Mariola López: “Já nom tenho que procurar traduçons a outra língua, podo ler a autoras internacionais na minha língua própria!”

 

Mariola López Morado é da comarca de Trasancos. A diglossia formou parte da sua infância mas aos poucos o galego vai ganhando espaços no seu dia a dia. A passagem ao lado escuro da norma é complexo mas há uma constelaçom de astros que facilita o trânsito. Estudar na EOI ajudou-a a ser mais autónoma em galego. Trabalhou na Semente e atualmente é técnica de apoio à investigação na Universidade da Corunha. Pergunta-se: a fonética galega morrerá com as nossas avoas?

Mariola é de Ferrol. Foi educada em castelhano mas os avós eram galego-falantes. Qual era a presença de ambas as línguas na tua infância e na tua família?

A minha relaçom com a língua foi sempre umha relaçom… diglóssica. A presença do galego era praticamente nula no ensino infantil e primário. Na casa também nom era mui diferente, mas as minhas avoas eram as quatro galegofalantes e nunca mudárom de língua comigo. Por parte da minha mae, as cinco irmás, criadas já na cidade, mudaram para o espanhol. Mas por parte do meu pai, todas falavam galego, mas o meu pai só mo falava quando estávamos com a sua família ou, às vezes, quando estávamos sós a falar daquilo que pertencia ao nosso coraçom… os pássaros, a chuiva, os caminhos, as ondas, os regatos, os peixes das rochas… Daquela eu fazia o mesmo, usava o galego para o que era do coraçom: para a poesia, para a casa, para os contos na lareira, mas nom para a matemática, com essa falsa divisom do que é cultura e do que nom. Porém, havia algumas dissonâncias: minha mae nom o falava, mas si cantava em galego, e a sua biblioteca era maioritariamente em galego.

Daquela eu fazia o mesmo, usava o galego para o que era do coraçom: para a poesia, para a casa, para os contos na lareira, mas nom para a matemática, com essa falsa divisom do que é cultura e do que nom. Porém, havia algumas dissonâncias: minha mae nom o falava, mas si cantava em galego, e a sua biblioteca era maioritariamente em galego.

No ensino secundário ouviste novas melodias mas quando ocorreu a mudança de língua?

Sim, a balança foi mudando no ensino secundário, tivem mui boas mestras e grandes bibliotecárias. Em segundo da ESO apresentei-me ao conselho de Normalizaçom Linguística. Já por esse anos escrevia praticamente tudo em galego, mas nom empregava a língua nas interaçons sociais, que continuavam a ser em espanhol, língua maioritária (por nom dizer única entre a mocidade do Ferrol da minha adolescência). Pouco a pouco o galego foi ocupando espaços da minha vida: no primário já ocupara a poesia e os meus diários, no secundário ocupou todos os meus escritos, e no bacharelato quase já ocupava parte das interaçons sociais na escrita. A fala tardou um pouco mais. Nom foi até o 2013 ou assim, que morreu a minha avoa, e que tivem a meu pai na distáncia, e sentim que a língua ficava dissecada, sentim que já nom tinha abrigo. Eu nom queria que a língua fosse só um refúgio para mim, queria que fosse parte de nós, parte da nossa identidade pública, parte da nossa realidade. E falo em plural porque em parte também me lancei a falar polo meu pai, para redimir toda a violência linguística que viveu na escola e na sua mudança da aldeia à cidade.

Em definitiva, fum aos pouquinhos conquistando espaços até chegar ao presente, onde já sonho em galego.

Mariola estudou Engenharia Naval e Oceânica, talvez um espaço ermo para a nossa língua?

É. Um espaço totalmente ermo onde a presença do galego era ínfima além dos impressos administrativos. Com umha exceçom: as aulas do professor Ramón Yáñez, quem lecionava as matérias de economia.

Os teus primeiros contactos com o reintegracionismo foram grafites da Briga e da Artábria mas os começos foram duros, não é? O que permitiu que mudasses a perspetiva a respeito da identidade da nossa língua?

Pois si, o primeiro contacto foi com os grafites no bairro de Esteiro, e a presença do centro Artábria, mui perto ambos dos três centros de estudo polos que passei (ensino primário, secundário, bacharelato e mesmo a universidade, pois estudei no Campus de Esteiro da UDC). Com honestidade, nessa altura via-o como umha rareza e tardei muito em começar a ter interesse. Quando o tivem achei complexo aceder a manuais e isto unido aos preconceitos que tinha, fijo que nom mudasse até o ano 2022. Três astros alinhados figérom que a Mariola escolhesse o reintegracionismo: 1. A mudança de ortografia do meu bom amigo Pablo Pesado, 2. O facto de começar a trabalhar de mestra na Semente Trasancos e 3. Que começara a estudar a língua portuguesa na EOI Ferrol.

Três astros alinhados figérom que a Mariola escolhesse o reintegracionismo: 1. A mudança de ortografia do meu bom amigo Pablo Pesado, 2. O facto de começar a trabalhar de mestra na Semente Trasancos e 3. Que começara a estudar a língua portuguesa na EOI Ferrol.

Mariola trabalhou na Semente. Porque é imprescindível a existência da escola Semente na comarca de Trasancos?

A rede de escolas Sementes som imprescindíveis na Galiza, mas com especial ênfase na comarca de Trasancos, para dar um espaço às crianças galegofalantes da cidade de Ferrol e Narom onde a língua se extingue.

Precisam dum espaço onde ser e existir na sua língua. Um espaço criado por e para a língua. Porém, apoiar a construçom dum espaço autogerido como a Semente nom é incompatível com outro objetivo comum: luitar porque nas escolas públicas da Galiza (refiro-me ás escolas de titularidade pública, do governo) haja um ensino de qualidade na nossa língua, por umha escola onde nom esteja proibido dar aulas de matemática em galego, onde as nossas referências centrais nom sejam Cervantes, Velázquez e o rio Guadalquivir. Dizia que isto nom é incompatível e de facto nom o é: muitas das ativistas que formam parte da Semente som também ativistas polo ensino público em galego, ativistas linguísticas em muitos outros ámbitos, ativistas meioambientais, transfeministas, etc.

Neste ano começaste a estudar português na EOI de Ferrol. Porque recomendarias ao pessoal galego essa experiência educativa?

Aprender a variante portuguesa da nossa língua ajudou-me no processo de mudança ortográfica. Mais o mais relevante, para mim, umha pessoa sem conhecimentos de filologia, aprender o português, foi que adquirim outra perspetiva e ajudou-me a melhorar a qualidade do galego.

Ademais, agora sinto-me mais segura para aceder a leituras e conteúdos audiovisuais que antes nom consumia e isto amplia o meu horizonte até o infinito. Já nom tenho que procurar traduçons a outra língua, podo ler a autoras internacionais na minha língua própria!

Aprender a variante portuguesa da nossa língua ajudou-me no processo de mudança ortográfica. Mais o mais relevante, para mim, umha pessoa sem conhecimentos de filologia, aprender o português, foi que adquirim outra perspetiva e ajudou-me a melhorar a qualidade do galego.

Numa nova fase laboral, és técnica de apoio à investigação na Universidade da Corunha. Entre as tuas funções figura o projeto europeu FLORES (Forward Looking at the Offshore Renewable EnergieS) onde se analisa a formação e oportunidades laborais em energias renováveis marinas e são criados materiais educativos para promover a alfabetização oceânica. Soa bem…

Em julho comecei na universidade. Ademais da engenharia, estudei o mestrado de professorado em secundário e FP e este posto de trabalho é algo que pom em comum ambas as cousas: um perfil misto entre a engenharia e a educaçom. Além das tarefas que já citas, também participo dos labores de divulgaçom científica do CITENI (Centro de Investigaçom de Tecnologias Navais e Industriais). Este passado 29 de Setembro foi à Noite Galega das Pessoas investigadoras e estivemos a construir barquinhos com materiais de refugalho com escolares de Ferrolterra e a mostrar o canal de experiências hidrodinâmicas (um dous poucos da península e que temos aqui em Ferrol) onde se testam modelos de barcos, um mar em miniatura.

Porque decidiste associar-te à AGAL e o que esperas do trabalho da associação?

Som consumidora dos conteúdos audiovisuais da AGAL e acho que som de muita qualidade, especialmente os vídeos do Youtube e mais o consultório de Twitter. Todas estas criaçons da AGAL (junto com o manual de iniciaçom linguística do Maurício Castro e as infografias feitas pola Semente e pola AEG) fôrom-me de muita utilidade para iniciar-me no reintegracionismo.

Som consumidora dos conteúdos audiovisuais da AGAL e acho que som de muita qualidade, especialmente os vídeos do Youtube e mais o consultório de Twitter.

Decidim associar-me à AGAL talvez porque visse que há muita mocidade movendo-se na associaçom e eu nom queria deixar de ser parte (pode que também influíssem as Power Rangers :-). Ao mesmo tempo, de todos os materiais que citei, eu fum utente de graça, gostaria agora de poder apoiar o trabalho daquelas pessoas que estades trabalhando neles.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?

O melhor? A resistência da língua na boca do nosso povo, apesar de toda a violência linguística social e institucional sofrida.

O pior… a assimilaçom que se está a fazer da língua polo espanhol, que qualquer cidadá espanhola compreenda a nossa fala nom é um mérito mas um sintoma de a nossa língua estar a ser absorvida por outra… já nem que falar da nossa fonética… morrerá com as nossas avoas?

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?

Gostaria de que fosse nítida, com isso bastaria.

Conhecendo Mariola:

Um sítio web: qualquer que mostre legendas de cançons

Um invento: a copa menstrual

Uma música: “La jardinera” da Violeta Parra

Um livro: “O apelo da selva” do Jack London

Um facto histórico: a primeira semente cultivada deliberadamente

Um prato na mesa: patacas cozidas com judias e calabiço (chouriço de cabaça da Galiza) com sal, vinagre e azeite

Um desporto: a nataçom

Um filme: a história interminável

Uma maravilha: o cantar da minha mae a regar apesar da chuva

Além de galego/a: caranceira (de Carança, 15406)

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