Mar López, filóloga: «O Erasmus em Lisboa veio reforçar mais ainda a minha visão internacional do galego»

PGL- Mar López é filóloga de gema. Está a estudar em Lisboa, onde lhe pedem que fale português da Galiza. É uma grammar nazi, mas ninguém se assuste: são os/as loucos/as pola correção linguística, e acha que sobre a língua se devem ligar ideias positivas e atraentes.

Mar López estuda Filologia em Compostela. Foi aí onde descobriste que o galego é uma língua extensa e útil?

Não. Isso aconteceu uns anos antes de começar a estudar Filologia em Santiago de Compostela. O culpável de eu descobrir que o galego é uma língua internacional, tem nome e apelidos: é um dos meus melhores amigos, Gabriel André Igrejas.

Atualmente estás de Erasmus em Lisboa. Em que medida este facto tem vindo a reforçar a tua visão ou a matizá-la?

O Erasmus em Lisboa veio reforçar mais ainda a minha visão internacional do galego. Estar cá permitiu-me aceder mais profundamente à cultura, à história e à língua portuguesas. E é desse novo conhecimento que possuo, das minhas vivências pessoais e das minhas novas amizades portuguesas que acredito, ainda mais (se isso for mesmo possível!) na internacionalidade do galego. Para além de aspectos linguísticos, o facto de estar a estudar Estudos Portugueses / Lusófonos em Lisboa, ofereceu-me a possibilidade de aceder, sobretudo, à história e à cultura portuguesas. Se linguisticamente, os galegos e os portugueses não somos tão diferentes como a gente nos quer fazer ver, culturalmente e historicamente também não! Compartilhamos uma história comum e culturalmente, os portugueses são como os galegos. Eles têm “chacota”, que seria, em termos culturais, a nossa “retranca”, igual de pungente do que a nossa; eles, pessoalmente, são desconfiados e fechados no princípio, no mesmo sentido do que o genérico dos galegos; os portugueses também tendem a desvalorizar a sua língua e cultura a favor do inglês e mesmo do espanhol. É muito conhecida a relação histórica entre o Reino Unido e Portugal. Em geral, e a diferença de nós, os portugueses têm um bom nível de inglês por causa da sua estreita relação com este país e também devido a disporem de muitos canais de televisão integramente em inglês e legendados em português. A maior parte dos filmes e das séries mantêm-se na sua língua de origem, que usualmente é o inglês. Por outro lado, o intercâmbio e a relação cultural com Espanha também é bastante forte aqui. Não é nada estranho ver nos quiosques de Portugal imprensa espanhola ou em espanhol. Possivelmente por isto, e também pelo facto de Portugal ser um país economicamente mais pobre, os portugueses consideraram a sua cultura e a sua língua inferiores a qualquer outra, em destaque à espanhola e à inglesa.

Os galegos não nos diferenciamos nisto mesmo. Muitos ainda consideram o galego ou o português da Galiza inferior e sem valor. Preferem aprender qualquer outra língua antes que o galego e a sua obsessão pelo inglês é tanta quanta a dos portugueses. Outra coisa que nos diferencia dos portugueses é que estes têm um espírito realmente europeu. Eles sim são europeus e não os galegos ou os espanhóis! Outro aspecto interessante é que os portugueses aceitam com boa vontade o plurilinguismo, a diversidade linguística e cultural… algo que os distingue rotundamente dos habitantes do estado espanhol. Um exemplo claro disto é que a pessoa portuguesa gosta de falar a língua do estrangeiro e muitos se esforçam para isso, sobretudo, se essa língua for o inglês ou o espanhol. Em certa maneira, acho que essa boa receptividade para a diversidade é em detrimento de si próprios; é, na realidade, uma consequência da sua autonegação, do seu sentimento de inferioridade. Ainda assim, nos últimos anos tem havido mudanças nesta atitude por causa, sobretudo, da crise económica. Os portugueses têm visto que Espanha está muito pior do que Portugal, com um Governo que leva a cabo políticas de corte muito mais agressivas do que o Governo português (embora as suas medidas de corte também o sejam). Isto fez com que eles tivessem começado a se valorizar bastante mais e a se deixarem de comparar com outros povos à sua volta.

Por estas razões e por outras muitas, considero que o povo galego e o português têm muitas mais coisas que os unem do que os separam, a começar simplesmente pelo seu caráter… praticamente idêntico. Aliás, os galegos compartilhamos com os portugueses muitas lendas, tradições, folclore, música… Por exemplo, há danças tradicionais portuguesas que são muito parecidas com as galegas; por outro lado, o espírito do fado lembra-me em muitas ocasiões ao próprio de muitos alalás galegos. Só por pôr alguns exemplos. Por que não havíamos, portanto, de ligarmo-nos linguisticamente a eles, se compartilhamos, na realidade, muita cultura? Posso contar uma anedota que me aconteceu nas minhas aulas de Literatura Portuguesa Medieval, cadeira que estudei no primeiro quadrimestre em Lisboa. Quando a minha professora soube que eu era galega, preferiu que empregasse o português da Galiza nas suas aulas. Quando os meus colegas me ouviram falar em galego, muitos, que nunca o tinham ouvido com anterioridade, ficaram realmente maravilhados e mais de um exclamou: “senhora professora, como é que posso perceber tudo o que ela disse perfeitamente?!” e a minha professora tentava explicar-lhes que, na realidade, o galego era uma variedade do português embora este facto não fosse reconhecido oficialmente.

Atendendo a esta anedota, é claro que existe um desconhecimento mútuo muito fundo entre os galegos e os portugueses por causa de um isolamento histórico e político criados propositadamente. É claro também que, para um português, um galego será à primeira vista um simples espanhol, mas quando ficam a te conhecer e lhes explicas as diferenças existentes, rapidamente o percebem e aceitam facilmente a tua consideração como galego. Porém, também é certo que existem muitos portugueses que conhecem minimamente a realidade galega e acham que os galegos não são espanhóis, aceitando, dessa maneira, as especificidades galegas. As minhas experiências com os portugueses a respeito das nacionalidades e das identidades foram muito positivas. E é que, em geral, os portugueses são muito mais receptivos do que os espanhóis.

Mar é neo-falante. Concordas com a opinião generalizada de que os neo-falantes são mais proclives à estratégia luso-brasileira para o galego?

Não tenho dados sobre este tema e na verdade não posso opinar muito a respeito disto. Mas, para ser sincera, pessoalmente conheço muitos mais reintegratas que são galego-falantes de toda a vida do que neo-falantes reintegratas. Com isto não pretendo afirmar nada nem tirar alguma conclusão, mas certamente, se algo tenho claro, é que tudo depende da capacidade de convencimento e nisto associações como a AGAL estão a fazer um grande labor ultimamente.

O ativismo linguístico tem grande importância para ti. Em que entidades tens agido e que projetos ou campanhas te reportaram mais satisfações?

Tenho participado em muitas associações e plataformas em defesa do galego. Ainda assim, atualmente não participo nem ajo em nenhuma; decidi parar este ano e dedicar todo o meu tempo ao Erasmus. Um ano de folga não faz mal! Espero voltar a ter atividade para o próximo ano.

Eu dirigi por uns anos a Associação Cultural Garipano. “Garipano” significa “fala galega” em baralhete. Este coletivo tentava lutar contra o significado do termo “gallego” no DRAE (Dicionario da Real Academia Española), já que define galego como “tonto” e “tartamudo” e, além disso, define a língua galega de maneira sucinta em comparação com as definições de línguas do estado espanhol como “catalán”, “euskera”, “español”, “asturiano”…  sendo situada, também, na 7ª acepção, justo depois de “tonto” e “tartamudo”, como se a “língua dos galegos” fosse a língua dos parvos e dos gagos. A associação começou a funcionar em 2008, mas durante esse primeiro ano dedicou-se a investigar em profundidade sobre o tema e pôde descobrir que a palavra “gallego” foi maltratada no dicionario da RAE durante séculos. “Gallego” significou todo tipo de coisas por muito tempo. Assim, os “gallegos” fomos “coisas” e não pessoas por bastantes anos e também fomos “escravos” até fins do século XX. Por isso decidi abrir esta associação… porque o maltrato dos galegos de parte deste dicionário, em particular, sempre me pareceu indignante.

Em 2010 lançou uma campanha de recolha de assinaturas contra esta definição; campanha que continuou durante 2011 e parte de 2012. Em 2012, a associação teve de parar a sua atividade por motivos pessoais dos seus integrantes. Conseguiu umas 3.000 assinaturas. Obter assinaturas não é nada fácil e qualquer pessoa que tenha feito alguma campanha sabe disso: por vezes tens de ser conhecido e ter um nome, se realmente queres conseguir muitas e sem o apoio de ninguém não é tão simples. Mas, em base a muito sacrifício e insistência, Garipano também teve os seus frutos: conseguiu que a RAE vá eliminar a definição de “tonto”. Mas ainda fica muito por fazer: que a língua galega seja corretamente definida, algo que a RAE se recusa rotundamente a levar a cabo, e também fazer que esta instituição apague o significado de “tartamudo”, definição que se sabe inexistente no país ao que se refere, El Salvador. Por outro lado, também é preciso continuar a insistir em que desapareça o significado de “tonto” porque, apesar de a RAE se comprometer a apagar esta acepção, todos sabemos que as promessas nunca foram cumpridas por esta academia. Muito provavelmente a Associação Cultural Garipano voltará a trabalhar já desde fins deste mesmo ano.

Além disso, junto a outras pessoas, entre as quais estão o Ângelo Lodeiro e o Gábri, começámos um outro projeto chamado U-lo?, com o apoio e ajuda de Valentim Fagim. Mas, infelizmente, o facto de eu ir de Erasmus e o Gábri ter de deixar o projeto por motivos pessoais, fez com que ficasse parado. Espero muitíssimo que seja possível voltar a retomá-lo

Apaixona-te a língua não apenas do ponto de vista social como também linguístico. És das pessoas que vai no carro a olhar os nomes das aldeias e cismar sobre a sua origem?

Gosto muito das línguas, em geral. Certamente sou uma freak da língua, mas não no sentido do exemplo da pergunta. Não gosto nada de cismar sobre a origem das palavras, ou de tentar procurar-lhes uma origem linguística. Gosto muito mais da sociolinguística. Fascina-me tudo o que tem a ver da relação entre língua e sociedade. Adoro também o estudo das situações de conflito linguístico ou das comunidades em que várias línguas são compartilhadas e as relações e status entre elas. Por outro lado, também me apaixona a dialetologia. Neste assunto tenho uma obsessão com as palavras: gosto de saber como é que se nomeia o mesmo conceito em diferentes lugares e países e em línguas não normalizadas, os exemplos são muito numerosos. Este ano, por exemplo, empanturrei-me com as diferenças linguísticas entre o português do Brasil e o português de Portugal… e enquanto o fazia, era realmente feliz! Ah! E por sinal, o conceito de “grammar nazi” assenta-me que nem uma luva! Isso sim, aplico este conceito comigo mesma, não com o resto da gente!

Em tua opinião, por onde deve caminhar o reintegracionismo e/ou o movimento normalizador? Quais as linhas de ação mais eficazes para um dia ser de sentido comum que a nossa língua é a mesma do Brasil e Portugal?

Eu acho o trabalho da AGAL ótimo nesse sentido. Penso que o único caminho para fazer sentir que a nossa língua é a mesma do Brasil e Portugal, é o convencimento, e o convencimento sem o apoio institucional ou de nenhum organismo oficial apenas é possível através da realização de diferentes e variadas atividades como as que realiza, neste caso, a AGAL.

Qualquer processo de normalização tem de conseguir que uma língua, considerada de pouco prestígio, aceda a todos os âmbitos de uma sociedade. Se esse processo não for acompanhado de uma imensa vontade por parte do governo, fracassará. Sabemos bem disso na Galiza. Além disso, o Governo sempre tem de enviar mensagens positivas à sociedade a respeito da língua, da cultura e da história próprias de um país como, no nosso caso, a Galiza… algo que não se está a realizar atualmente. Mas, as associações, os coletivos ou os movimentos sociais também têm um papel fundamental na consideração social do galego, no nosso caso. Nunca gostei das mensagens catastrofistas: elas fazem muito mais dano do que bem. Infelizmente ainda há bastantes coletivos focados nesse tipo de mensagens. Ao contrário, a AGAL sempre teve um discurso muito diferente, e isso foi também o que me atraiu desta associação. Acho muito importante as mensagens positivas para a normalização do galego, e, as atividades, ateliês, foros, etc que esta organização faz sempre tentaram transmitir uma visão fresca, atraente, diferente e, sobretudo, positiva da nossa língua. Fazia muita falta isso para o galego.

Por que te tornaste sócia da AGAL. Que visão tinhas da associação e que esperas dela?

Tornei-me sócia da AGAL porque já eram e são bastantes anos acreditando na visão internacional, extensa e útil do galego e olhava que o resto de organizações de língua não satisfaziam esta realidade. A minha visão da associação era a acertada já que nos últimos anos tive algum contato com ela e sabia como trabalhava, o que fazia, etc… o que espero dela? Pois espero que nos próximos anos e no futuro continue a trabalhar, como leva fazendo até agora, pela extensão da estratégia luso-brasileira entre a população galega. Nunca é demais! As atividades que leva a cabo a AGAL parecem-me muito interessantes e atrativas para conseguir este intuito.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

Por sonhar… gostaria que o português da Galiza acedesse aos âmbitos sociais em que não está presente atualmente. Gostaria que a normativa do Acordo Ortográfico fosse aceite na Galiza e que a estratégia luso-brasileira fosse aplicada, pelo menos minimamente. Neste sentido, gostaria de poder receber a RTP na minha casa ou poder comprar e desfrutar da literatura em português nas livrarias ou bibliotecas do país, sem nenhum tipo de impedimento.

Conhecendo Mar Lopez

  • Um sítio web: O projeto Enduring Voices de National Geographic.
  • Um invento: Definitivamente, a cama.
  • Umha música: Muitíssimas. Impossível escolher uma. A discografia completa de Epica, Leaves’ Eyes, Within Temptation, Nightwish (o velho Nightwish), Cradle of Filth… isso a respeito da música “mais” “extrema” que ouço. Depois gosto muito de Luar na Lubre, Milladoiro, Fia na Roca, Berroguetto, Zënzar, Ruxe-Ruxe, Nen@s da Revolta, Dios que te Krew, Machina, Lamatumbá, Quempallou e um longo etc…
  • Um livro: Muitos também. Em geral gosto da literatura de ficção científica ou médica, sendo Robin Cook o meu autor favorito nesse tema. Também gosto da literatura romântica e gótica; nesta última adoro Anne Rice. Escolher um livro torna-se impossível. Entre os autores galegos, para além dos clássicos, gosto da Teresa Moure, Agustín Fernández Paz e Xosé Neira Vilas, entre outros.
  • Um facto histórico: A incrível e fascinante luta dos indígenas e dos quilombolas brasileiros.
  • Um prato na mesa: Spaguete à carbonara, todo o tipo de saladas, e os ovos com batatas fritas, salsichas e um monte de ketchup.
  • Um desporto: Não gosto muito do desporto, mas, se tenho de escolher possivelmente seria alguma atividade que sirva para me manter em forma: o body-step, o GAP, as corridas…
  • Um filme: A vida é bela, Voando sobre um ninho de cucos (One Flew Over a Cuckoo´s Nest), Laranja Mecânica, Amélie, África Minha,  os filmes de terror japonês, e um longo etc…
  • Umha maravilha: A doçaria portuguesa e brasileira.
  • Além de galego/a: Sou qualquer etnia, povo, cultura ou língua desprezada ou minoritária.

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