Xosé Morell, diretor de exportações

PGL – Xosé Morell é viguês filho de emigrantes. Embora estudasse filologia-portuguesa (ou talvez por isso), agora é diretor de exportações. Adora a China e vê a norma ILG-RAG como um regime de Vichy.

 

Xosé Morell é um viguês tipo, quanto à procedência forânea dos seus pais, ela madrilena e ele catalão. O teu contato com a língua galega foi por meio da escola, não foi?

Foi. Eu não “mamei” o galego. O meu primeiro contacto com o idioma penso que foi uma canção de Natal que ensaiamos na escola cursando o de aquela 2º de EGB, alá no 1976. E não foi até os 14 anos, quando como todos os do ano 68, encontramos a primeira presença oficial do galego no ensino. De rapaz, fiz parte das Mocidades de Coalición Galega e depois estudei Filologia Galego Portuguesa em Santiago de Compostela.

Que lembras daqueles anos de estudante universitário?

A Autonomia começava a se desenvolver: Compostela era o Adanismo em estado puro. Os políticos, inteletuais e professores tinham um certo ar de “Fundadores da Pátria”. Era o Ano Zero da “Nova Galicia”. Tudo estava por fazer. E como se estava a criar um mini-estado, também se criou um mini-idioma de costas à realidade científica e ao nosso legado de séculos. Quem podia pensar que só trinta anos depois Galiza no balance final perderia falantes do seu idioma, população, tecido económico, tecido financeiro, património cultural…

À volta dos anos encontramos que este modelo de sociedade, fundamentado na omnipresença do Estado como único ator e que identifica cultura nacional com estrutura legal, levou, com a instauração da autonomia, como parte de esse Estado, a grande parte da classe política e elites intelectuais a cair na armadilha de secundar um padrão culto e um quadro legal que se têm demonstrado não só ineficazes como contraproducentes.

Embora começasses a trabalhar de docente, acabaste por enveredar pola área empresarial. Atualmente és Diretor de Exportações de um Grupo de adegas entre as que há uma de Rias Baixas. Que lhes explicas aos visitantes?

Da nossa adega há uma colossal visão do vale do Minho entre Salva Terra e Monção. Às visitas de todo o mundo explico que durante sete séculos a Galiza e Portugal formamos um só Reino, e que agora compartilhamos a mesma língua e ainda a mesma uva para vinho, pois as diferenças entre um alvarinho e um “albariño” não são maiores que as que há entre alguns vinhos do Condado e o Salnés. O mesmo acontece, por sinal, entre os vinhos de Valdeorras e o Berço. São os estados portanto quem desenham fronteiras nos territórios e nas cabeças.

A visão que o filólogo e o empresário tem da língua diverge muito. Tu participas das duas experiências, que nos podes dizer ao respeito.

Sou muito crítico com a deificação do Estado e os seus mecanismos. Olha: na Galiza, quando houve um Governo que decidiu tomar-se um bocado mais a sério a “normalização” do idioma continuando com a chamada discriminação positiva, apareceu algo não inédito no País, mas sim inédito na sua força, eco social e consequências: um grupo minoritário de pessoas fez bandeira da liberdade para precisamente atacar as políticas de normalização linguística que estavam a se desenvolver, e uma parte importante e mesmo maioritária dos galegos adicionou-se (ainda que fora passivamente) à maré do nacionalismo espanhol irritado com a Catalunha, que sim toma a sério o seu idioma. Ficou então bem claro que a “normalização” fora aqui criada e entendida como um paternalismo com a língua desfavorecida… para que nunca saia de essa situação.

Macau tem servido para facilitar a entrada da vossa adega na China mas a tua relação com esse país vai para além deste facto.

Pois é: a minha companheira e eu adotamos uma criança chinesa de oito anos. Eu já levava tempo estudando chinês, e ao princípio essa foi a nossa língua de comunicação. Foi, entre outras razões, por esta querença pelas culturas do mundo: pessoalmente se pode ser de nação 100% galego e 100% quaisquer outras. E isso não significa que a cultura nacional e institucional na Galiza tenha que ser uma mistura, como dizem os adoradores do Estado.

Agora a nossa filha vai a aulas de manutenção de chinês. Gosto pensar que no futuro ela falará as quatro línguas mais extensas da Humanidade.

Xosé Morell com a sua filha

Levamos 30 anos de Normalização Linguística. Como os avaliarias?

Seguindo com a China… aqui aconteceu algo parecido ao da região chinesa de Xianjiang ou Qurigar, onde lembrarão que há não muito tempo houve uns sangrentos confrontos entre os autóctones uigures (muçulmanos, o 45%) e os pertencentes à etnia han ou chinesa (41% da região, mais do 92% de todo o Estado chinês). Os “han”, ou chineses foram introduzidos pelo governo nas últimas décadas, ocupando os melhores postos da sociedade. Mas olhem, o ressentimento mais terrível era o dos han com os uigures, e não à inversa!

Como o governo comunista tinha que dar a imagem ao mundo e a si próprios de que o convívio era harmónico, e que os uigures eram respeitados e amados como uma minoria, estes eram tratados com certa condescendência ou paternalismo, sobretudo se se tratava de julgar delitos menores (pequenos furtos, etc.) nos contornos sociais a que foram deslocados. “Cuidam de eles como de ursos panda: nós seríamos enforcados por delitos que a eles não têm em conta” diziam os han na sua indignação e ressentimento contra os uigures. A harmonia nem existiu nem se procurou, mas sim um paternalismo contraproducente. Aqui estamos assim.

Que tem a oferecer a estratégia luso-brasileira à difusão social da nossa língua na Galiza?

Uma norma ortográfica aberta (prefiro esta palavra a “reintegrado”) dá resposta à constatação empírica do atual colapso e involução da “normalização” iniciada com a Autonomia: pensando-se na altura que os galegos aceitaríamos mais facilmente um padrão de língua culta que fosse reflexo do espanhol, por sua vez, parte integrante da identidade pessoal de um segmento importante da população (por exemplo, eu), estabeleceu-se como modelo de língua culta uma cópia do espanhol, fundamentando a implantação social deste modelo num quadro de suposta proteção legal e, ante a sua ausência, no presumido voluntarismo cidadão.

Mas a situação dos falantes da língua própria da Galiza tem degenerado até vermos desamparados os nossos mais elementares direitos linguísticos na vida quotidiana, alguns reconhecidos pela legislação internacional vigorante como a imersão linguística. O atual modelo de política linguística não só não elevou a consideração social do galego, mas, como explicava com o paralelismo de Xianjiang, mesmo tem gerado um crescente ressentimento histérico contra o já reduzido quadro de proteção legal a partir dos setores defensores do monolinguismo espanhol. O escândalo do Valedor do Povo é mais uma mostra.

Que linhas de trabalho pensas que devemos seguir os promotores desta estratégia?

Eu sou muito realista. E precisamente por sê-lo, penso que é apresentando o galego como tal, como a língua que científica e historicamente é, muitos galegos de boa fé acabaram por abraçar um galego aberto. Além de extenso e útil, o galego -ou português, que tanto tem- é o idioma do País. A partir de ai, podemos também reivindicar os nossos direitos pessoais e não só coletivos

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

Descarto as soteriologias, ou teologias da salvação dos nacionalismos pois estão no jogo do Estado. Simplesmente com deixar-nos ser o que somos, com miras abertas, ao menos para uma parte importante de nós poderia haver não só supervivência linguística e cultural, mas também desenvolvimento. E as instituições (seja quem for que as ocuparem) teriam o galego não só como uma língua litúrgica, mas como idioma vivo e prestigioso. O galego tem oportunidades: não é um “probiño” necessitado de proteção. Só precisa viver livre e aberto ao mundo e às mentes.

Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te tornares sócio e que esperas da associação?

Claramente: eu partilhava –com dúvidas- com muitos galegos, nacionalistas e não, os preconceitos que nos inocularam os criadores da Normalização e a Normativização. Estes dizem que temos que seguir na luta, apertar os dentes, e fechar filas com eles. Mas quando um persoeiro, autor intelectual da Norma RAG-ILG ,recebeu um dos muitos prémios que se auto concedem, foi que eu apostatei definitivamente da igreja e o seu clero.

O persoeiro reconhecia descaradamente numa entrevista a raiz do seu novo prémio que a ortografia galega fora copiada do castelhano, fundamentalmente porque o castelhano é Língua A (entende ele portanto que o será para sempre) e aos meninos e meninas galegos havia que lhes evitar complicações. Deve crer que as crianças são parvas! E decerto descarta a presença do galego no ensino a sério, que, repito, é um direito humano fundamental. Nem Gloria Lago desprezaria o galego com tanta claridade!!

Estava claro: a norma RAG-ILG fora como Vichy na ocupação alemã… Fizeram um bable ou panocho (com todos os respeitos) como solução de compromisso.

De AGAL não espero aqueles milagres que a fé de carvoeiro dos isolacionistas têm (tínhamos) a respeito das instituições públicas. Mas não formar parte do banquete conferiu ao reintegracionismo, ou galeguismo aberto, um plus de honestidade intelectual que estou certo que no futuro será tida em conta no País: em questão de dias, como uma revolução cidadã ao jeito de Islândia ou gradualmente ao longo de anos. Isso dirá-no-lo o tempo…

Conhecendo Xosé Morell

  • Um sítio web: facebook
  • Um invento: O livro digital
  • Uma música: Tokio Hotel
  • Um livro: Amin Maalouf. “Les Identités meurtrières” (As identidades assassinas)
  • Um facto histórico: Ano 1111: Afonso Reimundes é coroado Rei da Galiza em Santiago de Compostela.
  • Um prato na mesa: umas boas nécoras com um bom Rias Baixas.
  • Um desporto: direi dois, o tute cabrão, e caminhar entre a natureza.
  • Um filme: “The Lord of the Rings” (O Senhor dos Aneis).
  • Uma maravilha: o ser humano.
  • Além de galego/a: catalão, madrileno, e desde há dois anos chinês.

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