Carlos Diegues: «Tornar-se falante de galego, se calhar, foi rápido e natural, tendo em conta que era muita a minha vontade»

PGL – Carlos Diegues nasceu na Galiza, mas com menos de três anos a sua família deslocou-se à periferia da capital da Espanha. Criou-se fora do País e só se tornou galego-falante no segundo ano de universidade, já em Compostela.

PGL: Carlos Diegues cresceu na periferia madrilena. Como foi a relaçom com a língua da Galiza?

Carlos Diegues: Nascim na Galiza, ainda que abandonamos o país quando tinha dous anos e meio. Durante a minha infáncia, só tinha contato com o galego durante as férias na Galiza. Na adolescência, em Madri, descobrim a literatura galega (em galego), e comecei a ler o pouco que se podia encontrar nas suas bibliotecas em galego (Rosalia, Curros, Celso Emílio ou Pondal). Já nos anos do liceu, durante as férias na Galiza, lia tudo o que podia na biblioteca.

PGL: Quando te tornas galego-falante e como foi o processo?

CD: Podemos dizer que foi no segundo ano de universidade, quando cheguei a Compostela. Tornar-se falante de galego, se calhar, foi rápido e natural, tendo em conta que era muita a minha vontade. Afinal, vinha à Galiza para isso, porque doutra maneira ficava em Madri. Naqueles tempos em Compostela até se falava mais galego do que em Madri (estou a brincar) e por isso nom foi difícil vencer o pudor e o terrorífico sotaque madrileno. Devir falante monolingüe de galego, enfim, foi um processo rápido, o resultado de umha mistura de ideologia e vontade de (re)integraçom nesta cidade e neste país. Pensava que se a língua da Galiza era o galego, eu tinha que falar galego. Assim de simples. Depois véu umha formaçom se calhar mais consciente, com o estudo (reintegracionista) da gramática do galego, o primeiro conhecimento do português, a militância no MDL…

PGL: É comum afirmar-se que os neo-falantes têm mais inclinaçom para a estratégia luso-brasileira. Que opinas ao respeito? Como foi a tua aproximaçom?

CD: Talvez seja certo. No meu caso fum socializado no reintegracionismo polo MDL. Desde o primeiro ano em Compostela vim no reintegracionismo um maior pulo, um maior ativismo linguístico no que diz respeito á defesa do galego e também umha maior eficácia e solidez no discurso linguístico reintegracionista. Também influirom os amigos, alguns deles já reintegracionistas. Depois, superada a fase “identitária”, reparei em que a minha língua nom só era falada numha comunidade autónoma espanhola, mas também em Portugal, um “país estrangeiro” e numha potência demográfica como o Brasil; o que eu vira até entom como a “minha” diferença era também umha janela ao mundo, o que nom era pouco para alguém com 19 anos.

PGL: Carlos é pai desde há 8 meses. Foi essa a decisom que te empurrou a te associares a AGAL, nom foi?

CD: Foi, nom é brincadeira. Já pensara anteriormente em associar-me a AGAL, mas foi pensar no porvir da minha criança, no país que eu quero construir para ele, e decidim-me a dar o passo. A melhor maneira de conseguir um fim é cooperarmos, através da associacionismo. Fazer parte da AGAL é umha expressom do afám coletivo de mudar a situaçom de desprezo e marginalizaçom que castiga a quem fala e escreve em galego-português. Orgulha-me fazer parte desta comunidade e gostaria que meu filho, como falante de galego, assim o sentisse.

PGL: Como encaras a educaçom da tua criança? Projetos como Semente e outros similares estariam dentro das tuas escolhas?

CD: Com sentido comum e carinho (com a ilusom de ver que cresce livre num país livre (pido desculpas pela ingenuidade). Eu aposto no ensino público, convencidamente, mas nom por isso deixo de acreditar nos valores defendidos pola escola Semente e gostaria que as escolas públicas fossem como a Semente tenciona ser. Por outro lado, penso que nom podo estar a financiar com os meus impostos umha escola desgaleguizadora e por outro lado financiar uma escola “privada”, por mais social que ela seja. A escola pública também deve ser social e galega. Aí temos que dar a batalha. Essa é ao menos a minha posiçom.

PGL: Carlos é tele-operador num meio onde predomina o castelhano. Qual a tua vantagem competitiva?

CD: Fui contratado como filólogo português. Ao começo pensei que era estranho que umha empresa galega necessitasse um filológo para se comunicar com os clientes de Portugal. Porém, a minha ingenuidade bateu com os preconceitos habituais e com umha estratégia, errada ao meu ver, que incapacita o resto de trabalhadores e trabalhadores para se comunicar com os/as clientes de Portugal. Aliás, a língua veicular da empresa é o espanhol (ou esse portunhol tam de nosso, o  castrapo), apesar de falarmos a maioria em galego. A empresa vinca no facto de ser compostelá e galega, mas  renuncia, por exemplo, à entrada no mercado brasileiro, preferindo a penetraçom no mercado hispanofalante. Em definitivo, assim é normal, em ocasiões, sentir-me mais à vontade com um cliente de Matosinhos, por exemplo, que com um companheiro de Santa Comba.

PGL: Qual pensas que devem ser as linhas de açom do reintegracionismo. Por onde devemos transitar? A que grupos devemos tentar chegar?

CD: Embora a situaçom, por motivos óbvios, nom seja ideal, é fulcral continuar a reivindicar a implantaçom do português do ensino médio, agindo com didatismo e prescindindo na medida do possível do filologismo, porque ao fim e ao cabo, neste país todo o mundo parece saber muito de gramática e sociolinguística. Tem-se avançado muito mas eu gostaria que se insistisse sempre ou quase sempre em questons práticas, que dam maior visibilidade e eficácia as ações e sobretudo tentar fugir do vínculo entre reintegracionismo e “friquismo” linguístico, como se para escrever e falar galego tivéssmos que estudar muito e ter que estar a corrigir a fala dos demais o dia inteiro.

Preocupa-me ganhar muitas e muitos falantes de galego que vem no reintegracionismo um snobismo ou um galego “satelizado” polo português. É preciso ganhar também para a estratégia luso-brasileira do galego um amplo setor da sociedade galega que polo seu contexto vital permanece alheio a Portugal (ou ao Brasi), mas que quer exprimir-se em galego. Parafraseando Méndez Ferrín, é preciso ir falar de reintegracionismo às portas de Citroën.

PGL: Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

CD: Um país integrado plenamente na lusofonia (nom só nas instituiçons ou nos congressos de Filologia), onde o galego-português é língua habitual nas ruas, nos locais de trabalho (também nas esquadras e nos tribunais), um país que soubo e pudo incluir no currículo escolar o ensino do português.

Conhecendo Carlos

  • Um sítio web: galizalivre.org
  • Um invento: A imprensa (o artefato)
  • Umha música: Música tradicional galega
  • Um livro: Só um? A boca pobre, de Flann O’Brien
  • Um facto histórico: A Primeira Guerra Mundial, polos processos históricos que pom em andamento
  • Um prato na mesa: Sardinhas e broa
  • Um desporto: O futebol
  • Um filme: Johnny Stecchino, de Benigni, por dar um só
  • Umha maravilha: a riqueza da nossa tradiçom agrária
  • Além de galego/a: italiano, com licença dos amigos italianos

 

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