não imagino uma melhor forma de aprender, portanto encorajo todas as pessoas que quiserem melhorar o seu galego a estudar português e tomar contacto com o mundo da lusofonia.

Betânia trabalha como Arquiteta Técnica. Em que medida o galego-português pode ser uma vantagem?

Em Portugal há uma grande riqueza patrimonial a nível urbanístico e de respeito à hora de fazer atuações nas zonas históricas, há uma deferência pela história que não sempre se materializa na Galiza. Quando olhamos para além do Minho, muitas vezes, é inevitável sentir saudade do que poderiam ser muitas vilas desta parte do Minho e não são.

Devemos rachar essa fronteira que temos para tirar proveito das sinergias que surgem não só como alvo de trabalho mas também como formação. Por exemplo, temos a vantagem de contar com a Escola Superior da Gallaecia, a Universidade do Minho e a faculdade de engenharia do Porto a 2/3 horas que oferecem uma possibilidade de formação em cursos e mestrados assim como colaborações complementares à Universidade da Corunha.

A Galiza sempre tivo relacionamento profissional com Portugal e em plena crise do sector da construção não foram poucas as construtoras que viram no Brasil, e outros países lusófonos, uma oportunidade de futuro. Ter uma língua que permite o relacionamento com mais de 250 milhões de pessoas é uma vantagem a todos os níveis.

Em tua opinião, para o reintegracionismo deixar a periferia social, por onde deve transitar? Que se está a fazer bem e que se pode fazer melhor?

Acho que nos últimos anos há uma maior visibilidade do reintegracionismo (Pelo menos assim foi no meu caso) Embora muitos preconceitos ainda estejam presentes.

Um facto importante foi a aprovação no Parlamento Galego da lei Valentim Paz Andrade, mas é importante um compromisso político que faça que esta lei seja real e na verdade fomente laços com o mundo lusófono. Por exemplo, um passo à frente seria a promoção de ateliês (Tipo OPS! O Português Simples) entre as funcionárias da administração pública assim como da televisão e rádio públicas.

Também a entrada como observador do Consello da Cultura Galega na CPLP permite uma maior visibilidade a Galiza. Porém era bom a presença de outras instituições além do CCG que partilhem uma visão internacional da língua.

Que te motivou a te subir ao navio agálico?

Nomeadamente para aprender.

Aterrei no mundo do reintegracionismo há pouco e para mim é importante ter uma referência. Acho que a AGAL está a fazer um trabalho muito bom de divulgação e produção cultural, portanto quanto mais forte seja a AGAL melhor saúde terá a nossa língua.

Os descontos da através também foram facto importante nesta decisão 😉

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2030?

Gostava de ver uma Galiza empoderada, mais visível e orgulhosa da nossa história sem preconceitos identitários que o único que fazem é criar fronteiras e impossibilitar que sejamos tudo o que, de certeza, podemos ser; mas isto depende de nós, pois depende de quanto nos impliquemos e de como transmitamos esta implicação.

Treze anos não é muito tempo para tantas coisas que há que fazer mas uma Galiza tratada com respeito por um governo que entendesse a pluralidade nacional, cultural e linguística dos povos, com políticas de revitalização rural e de apoio as iniciativas do povo acho que facilitariam um maior respeito pela língua como identidade de nação.

Tomara que no ano 2030 o galego tome as ruas das vilas e cidades para ser a realidade da maioria do país.

Bom, também seria ótimo que a autoestrada Lugo-Compostela estivesse concluída. 😉

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Conhecendo Betânia

Um sítio web: YouTube

Um invento: O autocad

Uma música: Muitas… SES, NAO…

Um livro: O que estou a ler… A imagem da Galiza em Portugal

Um facto histórico: Agora que se fala tanto de muros, a queda do muro de Berlim.

Um prato na mesa: Empada

Um desporto: O desporto dos que não fazemos desporto, caminhadas.

Um filme: Pois o último que vi… Estrelas além do tempo.

Uma maravilha: As construções tradicionais galegas.

Além de galego/a: Do São Caralâmpio “a nossa festa”

 

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