Isabel Mato é professora de matemáticas no ensino secundário, na Galiza. O que a torna especial, no mínimo para a termos convidado a conversar no PGL, é que leciona em português.
O seu caso evidencia uma das poucas secções bilingues em português existentes na Galiza. Nas tais secções bilingues diferentes matérias podem ser ministradas numa língua estrangeira.
São numerosas as existentes em inglês, inclusive em francês mas em português apenas existem sete. É por esta razão que conversamos com Isabel Mato, para saber as causas.
O seu centro é o IES de Cacheiras, em Teu. A ideia de lecionar em português surgiu a raiz do decreto de plurilinguismo. Este obriga a lecionar as Matemáticas em castelhano, o que provocou que muitos docentes que sempre deram as aulas em galego se vissem impelidos a mudar de língua.
Outra possibilidade era dar as aulas em português. Isto só era possível tendo um a Secção bilingue dado que os alunos têm de cursar Português para poder receber aulas de outra matéria em Português. Nos centros onde não se leciona português, na atualidade são por volta de 54 onde se ministra, não se pode oferecer uma secção bilingue. Esta a legislação para o ensino secundário. Na Formação Profissional o esquema é diferente.
Quando pensaram em introduzir as secções bilingues no seu centro era o momento da ILP Valentín Paz Andrade que, segundo Isabel Mato, tem ajudado na difusão do ensino de e em português embora tudo dependa um bocado de cada centro. A inspeção também é importante na medida em que têm de fazer um relatório favorável e, é claro, os pais devem dar permissão.
O sucesso em Teu deve-se sobretudo à publicidade e o apoio do centro, todos “entenderam que isto contribuía a melhorar a qualidade do projeto do centro e do ensino com grupos mais pequeno e atendidos. Também é preciso indicar que foi e é preciso meter muitas horas de trabalho o que unido à sobrecarga horária, tem feito fraquejar mais de uma vez o animo da docente. São precisas muitas horas para preparar aulas.
Entre as necessidades que se revelam mais urgentes é a existência de auxiliares de conversa que ajudem com o vocabulário, expressões, e dúvidas de todo o tipo.
Ora, os alunos gostam e ao se tratarem de grupos pequenos, “há uma maior atenção por parte do docente e os resultados são melhores”. De facto, este é um dos grandes estímulos que oferece o dito ensino bilíngue, maior qualidade. De resto, é um reforço para os alunos/as que cursam língua portuguesa como matéria. A experiência vai-se conhecendo e no presente ano o número de alunos/as duplicou sendo agora 40 em primeiro da ESO e passando-se de 4 a 19 horas de ensino em português, a somar português língua estrangeira e Matemáticas.
À pergunta de se a Xunta promovia o português, a resposta foi “Não, é o centro quem o tem que solicitar e francamente há pouco apoio. Por exemplo, não houve maneira de conseguir auxiliares de conversa, que são muito importantes embora este ano, felizmente, já dispõem de uma auxiliar que faz um trabalho muito importante, sobretudo na oralidade”
No momento da entrevista, a professora ia partir em breve para um curso formativo em Portugal, com o que surgiu a pergunta: a pessoa que a substitua dará as aulas em português? “ Para dar aulas de português o professorado tem de estar acreditado. Tens de ter um B2. E são contados os docentes da lista que têm essa acreditação. Portanto as substituições são complicadas”. Do que se deduz que ter formação em português é uma vantagem competitiva para quem estiver em listas de substituição.
A seguir falamos dos alunos, de como fora a sua experiência. “Para os de 1º é novo. Novo ciclo, novo ambiente e nova professora. Para os que passam de 1º para 2º foi fácil porque já tiveram a experiência do ano passado com bons resultados. Para os de 2º que agora passam para 3º sem ter cursado português… ao início é chocante. Para os que têm habitualmente outra língua a início pode surpreender, mas em geral a experiência é magnífica.. E os que não escolheram também estão contentes, porque os grupos se reduzem e melhora as possibilidade de atenção”
O seguinte corpo humano que tocamos na conversa foi o dos pais. “É obrigado informar os pais. Têm de autorizar. Daquela falou-se com cada pai, em pessoa ou por telefone, um por um. Tanto para lhes dar a informação como para conseguir as autorizações. As autorizações são importantes e a informação, porque é verdade que existe um período de prova, por se o alunado quer abandonar a secção bilíngue, mas uma vez que escolhe o compromisso é para o ano inteiro”
Segundo Isabel, “em geral os pais perceberam as vantagens, num modelo de ensino massificado, com turmas de 30-33 alunos… as matemáticas podem ser duras. E um grupo pequeno, garante a qualidade e a atenção mais específica a cada aluno. Penso que isto é algo que a gente descobre imediatamente. Aí o sucesso do português”
Em seu dia, no PGL publicamos um artigo de Paulo Gamalho onde afirmava que o decreto do plurilinguismo da Xunta era uma ameaça para o galego mas que, ao mesmo tempo, para introduzir o Português era uma oportunidade. Comentamos a Isabel que nos chamava a atenção que não houvesse mais docentes, da matéria que for, com a certificação de português, polo menos entre aqueles mais galeguistas. A sua resposta foi que “ tirar um B2 numa EOI implica um sacrifício, um trabalho, um tempo que nem todas as pessoas possuem. Depois toca preparar as aulas, criar novos materiais, há falta de confiança, falta de apoio institucional…”
A respeito do aspeto académico, julga a experiência “fantástica”. Dos alunos matriculados na secção bilíngue “a maioria aprovaram as matemáticas em 2 e 3º da ESO. Resultados que não há em qualquer outra turma. E isto é porque os meus alunos são grupos pequenos em relação às turmas em castelhano”.
Uma das chaves para o sucesso do português nos centros de secundário é a difusão no nível de primário. “Do centro dependem 3 escolas de primária, entre as explicações que se dão aos futuros alunos incluiu-se a opção bilíngue em Português…. havia 40 alunos matriculados em setembro… algo faríamos bem.”
A respeito dos colegas do centro, “Ao princípio alguns colegas tinham reticências e não estavam a favor de outra secção bilíngue, não por concorrência, mas por más experiências. Muitos docentes têm reconhecido o B2 de inglês, mas à hora da verdade é o nível nem sempre dá. Isso com o Português, claro, não se passa. Para uma galega, é mais fácil ter um bom nível de português que de inglês.”
Ora, também houve momentos de fraqueza “Em 2º ESO temos uma rácio de 25-30 alunos e em Bacharelato há turmas que podem ter 30 e mais de 30… O nosso centro está massificado. Entre os cortes de professorado e a carga horária, o ano passado foi uma loucura. O departamento de matemática é dos que mais carga horária tem. Com o professorado atual não se podem assumir todos os horários. A carga horária não se pode assumir: as horas de docência, departamento, e as de burocracia, cada vez maior, papeledas.. e já se te metes numa aventura como esta, broncas. Por momentos parece que a Xunta está a gozar connosco. O ano passado foi duro. Houve momentos que estive a piques de renunciar.”
Tínhamos curiosidade por saber se os alunos tentavam falar à portuguesa. Segundo Isabel, sim, dado que a língua em matemáticas é importante. “Os de 1º e 2º da Eso, vão tentando mas nos de 3º há já um nível, para além da matéria levam já vários anos de língua portuguesa. Algum sabe português melhor do que eu… corrigem-me. Temos mesmo uma aluna portuguesa. Está muito “contaminada” polo castelhano já que leva muitos anos cá… mas quando fala… é uma maravilha. A cousa é que tentem falar… e o bom é que não lhes importa ser corrigidos”.
A motivação dos alunos é alta, “mesmo em gente que detesta as matemáticas, ao se integrarem em turmas pequenas, recebem mais atenção e recuperam. Com as matemáticas muita gente é apenas que se atrapalhou num dado momento e depois abandona. mas ao estarem mais atendidos, o mais normal é recuperarmos, e isto, claro, é uma satisfação”.
A respeito da continuidade da secção, “no centro podes escolher como 2º Língua Francês ou Português. Em 2º da ESO é obrigatório cursar a mesma opção escolhida em 1º. Em terceiro já não. Podes continuar com as matemáticas em português ou optar por outra matéria mas normalmente os pais apoiam a continuidade e ainda mais com os resultados”.
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