Entrevista a Manuel López Rodríguez, bombeiro

   PGL – Manuel López Rodríguez é bombeiro, mora em Vigo e é pai de uma miúda de dous anos para a que deseja que poda viver em galego. Viaja muito e numa das suas viagens tivo um insigth linguístico na Noruega. Tem uma história quase fílmica com a sua avó. Intitularia a política linguística deste país como um “fracasso anunciado”.

O teu trabalho permite-che viajar muito… em que tem ajudado isto no plano linguístico?

Pois acho que viajar abre o cérebro a outras realidades. No que toca à língua, permitiu-me ver que há outros caminhos. A condição de galego, com tudo o que isso carrega nas costas, tem provocado uma empatia com muitos dos povos e pessoas que moram lá onde eu viajei. Certas circunstâncias, como complexos de aculturação e auto-ódio, são mais compreensíveis desde aquele que sofre, direta ou indiretamente, nas suas carnes o não poder viver com normalidade na língua da sua mãe, quando, ademais, é própria e originária do território onde morarmos.

Observei como as tribos amazónicas e andinas, os índios no Canadá, nos EUA ou na América. Central, os maoris na Nova Zelândia, os aborígenes na Austrália, minorias étnicas na Índia, no Nepal o no Tibete, o sudeste Asiático… estão a perder a sua língua e a sua identidade por uma imparável intolerância e falta de respeito para o diferente por parte de quem tem o poder.

Cada caso é diferente mas sempre houve um ponto comum a todos eles na minha experiência pessoal. O colonialismo sempre foi relativamente tolerante com códigos universais como podem ser a música, a pintura ou a gastronomia, mas a língua própria dos povos que colonizou é um código alheio, de difícil ou impossível compreensão sem esforço. Ao mesmo tempo, sempre foram as línguas o ícone máximo da identidade que representava o cerne da cultura e a alma de um povo, polo qual, qualquer ataque seria muito amortizado. A reposta sempre é a mesma “vai ser melhor que eles aprendam a minha língua” e para isso utilizaram tanto técnicas “brandas” de marginação e morte por asfixia ou aquelas outras muito mais pesadas de aniquilação dos povos.

Um caso que me impactou muito foi o tibetano que se fala na cara sul do Evereste, no Vale do kunbu no Nepal, povoado pelos descendentes daqueles que imigraram 400 anos atrás do oeste do Tibete até esta zona do Nepal conhecidos como sherpas. Apenas umas condições climatológicas brutais e as montanhas mais altas do mundo são capazes de criar certas diferenças linguísticas, mas achei nessa altura e, mais ainda agora, que estas barreiras não são nada em comparação com as barreiras do divide e vencerás na Galiza. Aqui não temos Himalaias, mas as barreiras políticas e mentais são muito piores.

Já na Europa encontrei exemplos também muito tristes, como o de Irlanda onde apenas no oeste do país, 1% da população fala gaélico. Será o futuro que nos aguarda? perguntei-me. Fiquei fascinado ao escutar essa sonoridade nas tabernas no Ring of o kerry, com unha cerveja na mão.

Achei muito interessante o modelo suíço. Nunca lhes passou a ideia de tomarem outro caminho que não fosse reintegrar as variantes de italiano, alemão e francês que se falam nesse país. Falei muito com as pessoas dos diferentes cantões linguísticos e ainda reconhecendo que, às vezes, há problemas de comunicação pontuais com falantes dessa mesma língua no outro Estado, não percebem o modelo galego. Outro aspeto muito interessante, e nisto não andam com brincadeira nenhuma, é que num cantão com uma língua oficial, os usos parlamentares, as comunicações oficiais… são nessa língua, mesmo que falem várias; está muito claro qual é a língua pública comum. Funciona, e não se pode dizer que a Suíça seja um país não desenvolvido.

Na Roménia encontrei também que o húngaro e o alemão que ali se falam, apesar das diferenças, decidiram manter uma unidade com o seu universo referencial.

Há 14 anos, numa viagem de escalada à Noruega, e quando a meu inglês não era o que é agora, estava muito frustrado em Oslo com os meus problemas comunicativos para procurar alguma cousa de que precisava para me movimentar nas montanhas. Em dado momento, uma rapariga muito gira perguntou-me, utilizando artes de adivinhação, devo de supor: “Olha, tu entendes português?”. Respondi sim. A moça estivera um ano de bolseira no Brasil, e hoje posso dizer que algo começou a mudar na minha visão linguística. Era eu que estava a falar com unha norueguesa na mesma língua que eu falava com a minha mãe em Vigo? Estava a ser esta língua, uma língua franca para a norueguesa mas não para mim? Como uma língua autonómica estava a pôr em contacto fluidamente a pessoas com origens tão longínquas entre si?

Que te empurra a querer que o statu quo sobre a língua mude? Algo muito poderoso, que a minha filha possa viver com normalidade na língua própria da Galiza. O seu pai não foi quem e para consegui-lo e preciso procurar uma dignidade negada na Galiza há séculos.

Nessa luta a estratégia reintegracionista tem um peso específico essencial.

Manuel López Rodríguez é bombeiro em Vigo. Como se vive sendo galego-falante na cidade da oliveira?

Eu moro numa zona relativamente rural, onde muita gente fala galego, mais os velhos do que os novos; mas, para quase todos, quando “baixam a Vigo” o castelhano manda em todo aquilo que seja institucional no sentido mais abrangente da palavra. Enfim, continuo a escutar o galego mas recuando ano após ano a um ritmo muito acelerado com a substituição das gerações. Numa cousa concordam quase todos, novos e velhos: acham surpreendente eu falar com a minha filha de quase dous anos em galego e ainda mais que ela me responda na mesma língua — Galiza sítio distinto.

A respeito do “núcleo urbano”, eu tenho claro que só uma atitude firme e afoita permitirá sair a nossa língua de uma dinâmica de retrocesso, e para isso o primeiro que há que fazer e falá-la sempre, em qualquer espaço e ambiente. Nas atmosferas mais urbanas ainda é totalmente possível, há muitas pessoas que o fazemos e não somos nada de especial, mas não é precisamente algo simpático e convidativo para quem tenha dúvidas sobre a sua orientação linguística e pense demasiado entre escolher a língua própria da Galiza ou uma outra estrangeira, por acaso o castelhano.

É claro que nas grandes cidades na Galiza, em Vigo também, existe ainda mais resistência a usar e possibilitar o uso do g alego por sectores tradicionalmente instalados no “ negacionismo ”. Refiro-me a o mundo empresarial que, com casos muito louváveis, tentam contrabalançar esta corrente na sua maior parte instalada no castelhano. Aliás, é muito difícil acreditar que ao irmos às compras ou ao notário, ou um restaurante, temos unha língua própria que não seja o e spanhol.

Com muita tristura , tenho que dizer que tenho conhecidos e amigos que trabalhando no sector privado (um banco, um hotel ou uns grades armazéns) não têm outra hipótese que deixar o galego deitado na rua, bem fora do trabalho como se de lixo se tratasse…. e isto no século XXI.

A respeito do papel das instituições públicas viguesas (em teoria deviam de ser, legalmente, um “oásis” que rachasse com uma inércia secular contra o galego), está-se a passar de um desleixo no tratamento e uso do galego a uma cada vez mais comum beligerância em contra deste, sobretudo nos últimos quatro anos. Neste aspeto, é triste ver como a maioria dos máximos representantes dos cidadãos, os políticos, renegam do seu papel prestigiante do galego legalmente estabelecido, olham para outro lado, quase não usam o galego e quando o usam, minha senhora! já não sei o que é melhor: poderiam dar muito jeito a um isolacionista. «Não vês? já cho eu dizia, já não é a mesma língua…!

A verdade é que me têm acontecido cousas do surrealismo. Até o muito desagradável, como ligar para uma loja e perguntar: Olá, bom dia, “ estou na procura de uma cadeira ergonómica, olhei na vossa web que tendes uma”. A resposta foi: “no, sonajeros no tenemos ”.

Ao exigir num hospital que fosse atendido em galego, como ofertava um sistema telefónico subsidiado pola Junta da Galiza, respondem “lo siento la persona que habla gallego hoy descansa llame usted mañana”. Eu perguntei-lhe já morreram todos os galegos.

Ou simplesmente, como noutra ocasião, “usted hábleme castellano, que no le entiendo”.

Um dia qualquer, ao ir pagar na máquina para sair do estacionamento, perante a minha surpresa de a maquina ter como língua preferente o galego, um casal atrás de mim observa “mira, ahora las maquinas te tienen el gallego, deben ser del Bloque”. Eu, muito elegantemente e com um grande sorriso, girei-me e perguntei-lhes: Olhai, tendes troco? E que a coitadinha da máquina não funciona deveu de ficar “bloqueada” com tanta cousa que tem que aturar.

O galego ainda se fala em Vigo, mais do que se pudesse pensar a priori, sobretudo em certos sectores muito achegados à cultura e ao associativismo, mas eu nunca achara que algum dia poderia ver um gaiteiro galego a falar castelhano num palco, entre canção e canção, e isso já esta acontecer. Acho que um sinal de fratura preocupante.

Chegaremos ao caso irlandês, onde o gaélico está banido até da maioria da música tradicional?

Ainda assim, afortunadamente, a comunidade de pessoas dispostas a bater o pé de um jeito intransigentemente educado, para termos uma língua dignificada, ainda que devagar, está a aumentar. Até o conseguir, há que roê-lo.

A tua mulher é norte-americana mas tem mais dificuldades em entender-se com um jamaicano do que com um portuense.

Anos atrás, numa viagem pola América central, chegamos à costa oriental da Costa Rica, Puerto Viejo e Puerto Limón, e tivemos contacto com as comunidades provenientes da Jamaica que falam e vivem em inglês de jeito pleno. Bem se pode entender que eu tivesse dificuldades para perceber o que estás pessoas diziam, mas para a que hoje é a minha mulher não foi muito melhor. Nos primeiros dias custou-nos do demo, até adaptarmos os ouvidos e a fala a uma nova sonoridade, vocabulário e inclusive diferentes estruturas sintácticas. Ainda maior foi o impacte na Ilha de Utila, pertencente a Honduras, onde também se fala inglês.

Muitas vezes comentamos, quando estamos em Portugal, que é evidente que as varas de medir que determinam o que é uma mesma língua ou não, não estão muito homologadas. Desde o dia em que ela começou a perceber galego, nunca teve problemas similares a sul do rio Minho como teve com um lugar onde oficialmente as pessoas falam em inglês. O curioso é que ninguém decidiu criar uma norma particular para afastar estas comunidades do inglês, porque simplesmente seria um suicídio, por exemplo, ter livros de texto diferentes.

Poderia acrescentar que me aconteceu a mesma cousa com pessoas do oriente de Cuba ou na Amazónia no Peru, e ninguém diria que ali não se fala espanhol.

Recentemente assististe ao lançamento de 101 Falares com jeito em Vigo. Quão imprescindíveis são ferramentas como este manual?

A verdade que a presentação do livro foi brutal. O Fernando Corredoira, de forma muito atraente e interagindo com a turma, chamou atenção através de exemplos para as interferências semânticas do castelhano sobre o galego-português (na Galiza), que são as mais subtis e, logo, as mais difíceis de detectar. Reparou no início da palestra na capa do livro, que representa a linha azul do Minho e simboliza, numa diferente versão da bandeira Galega, a língua à procura da saída de um labirinto de séculos. A capa do livro dá no alvo e reflete a alma da questão. Trata-se de um manual que vai para além do que os autodidatas chegamos na procura de precisamente isso, de falar com jeito.

A respeito do Corredoira, tenho que dizer gostei da clareza da sua exposição, sempre pegando em comentários que vão alem dos típicos ou clássicos para ter sempre aquela reviravolta, aquele triplo mortal sem rede, que surpreende positivamente. Outra cousa impressionante e a velocidade com que dispara, quero dizer, fala. Foi espetacular.

Há 9 anos tiveste uma experiência “alucinatória” acompanhando a tua avó no hospital, que na altura somava 91 anos.

A minha avó teve que estar no Hospital durante bastantes dias. Chegou um momento em que começou a desorientar-se e a ter episódios alucinatórios progressivamente mais longos. Uma noite, estando com ela no hospital, depois de dizer muita cousa totalmente incoerente, começou a falar em tempo presente com uma expressão totalmente lúcida e até feliz de quando ela aí tinha por volta de 8 ou 9 anos, de quando ela estava no monte a ter cuidado do gado com um irmão. Foi como viajar no tempo no colo da língua durante 10 minutos. Começou a utilizar o infinitivo flexionado, algo que eu nunca ouvira quando ela falava; repetia uma e outra vez o Sr. Perfeuto, que os sucos não estavam direitos, falava de que o irmão não tinha paragem, do natal, de muita outra cousa que não poderei lembrar porque foi a primeira vez, e provavelmente a última, que o escutara. Até o seu sotaque era diferente, com mais altos e baixos, como se estivesse a cantar, definitivamente menos espanholado. Foi incrível. Daquela, um telemóvel destes tão giros que há agora daria para gravar, mas os meus anticorpos para este aparelho ainda foram bem efetivos até há pouco tempo.

Faleceu há pouco mais de quatro anos e esse recordo ficará muito vivo em mim. Eu tirei a minha conclusão: a vida fora moldando o seu galego cara um galego mais esquelético de sobrevivência, e isto aconteceu apenas na vida de uma pessoa.

Como definirias os 30 anos de Política Linguística em volta do galego ILG-RAG?

Acho que, tendo em seu dia ganho uma batalha, estão hoje a perder como Galegos/as. No mínimo, são cúmplices de uma estratégia/dinâmica, planeada sobre os alicerces do “divide e vencerás”. Exemplos na Europa desta dinâmica, há vários; mas o nosso deve ser dos pouquíssimos em que se optou por uma via isolacionista. Sabe-se que não foram critérios linguísticos, mas políticos, os que impediram a nossa reintegração na lusofonia. Os mesmos critérios e profilaxia que impede ainda hoje a receção das Tv portuguesas em aberto ou que seja tão difícil introduzir-se o Português na educação obrigatória.

Sem cerimónias, definiria-o como “fracasso anunciado”. Intitulá-lo assim, acho que é bastante cientifico, como hoje podemos constatar.

Não foram quem de promover uma lei que realmente prestigiasse e protegesse o galego e os galegos-falantes. A Lei de Normalização Linguística não passa de uma brincadeira, uma soma de boas intenções, e é ainda uma brincadeira maior fazê-la cumprir chegado o caso.

Não foram quem, nem estão a ser quem, de fabricar o suficiente número de neologismos do alto nível e “êxito” ao estilo de “beirarrua” para travar os que estão a entrar, quase dia a dia, provenientes do castelhano.

Não foram quem de superar o status de língua decalque a respeito do castelhano.

Tiveram muito em conta o português mas para se afastarem dele.

Negam a realidade de que o português apenas faz o galego mais ele próprio, constatado com a experiência dos estudantes de português de Escola de Idiomas ou secundário.

Continuam a negar a realidade de que a crioulição do Galego não ficou estática, após 1983 e que está a progredir dia após dia, sendo especialmente intensa no léxico cientifico-técnico.

Paradoxalmente, esta estratégia coloca-nos num cenário absurdo e contraposto na natureza, em que o galego pode desaparecer por endogamia, pela diminuição do número de falantes e ao mesmo tempo por hibridação com o castelhano, mascarado e disperso dentro deste último. Tudo isto acontece quando os vizinhos, à porta da casa, triunfaram com a mesma língua e conseguiram que tivesse usos normais a todos os níveis. Como se diz em casos assim: Deus dá pão a que não tem dentes…. é o mundo ao avesso.

Como começaste a mudar o teu esquema interpretativo da língua galega, e entrever que o guião que te mostraram não encaixava?

Muito simples. Ao começar a estudar português, em pouco tempo, e que sem que ninguém me dissesse nada, cheguei à conclusão de que tudo o que me comentaram durante toda a minha vida a respeito do Galego e do Português era mentira. Senti-me como se fosse roubado, foi até relativamente doloroso.

Como curiosidade, basta indicar que para saber o que significam muitos topónimos à volta da minha casa, apenas o dicionário de Português ajuda… isto também me deu para refletir profundamente.

Por onde deve transitar, em tua opinião, o reintegracionismo?

Eu acho que o reintegracionismo caminhou muito pelo academismo e chegou o tempo da divulgação de passeá-lo na rua, nos cafés, enfim, em todo o lado. A maioria das pessoas concordam com a estratégia mas nunca tinham escutado informação sobre o tema e, ainda que pareça mentira, inclusive para pessoas envolvidas com a língua.

Por outra banda, como aconteceu comigo acho, que propiciar o contacto com o português é chave para abrir mentes. Assim foi como principiaram todas as revoluções, no momento em que as pessoas começaram a pensar, não é? O pensamento é como água e é impossível de parar, sempre encontra o buraco.

Que visão tinhas da AGAL e que esperas da associação?

Achava que era uma associação muito academista, mas recentemente descobri que a equipa atual está a dar os passos certos para que o projeto se espalhe e chegue a mais pessoas com diferentes perfis.

Conhecendo Manuel López

  • Um invento: A Bicicleta
  • Uma música: Brahms intermezzo op 118 nº 2
  • Um facto histórico: O Big Bang
  • Um prato na mesa: Pad Thai vegetariano.
  • Um desporto: A natação
  • Um filme: O Piano
  • Uma maravilha: Viver o presente momento, atento com plena consciência.
  • Além de galego: Um curioso.

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