David Álvarez: «Galiza é uma nação com uns interesses que requerem que tenha soberania e a inclusão no mundo cultural lusófono permite-nos exercê-la»

David Álvarez é da Corunha e estuda História em Compostela. No seu ambiente social sempre predominou o castelhano, a qual foi a sua primeira língua até que decidiu passar ao galego, idioma que sempre sentiu «como algo próprio, ainda que não o falasse». Quanto à sua adesão ao reintegracionismo, deve-se a uma «questão de estratégia política». Contudo, ir de Erasmus a Lisboa foi a cereja em cima do bolo para tornar definitivamente reintegracionista!

És neo-falante, da Corunha. No teu ambiente mais próximo sempre predominou o castelhano. Por que decidiste mudar para o galego? Como foi o processo?

Eu sempre senti o galego como algo próprio, ainda que não o falasse. Grande parte da minha família sempre foi galegofalante e portanto toda a vida o ouvi na casa. E depois, é claro, estava o Xabarín. Assim que mentalmente estava predisposto a o falar, já que a minha valoração dele era positiva. Só precisava de uma motivação, que num primeiro momento foi cul…  tural e num segundo, política. Ao princípio, apenas redigia em galego no colégio, independentemente da língua oficial do curso. Naquele momento (estamos a falar de terceiro/quarto de ESO), começara a ler esporadicamente Castelao e a sua defesa da língua e das injustiças que sofriam os seus falantes calhou em mim numa idade chave. Escrever em galego era a única contribuição que me ocorria para a sua não desaparição, dado que começar a falá-lo era impensável, literalmente. Depois cheguei à universidade, em Santiago, e abriu-se-me um mundo novo: uma cheia de rapazes da minha idade falando galego naturalmente! Nunca tinha experimentado isso antes. Então, claro, de repente vês-te num ambiente positivo que pelo menos não penaliza negativamente o emprego do galego. Ainda assim não foi da noite para o dia, e primeiro falas galego com desconhecidos, por exemplo o vendedor duma loja; depois começas com gente de confiança de Santiago, que conheces há relativamente pouco e vais abrindo o leque até falar em Santiago com todo o mundo. O difícil é falar galego com a tua família e amigos de toda a vida, na Corunha, com os quais sempre te relacionaste em castelhano. Mas um dia estás farto de ser uma contradição andante e dás o passo. Afinal, dás-te conta que não era para tanto.

É fácil ser neofalante na Corunha?

É, porque muitos dos preconceitos contra a língua, pelo menos na gente da minha geração, estou a detetar que não superam em grande medida a puberdade. Não engano ninguém, é certo que destaco e que de vez em quando escuto um “ah, hablas gallego”, mas não tenho a sensação de que seja de maneira pejorativa. É que é surpreendente escutar um rapaz de 23 anos falar galego na Corunha. É uma realidade social. Uma vez superados os primeiros medos a falar galego com gente nova, e explicar-lhes porque o faço, a minha relação com a língua é totalmente natural. Não acho pertencer a um “estatuto de neofalante/galegofalante”, nem pretendo defender a língua em cada conversa. Simplesmente, falo galego.

Por que és reintegracionista? Que te motivou a viver o galego como sendo extenso e útil?

Evidências científicas à parte, para mim é uma questão de estratégia política. Uma vez chego à conclusão de que a Galiza é uma nação com uns interesses particulares que fazem preciso que seja soberana, independente, penso que a nossa inclusão no mundo cultural lusófono permite-nos exercer essa soberania de facto imediatamente em amplos aspetos, nomeadamente o cultural. Não precisamos do mundo cultural castelhano/espanhol como intermediário para aceder a outros blocos como o anglo-saxónico ou francófono (escusado será dizer, o lusófono; é pena ver traduções de Saramago nas livrarias galegas), porque podemos aceder através do mundo lusófono, importando os seus produtos. Assim, não precisamos de gastar uma quantidade enorme de recursos em traduções e adaptações para o “galego”, como têm de fazer quase todas as nações com línguas menorizadas do mundo que as quiserem manter. Porque a nossa língua é só menorizada numa parte muito pequena de onde opera. Isso faria-nos independentes culturalmente do Estado Espanhol, e quem ganhar a batalha cultural, ganha a batalha política. Também o vejo como uma oportunidade enorme para a nossa cultura própria, que ao ter um público exponencialmente maior, também teria uma maior massa crítica e só poderia ser melhor.

Aliás, está a questão dos castelhanofalantes. Como os convences de que têm de aprender galego, como lho fazes atrativo, se ao mesmo tempo lhes dizes que só vale para as quatro províncias, Astúrias ocidental, o Berço e três concelhos de Estremadura? Não quero cair no utilitarismo. Se fosse basco, provavelmente defenderia o uso do euskera, e teria que utilizar outra argumentação. Mas nós temos uma potencialidade que não podemos desperdiçar. A essas alturas, continuar a apelar a que devemos falar galego porque somos galegos, igual que Castelao dizia há 80 anos (quando o problema do galego era a diglossia, e não a transmissão intergeracional) é padecer uma enorme miopia social que só pode levar ao fracasso político.

Teres estado de Erasmus em Lisboa teve algo a ver com a mudança para o galego internacional?

Com certeza. Eu já fui bastante convencido de que o galego e o português eram a mesma língua. Porém, quase tudo o que tinha eram conhecimentos teóricos. Lá experimentei, durante um período de tempo prolongado e de maneira direta, essa proximidade. Havia outros erasmus que, quando nos ouviam falar os galegos (utilizando o sesseio e um léxico adequado) com portugueses, não acreditavam que fôssemos “espanhóis”. Uma bibliotecária da minha faculdade, começou a me ouvir falar e perguntou-me se era galego, dizendo que tanto nós quanto os portugueses do norte, falamos igual. O meu caseiro, com o que falava bastante, flipava quando descobria que na Galiza também havia “eiras” e “carvalhos” e afinal dizia que os galegos tínhamos de ser portugueses… E, obviamente, perceber que desde o primeiro dia tens uma comunicação fluída com os portugueses, que percebes perfeitamente os docentes nas aulas… e que o resto de erasmus, no entanto, demoram meses em começar a se manejar…

És estudante de História… Achas que o galego pode ajudar-te num futuro próximo?

Sim, claro. Por exemplo abre-me as possibilidades à hora de fazer um mestrado ou doutorado em Portugal sem maior problema. Não é que Portugal seja um paraíso, mas é mais uma possibilidade que tenho e que está aí. Também me permite aceder à bibliografia portuguesa que não está traduzida, o qual é interessante porque ao que gostaria de me dedicar no futuro é ao estudo da história medieval peninsular, e aí os autores mais importantes escrevem em português e castelhano, assim como os próprios documentos medievais. Por defeito, tenho acesso a essas duas bibliografias.

Qual achas que deveriam ser as linhas a seguir para a difusão do reintegracionismo e a normalização da língua?

Acho que a maneira mais efetiva que tem uma língua de seduzir a uma sociedade é através da beleza, é dizer, da arte, da cultura. Eu concordo totalmente, por exemplo, com a explicação da sociolinguística galega que faz o professor Álvarez Cáccamo, empregando para isso, como esquema explicativo, o da sociedade de classes. Porém, acho que é complementar com a dignificação do galego (mais que normalização) através duma integração numa cultura mais ampla, que permita romper barreiras mentais e deite por terra os estigmas sociais do galegofalante, por exemplo, fazendo a gente consciente de que figuras mundiais como Cristiano Ronaldo, são galegofalantes. Milhares de crianças na Galiza deixariam de pensar que o galego é de paletos simplesmente com isso. Deste jeito, não precisaríamos criar uma burguesia galegofalante, nem fazer desaparecer as classes sociais da Galiza. Simplesmente, temos de nos apropriar das elites sociais, culturais, etc…, que já existem noutras partes do mundo e falam galego. Considero-o mais fácil. Os galegos, o que necessitamos como povo linguisticamente diferenciado do espanhol, é auto-estima. E é claro que isso não se consegue hoje na Galiza, com o discurso da resistência irredenta. Seguramente, tudo isto não serve para ganhar falantes, mas sim para não os perder, que é o urgente.

Que visão tinhas da AGAL antes de te associares? E que esperas dela?

Que é a instituição a nível galego, que eu conheça, que faz a análise mais profunda e acertada sobre a cultura galega, ao mesmo tempo que realiza, segundo as suas possibilidades, as atuações concretas mais acertadas para a sua sobrevivência e reprodução. Neste sentido, acho que está muito por cima de qualquer partido político ou instituição cultural (a nível galego, entende-se; a nível local há muitas associações que também estão a fazer um grande trabalho). É por isso que decidi associar-me, para ajudar a que este projeto continue igual, mas com um bocado mais de força.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2030?

Gostava que fosse 100% galegofalante, sem perder nunca competências em castelhano, claro. Porém, sendo realistas, conformo-me com que a percentagem de crianças que recebem uma educação integramente em galego cresça, por pouco que seja. E se pode ser graças a uma rede de escolas Semente maior, melhor.

 

Conhecendo David:

  • Um sítio web: Praza Pública
  • Um invento: A escrita.
  • Uma música: Uma qualquer do cancioneiro popular.
  • Um livro: O conde de Montecristo, de Alexandre Dumas.
  • Um facto histórico: A Revolução Francesa, vimos dali.
  • Um prato na mesa: O cozido.
  • Um desporto: O futebol.
  • Um filme: O Senhor dos Anéis.
  • Uma maravilha: A cidade velha de Santiago.
  • Além de galego: Deportivista.

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