Manuel Pinheiro é galeguista por clã familiar, achava que o reintegracionista era cousa de três tolos (nem sequer quatro que é o comum), cruzou o rio com várias jangadas, uma delas Sei o que nos Figestes nos Últimos 525 Anos, é voluntário em Croácia e jornalista de formação.
Manuel Pinheiro pertence a um grupo social infelizmente ainda pouco comum, aquele em que a transmissão da língua e da sensibilidade pola Galiza surgiu dentro do âmbito familiar. É assim?
É assim. Foi e será, felizmente. Os meus pais desde os anos 70 lutaram pola recuperação para espaços negados ao longo e largo da história da língua galega, mais em concreto a minha mãe, Elisa, que foi vereadora de Cultura e Ensino no Concelho de Bueu na primeira legislatura municipal polo Bloque Nacional-Popular Galego e desenvolveu também labor militante no sindicalismo, primeiro na INTG e depois na CIG, em prol do ensino em galego no seu âmbito de trabalho, como mestra de primária e secundária durante já mais de 35 anos, facto que sempre gosto de rememorar. Como não podia ser doutra maneira, ao meu irmão, Martinho, e a mim sempre nos educaram com o amor à nossa língua, a própria da Galiza, génese da nossa história como povo. Mas não só, também nos educaram na máxima: o saber não ocupa lugar e o respeito ao diferente é essencial. Por sorte, também fui escolarizado na Escola Pública do Hio, em Cangas, onde o seu quadro de mestras sempre foi, e continua a ser muito exemplar no exercício da transmissão da nossa fala a outras gerações.
Contudo, no processo de sociabilização sentiste a necessidade de o fazer em castelhano. Lembras o processo?
Com dúvidas, lembro usar as duas línguas, castelhano e galego, nos primeiros anos de vida. Hío é um lugar especial, o lugar onde decorreu a minha infância, e com toda probabilidade onde hoje em dia tem mais uso o galego no concelho de Cangas. Porém, ao chegarmos ao Ensino Secundário, muitos mudamos de língua de forma inconsciente num ambiente mais urbano. Os fatores de sociabilização estão em contra dos galego-pensantes, isso é óbvio: televisão, rádio, imprensa, a globalização na Galiza produz-se através do mundo hispanófono, a educação é em castelhano num tanto por cento elevado. Hás-de ser muito hábil para sobreviver em galego. Sempre à mercê da tolerância, como se for uma prenda e não um direito (não é o mesmo que respeito).
Isso sim, a língua na casa era o galego com preferência. Prestígio encoberto chama-lhe a sócio-linguística. Polo contrário, o meu interesse e defesa do galego jamais, que eu lembre, decaiu. Quer dizer, podia ser incongruente, mais ainda falando castelhano, qualquer agressão à língua tomava-a a mal. Fui consciente da situação de discriminação desde mui novinho. O sentimento de querença jamais desapareceu. Já na Universidade o esquema mudou aos poucos e comecei a falar mais e mais galego, com uma maior consciência. O mais estranho é sentir que é uma língua tratada como estrangeira, na própria terra que a viu nascer. E tencionam torná-la numa ilha no mundo, única e exclusiva dos galegos: quanta cobiça junta, não é? Isto é só compreender por que Otero Pedrayo disse da Galiza: somos o conflito português no Estado Espanhol.
É mais comum do que chegamos a perceber porque são relatos mui pessoais. Houve quem pôs toda a sua estupidez em demonizar os neofalantes ou falantes de castrapo. Aí está o nicho onde riscar, em palavras do deputado catalão Puigcercós, fazer do galego uma língua de coesão, com as camadas de migrantes vindos doutras partes. O galego é um ser muito nómade.
Como foram os teus primeiros contactos com o português e com o reintegracionismo? Que te ajudou a cruzar ao outro lado do rio?
Com o português do norte de Portugal, os meus primeiros contactos foram através do meu pai que trabalhou lá, no Porto, por vários anos em agências de viagens e por extensão no turismo. Ele sempre disse que falava português e quando anos depois fomos juntos ao Porto, pediu um café a um empregado de mesa e não fez outra cousa que lhe falar no galego do Morraço, o que ouvira de sempre, com alguma variação e o rapaz percebeu tudo perfeitamente. Eu comecei a intuir daquela. Havia algo que não contaram na escola. Ademais, o meu pai dotou-se de vocabulário da lusofonia, “fechar” ou “soneca”, são vozes que escutei de miúdo sem ter que viajar ao Porto ou Angola. Com a primeira lembro que tivemos de fazer numa aula de língua galega onde pus “fechar” em vez da mais comum “pechar” e o mestre renhiu comigo ao jeito de não entender como podia eu ter essa palavra no meu galego diário. Isso era um lusismo disse, como se fosse uma cousa má. Temos muitos anglicismos e galicismos e ninguém, que eu saiba, teve queixa! É possível que no meu caso fosse uma palavra trazida polo meu pai, ainda não acertei a saber. Eu fiquei surpreendido e não entendia nadinha. O tempo deu-me a razão porque o termo aceitou-se na mudança de norma ortográfica e morfológica “oficial” de 2002. Ou seja, nem sequer era lusismo nenhum, já fora registada antes na Galiza. A intolerância a esta influência das falas lusas não deixou de surpreender-me até hoje.
Anos depois, nos meus anos de estudante de jornalismo na USC, lá estava a viver também o meu primo José Luís, de alcunha Sinho, licenciado em Geografia, com o que sempre gostava de debater sobre centos de temas. Ele já era reintegracionista. Até daquela, do meu ponto de vista, esta estratégia parecia cousa de três tolos, de gente estranha, algo radicais e perigosos, e eu que sei quantos mais estereótipos na minha cabecinha. Nada tivera ouvido ao respeito e a ignorância é muito atrevida. Meu primo, com certeza, rompia com tudo isto: nem era um tolo, nem gente estranha, nem um radical perigoso mas uma pessoa sempre sensata. Ao contrário, as suas explicações eram bem interessantes e razoadas: o galego era mundial, uma oportunidade no mundo lusófono, e a história e a linguística davam razões sobradas para adotar esta posição, tantas ou mais que a posição até agora oficialista. Por lá andava a ajudar o Germám Ermida, especialista em banda desenhada, jornalista e antropólogo, algo mais estranho e perigoso que o meu primo. Para um galego (pensante) “aprender” ou adaptar-se ao português do Brasil ou de Portugal é singelo, nem sequer é um processo de aprendizagem desde zero.
Esse mesmo discurso escutei-o ao antigo deputado polo BNG Camilo Nogueira: “o galego fala-se na Bahia, no Brasil”- disse numa entrevista radiofónica na Faculdade. Fiquei surpreendido. “Eu falava português com sotaque de Lavadores no Parlamento Europeu”-disse também. Daquela já comecei a perceber a ideia e a compreender. Topei na Internet o “Manual de Iniciaçom à Língua Galega” de Maurício Castro. Li-o e foi de ajuda. Através deste conheci o Portal Galego da Língua e ia-me informando e formando de quando em vez. Tempo depois merquei do “Do Ñ para o NH” de Valentim Fagim e já fiquei convencido. O amor pola literatura foi de grande ajuda dado que autores como Manuel António, Eduardo Pondal ou Vilar Ponte promoviam o achegamento ao português padrão. Muito útil, sem dúvida. E assim fui apreendendo esta ortografia e também sobre as outras falas do português no mundo. Quando li Saramago no seu particular português sem problemas de compreensão, percebi a veracidade das afirmações. E tudo era tão familiar na leitura. Só precisava de tempo para me decidir a dar o passo.
Na verdade, “Sei o que nos figestes nos últimos 525 anos”, o portal retranqueiro também teve um importante efeito, pena que fechou.
Este ano de mudanças no pessoal e no profissional, já que estou a trabalhar de voluntário europeu numa organização não governamental na Croácia, vi-o claro, na distância. A unidade na diversidade, na cooperação de iguais, faz a força. O galego precisa das outras falas portuguesas para sobreviver e não estamos para brincadeiras no “Estado atual das cousas” e as outras precisam da língua nascida “nas ribeiras do Minho” para se redescobrir como uma língua com uma origem e uma história por vezes muito mal relatada.
Por outra banda, tive a própria experiência no Erasmus na Itália, numa viagem organizada por ESN-Bologna a Padova, onde topei com dous estudantes vindos do Brasil e de Portugal. Coincidi com eles na mesma mesa no jantar no hotel onde estávamos e fiz a prova. Certamente com sucesso, depois de falar com eles, pensaram que estava a falar um português estranho, com sesseio e sem nasalidade, e expliquei-lhes a situação na Galiza. Perceberam tudo perfeitamente. Uma hora de conversa foi suficiente para entender que era muito mais aquilo que está ainda a unir as nossas falas do que a separá-las.
Na Universidade de Vigo tiveste boas experiências no âmbito comunicativo, não é? Ajudou o teu galego de Cangas?
Tive. Ali conheci Nilton e Estela, estudantes portugueses de Vila Real de Trás-os-Montes. Vieram a Vigo estudar o mestrado de professorado em ensino secundário, bacharelado e Formação Profissional. Eu já tivera experiências no estrangeiro e sabia que não era assim simples integrar-se noutro país, fosse vizinho ou não (e mais quando os galegos vivem hoje ainda muito de costas a Portugal). Acheguei-me a eles e falei com eles em galego, por curiosidade, e eles jamais tentaram fazer o esforço de falar castelhano porque compreenderam que falávamos a mesma língua, com diferenças. A riqueza adquirida com eles foi muito valiosa, pois hoje posso ir a Valença do Minho ou a Braga e modular o meu sotaque até o ponto de ser questionado pela minha origem.
O meu galego do Morraço, com sesseio, entre outras caraterísticas, serviu porque não há dúvida que estes fonemas estão mais próximos aos usados polos portugueses do Norte. Temos uns fonemas sibilantes bem curiosos. Hei-de confessar que apreciei realmente o sesseio e a gheada ao ser adulto como uma riqueza. Em definitiva, foi bem útil.
Manuel Pinheiro é licenciado em jornalismo. Tendo em conta que crise é uma palavra grega que quer dizer mudança, como vives a crise dos mass media na nossa língua no nosso país?
Viver? Isso é muito pedir. Sobreviver e sofrer seriam verbos mais acertados. Eu não tive cabimento nesses média, não tive a oportunidade de achar trabalho fixo lá coma jornalista depois de anos de procura. Sou um jornalista novo, qualificado como “inexperiente” polo mercado laboral, mas o meu trabalho como freelance remonta-se a antes mesmo de começar os estudos universitários. Os jornalistas não têm poder de decisão nos mass media e assim vai como cantam os Terbutalina de Muros. Tudo está mal montado já que 90% dos mass media são regidos por senhores que têm uma ideia da finalidade deste negócio muito distorcida, traficantes de informação como diz o Pascual Serrano. Informar, interpretar e opinar sobre a realidade com uma finalidade de serviço público ficou, parece, uma ideia pouco assentada. A modo de retranca podo dizer que hoje o género literário do libelo tem muito sucesso nas páginas dos jornais ou na TV. “Não deixes que a realidade cague uma boa notícia” é a máxima a seguir até o paroxismo polos media na Galiza desde há lustros e não semelha que vaia mudar o conto. Fede a desprezo polo recetor mesmo até ser insultante. Hoje esses mass media devieram em aparelhos de propaganda ao serviço de interesses nada transparentes. Se preferiam ser gabinetes de imprensa de companhias, puderam dizer antes. Não podo mais que ser muito crítico, por consciência. Quando os media forem regidos por jornalistas principalmente, falaremos dum jornalismo com todas as letras.
Os media de massas no nosso país não comunicam na própria língua. Isso é certeza também. Têm a língua coma álibi para chuchar dinheiro público. Depois, lapidam a língua a pedradas: uma absoluta vergonha. As duas cabeceiras de maior tiragem são clarividente exemplo disto.
Um estudante de estágio como fui em 2008 tive que escutar, ante a minha desesperança e frustração, como lhe diziam que devia mudar de língua nos artigos porque o público não o ia entender, ou porque o jornal em questão não era “galeguista” e esta ideologia, diretamente, não gostavam dela, ou que o jornal era escrito só em castelhano (e então para que cobravam tanta ajuda da administração a favor do galego?). A simples identificação de usar uma língua com a ideia de que sou de tal ou qual partido ou movimento político per se, sem mais, já é sintoma de que a Galiza é um país desde o ponto de vista político anormal (e portanto, de todo o ponto de vista). O meu pensamento daquela foi: Fodam-se! Viva a liberdade de expressão! Viva o respeito ao diferente! Ante atitudes xenófobas, o que mais querem que lhes conte?
Na nossa língua e no nosso país há somente algumas iniciativas que estão a chamar a minha atenção, e polo de agora não são maciços: Praza Pública, porque tenciona ser o media onde tenha entrada a pluralidade de todas aquelas que defendam uma Galiza diferente e com futuro, promovendo a inteligência, próxima ao cidadão, plural, aberta ao mundo, e sempre ancorada num pensamento analítico e poliédrico, e portanto, crítico; Dioivo, porque poderia ser a semente duma cooperativa de jornalistas: um modelo que está por experimentar, polo que animaria os promotores a estudar essa ideia e planificá-la, já que poderia ter sucesso; Xeado de Toxo, media de proximidade do Morraço onde colaboro todas as semanas com críticas musicais e reportagens com o foco na cultura, a minha morada jornalística, o primeiro que fez um esforço por valorar o meu trabalho e me retribuir, na mais profunda humildade de meios e recursos. Todos eles estão escritos em norma ILG-RAG, polo geral, ainda que aos poucos vão dando espaço a outras propostas neste senso. Acho que há que reconhecer e valorar o seu trabalho: o primeiro por tentar ser o media com a independência por bandeira, o segundo por ser uma mostra do labor jornalístico a partir do amor ao ofício, e o terceiro por ser um media humilde, fruto do sonho dum rapaz cangueiro, Paco Granha, o seu editor, que tem um especial amor pola vizinhança, a tradição à par que pola modernidade, uma mostra da diversidade de atividade cultural e social que contem uma região da Galiza como é O Morraço, como mostra da riqueza da que dispomos; o quarto, por dar uma informação crítica e sobretudo voz a todo coletivo que não a tem normalmente.
Devo nomear também o Novas da Galiza, o único jornal em papel com a ortografia internacional. Além da linha editorial, com a qual podo estar mais ou menos de acordo, o exercício que estão a fazer os seus promotores é mastodôntico. Algum dia lhes será reconhecido todo o seu labor. Aí estão no número 121 e depois de anos de entraves.
O mass media galego que pretenda, queira e deseje, do meu modesto ponto de vista, ser tal, deverá combinar estas variáveis: independência, ofício, humildade e persistência. E para isto acontecer, os diversos media de comunicação galegos hão de convergir de algum jeito. A cooperação é fundamental. E se for para introduzir mais e mais a norma internacional, acho que seria o triângulo inscrito na circunferência.
Em tempos de crise, de mudança, como apontam, os pequenos projetos metem uma boa base para o futuro. Temos de estar atentos. Estamos já fartos, acho, de ver como uma e outra vez certos ideais, sonhos e planos desabam por não se ajustarem a expetativas realistas. Polo efeito da crise, deste calote tão abominável cheio de contos para não dormir, a gente tende a se centrar mais no preciso à força: pão e água, e menos no virtual: pão e circo. Depende de todas nós, galegas, ter a bem dotarmo-nos de meios em galego, e para isso é preciso, dotar essas empresas, no mais puro senso da navegação, duma solvência financeira e económica. Se desejamos os media em galego, há que pagar por eles, sejam na rede, sejam imprensa, porque há uns trabalhadores que precisam um sustento, precisam ser remunerados por um labor meritório que pode ajudar a muitas pessoas a estarem informadas, melhor formadas e inclusive entretidas. Não fazem falta quantidades astronómicas. Se deixamos tudo em mãos da publicidade que fornecem as companhias e a administração, ocorrerá o de sempre: os media não terão uma base sólida para resistir as pressões dos diversos lobbies e os seus objetivos básicos ver-se-ão rasgados mais uma vez. Sem desmerecer a via publicitária para se financiar,a publicidade tem uns objetivos nos quais os subornos não deveriam entrar e essas maneiras sobrevivem, contudo, por causa do uso e hábito, como se está a ver ano após ano, publicado no DOG ou via livre designação desde as conselharias da Junta da Galiza, desde que alguém lembrou o termo “democracia” para lho designar a este regime político há já quase quarenta anos.
Atualmente estás de professor voluntário numa zona muita rica do ponto de vista sócio-linguístico: a Croácia. Que tens aprendido da tua estadia naquela zona?
Bem, estou na Croácia a trabalhar num Serviço de Voluntariado Europeu, a tarefa de mestre é uma entre muitas. Dou aulas a jovens croatas entre 16 e 30 anos de competências básicas em língua espanhola, já que lá o espanhol chegou-lhes através da TV. Está a ser uma aprendizagem muito frutífera polas duas bandas. Eles estão muito interessados na aprendizagem de línguas internacionais. A minha ideia é propor-lhes o português. Não deixo ocasião para lhes ensinar que na Península Ibérica se falam além do português (e este fala-se na Galiza) e o espanhol, o catalão e o basco. Também trabalho com anciãos numa residência, promovo o voluntariado local e o europeu nas escolas secundárias e faculdades em Sisak, vila onde moro e onde está situada a organização para a que trabalho: Local Democracy Agency-Sisak, entre outras atividades.
O que tenho aprendido a respeito das línguas é que cá estão numa espiral centrífuga extrema, a tentar-se diferenciar uns dos outros, dum jeito bastante absurdo. O sonho de Ljudevit Gaj e Vuk Karadzic, os primeiros teóricos da unidade servo-croata, está a esmorecer por causas políticas, rifas sobre o tipo de padrão a recolher desde há dúzias e dúzias de anos, foram a principal causa de que hoje desenhem várias normas: croata, sérvio, montenegrino, bósnio. Um “quilombo”. Por sorte, acho que as novas gerações têm algo de sentidinho e ainda hão-de garantir a interlocução por décadas. Soa-me tanto o conto. Bem entendo que lhe podam chamar diferente por uma questão de identidade, mas como acontece com o galego, não se mintam senhoras: é a mesma língua, com diferentes variedades diatópicas: desde Rijeka até Novi Sad, desde Zagreb até Podgorica, a passar por Split, Sarajevo, Osijek, Belgrado, Mostar, Banja Luka ou Dubrovnik –ainda que si existam dous alfabetos, isso sim. Como o apontam Fagim e Pichel em O galego é uma oportunidade: o que no espanhol ou no inglês serve para unir, apesar das diferenças, não pode servir para separar no galego-português, no catalão-valencià ou no servo-croata.
Em tua opinião, que caminhos deveria seguir a estratégia luso-brasileira para avançar socialmente?
Primeiro: introduzirmos o ensino das variantes do português e o seu conhecimento expresso nas horas letivas de língua galega no ensino público, quando menos. Outra via seria introduzir o português no ensino com a consideração de segunda língua estrangeira. Não é lógico que a Estremadura espanhola tenha esta opção e ano após ano haja mais alunos de português ali; e aqui, polo contrário, não haja uma mínima e triste referência ao assunto nas aulas dos liceus. Eu pergunto às partes concernidas no assunto, ora professores, ora Junta, ora sindicatos, ora partidos políticos, ora quem for: a que têm medo? Quais são os pesadelos que levanta nas suas intranquilas consciências esta ação? Sei qual é a resposta, mas fique a reflexão para quem se der por aludido.
Segundo: receber os canais das TVs e rádios de Portugal. Para uma poupança de energias e mesmo dinheiros, tão de moda a austeridade como está, um simples achegamento da população galega às rádios e TVs portuguesas, com um custo baixíssimo, valeria para aprender o sotaque e vocabulário vizinho com facilidade, sem mais esforço que ligar a TV e ver a programação. É de interesse geral conhecer as novas do país vizinho, acho, ou não é?
Terceiro: eliminar as sincronizações da TV. Queremos aprender línguas e estamos obrigados a ir academias todo o tempo. É uma brincadeira. Meteram-nos o espanhol até na sopa e depois querem que aprendamos o inglês se não temos oportunidade de escutá-lo nunca! Na Croácia, por exemplo, têm um nível avançado de inglês e médio de alemão e italiano entre a população mais nova por causa desta política. Assim, promoveriam muito mais o mercado interno do cinema ante a diferença. Promovermos um exercício de respeito na população entre os diferentes é fundamental. Demasiado acostumados estamos ao jacobinismo, demasiado. O plurilinguismo espalha-se assim, não com o 33% de aulas em inglês como álibi para eliminar o galego.
Quarto: Esta estratégia deveria achegar-se à economia produtiva, às pequenas e medianas empresas para lhes explicar as potencialidades do galego no mundo, aqui mesmo, ao pé, a menos de 50 km, 100 km, o nosso maior sócio, o norte de Portugal e no potente Brasil, na emergente Angola. Falta que a Euro-região e a cooperação entre países venha a incidir mais nesse aspeto.
Que visão tinhas da AGAL e por que te tornaste sócio?
Soube da Associaçom Galega da Língua há um par de anos e não tinha um preconceito sobre a sua atividade, já que mal a conhecia. Foi quando li “Do Ñ para o NH” e escutei uma conferência de Valentim Fagim em Tominho o ano passado quando comecei a valorar a sério me associar. Perceber a Ricardo Carvalho Calero em livros e vídeos e mais a Valentim Paz-Andrade defender por motivos académicos e económicos esta estratégia, também serviu de apoio.
Tive a ideia de me tornar sócio porque lhe quero reconhecer o seu labor, meritório, em muitos aspetos, pois são um monte de gente que semelha trabalhar duramente sem apoios institucionais nem públicos de nenhuma sorte, o qual faz mais interessante o movimento que estão a gerar arredor da língua do país. E levaram avante muitas iniciativas como a Academia Galega da Língua Portuguesa, a editorial Através ou a loja on-line Imperdível. Livros como Do Ñ para o NH ou O Galego é uma oportunidade contêm a pedagogia que faltava em outras publicações a favor da defesa da nossa língua. A sua estratégia é radical já que não quer outra cousa para o galego que tornar à raiz de seu para dar-lhe um fim de seu no ecossistema que lhe é próprio no planeta. Tentar “salvar” uma língua num laboratório, numa gaiola, quando deveria viver no campo aberto não é solução, como se tentou há trinta anos com a normativização do galego. A filosofia da AGAL e outras iniciativas do seu contorno são convincentes. Ademais, depois de viajar umas quantas vezes, percebi que para a sobrevivência da cultura galega é preciso que esta se reconheça mundial, útil, com uma trajetória que escapou ao controle do povo galego há muito séculos, mas da que, porem, deve sentir-se orgulhoso, como aconteceu com toda língua internacional: ora inglês, ora francês, ora árabe. E dizer-lhes àqueles que esqueceram: somos grandes! O relato de sermos um povo de pobrinhos que fomos conquistados, com uma língua pobrinha porque padeceu séculos escuros, com um presente e futuro pobrinho porque já não é útil, não me cabe na cabeça, quando temos um potencial enorme por explorar a este nível. Temos que reagir e termos “otimismo de vontade, para derrotar o pessimismo da razão”. O espanhol não é a única língua internacional hoje em dia na Espanha. Galiza, como parte do território espanhol, hoje por hoje, tem uma língua internacional também. Alguém o terá que gritar bem alto e grave.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?
Por gostar… por gostar…. gostaria que toda a gente na Galiza valorizáramos a língua galega não só como uma riqueza popular e nacional, mas como uma riqueza mundial atual e palpável, sensível hoje, por sorte. Falarmos e gozarmos da língua. As línguas são estruturas de pensamento. Quem é o malandro que quer matar uma estrutura de pensamento? Isso é como matar uma criança ou um miquinho, porque as línguas são a mais formosa criação humana. Estimam-se 6.000 línguas na atualidade no mundo, é assunto próprio que continue formando parte de qualquer cifra futura a língua da Galiza. Gostaria de escutar o galego em todas as partes, gostaria de que fôssemos as galegas, o povo, as que se organizassem para aos poucos ir recuperando falantes, sem ter que esperar por políticas educativas ao respeito. Temos que nos dotar de instrumentos que a cousa pública não vai ofertar de hoje para amanhã por causa duma política nada igualitária. Jamais devemos ter esquecido as associações culturais e juvenis no âmbito mais local. Se não o fazemos agora, será tarde. Se temos capacidade de mobilização com dúzias de plataformas para irmos a Compostela, por que não temos capacidade para persuadir mais gente ainda para que a fale mais e mais e a transmita às novas gerações? A sociedade galega é permeável, é questão de dar-lhe o ícone ajeitado. A estratégia de apostar tudo a governar na Junta e depois já mudaremos tudo, fica comprovada que não é singela nem factível em curto prazo. Faltam redes de re-existência, a desculpar a palavra. Se nos crermos mais soberanos, cada cidadã e cidadão, toda mudança seria possível de realizar.
Conhecendo Manuel Pinheiro:
Um sítio web: www.xeadodetoxo.com
Um invento: A música
Uma música: Aline Frazao, Trampoline e Fuxan os Ventos.
Um livro: Apenas um? Ensaio sobre a Lucidez de José Saramago, Made in Galiza de Séchu Sende, El mundo patas arriba de Eduardo Galeano.
Um facto histórico: 2008: explosão do calote das subprimes. Não esquecerei jamais quando começou o século XXI e o ataque contra os direitos cidadãos e sociais. A história não se repete, desenha uma caricatura de si própria. Não pensei nunca que fosse viver momentos assim, nem que fosse tão certa esta afirmação que escutei de boca do jornalista Eduardo Haro Tecglen uma volta, e se não erro ele tirou de Karl Marx.
Um prato na mesa: Moussaka com iogurte grego de vegetais e fungos e empada integral de grelos, camarões e luras, feita na casa por um mesmo.
Um desporto: Natação e handebol.
Um filme: Intouchables, Cidade de Deus, Requiem for a Dream.
Uma maravilha: A praia das Catedrais, as Cies, a costa da Soavela, o festival de curtas de Cans no Porrinho, a costa de Dalmácia, a neve.
Além de galego/a: balcânico.