Miguel Rodríguez Fernández: «É fundamental introduzir o português como língua de estudo no ensino, já agora, desde crianças»

PGL- Miguel Rodríguez Fernández, é natural da Corunha, neofalante. Conheceu o reintegracionismo ao chegar a Compostela e a AGAL através do curso on-line Falarmos Brasil, também participou nos cursos aPorto. É jornalista e estagiou em El País, no Xornal de Galicia, na agência Europa Press e atualmente em La Opinión.

 

Nascido na Corunha, neofalante e dum contexto familiar e social onde o galego quase não existia, com a exceção de ser a língua empregue pelos seus avós e por algum professor nalgumas poucas matérias durante o ensino secundário. Como foi o passo?

O processo não foi fácil. Desde que comecei a educação secundária eu já tive uma certa sensibilidade para a questão linguística e cultural do nosso país, mas eu vivia numa contradição, que era a de defender a língua galega em espanhol, quando falava com a turma nas aulas. Eu não era quem de mudar a minha língua do dia a dia com os amigos e os familiares de toda a vida, com os que sempre tinha falado em castelhano. Se calhar há gente que sim teve a valentia ou a personalidade de fazer esta mudança. Eu não. Sentia uma barreira invisível e o facto de também não conhecer muita gente que partilhasse a minha visão da língua não ajudava a mudar esta situação. Dei o passo, finalmente, quando cheguei à Universidade a Compostela, acho que por dous motivos principais. O primeiro, porque entendi que começava para mim uma nova etapa, mais madura, na qual tinha de ser coerente com o que dizia. O segundo, e talvez mais importante, porque lá conheci muita gente que tinha vivido a minha experiência no passado. Gente que falava castelhano e que um dia decidiu mudar. Se eles podiam, eu também. De tudo isso aprendi que cada pessoa tem de ter os seus próprios ritmos e que o processo individual de normalização do galego é, cada um, um mundo diferente.

Como assumiram as tuas amizades e família a mudança?

As minhas amizades e família já eram conhecedoras da minha opinião sobre o tema, por isso também não foi estranho para elas. Porém, houve alguma situação engraçada. Recordo quando uma rapariga me perguntou uma noite, com toda a boa intenção do mundo, se eu era “gañán”. Fiquei um pouco alarmado pela pergunta, mas ela dizia-me que, para ela, “gañán” era um jovem qualquer dos municípios próximos da Corunha, onde as pessoas falam mais o galego. Ela não dava um sentido negativo à palavra, mas diz muito de como estão as coisas. Evidentemente, foi uma exceção. Amizades e conhecidos entenderam muito bem o passo. Não houve tantas brincadeiras como temia no início.

Jornalista de profissão, foste estagiário em El País, no Xornal de Galicia, no Europa Press e atualmente és em La Opinión. Que diferenças e semelhanças há com respeito aos usos da língua?

Cada jornal é diferente e o uso da língua depende dos livros de estilo que já existem e nos quais os jornalistas pouco podemos influir. Com a exceção do desaparecido Xornal de Galicia, onde tinha a liberdade de escrever em galego o que eu quisesse, o que vivi como jornalista no resto de empresas é que o galego está muito discriminado. As nossas letras saem a passeio um dia ao ano -no Dia das Letras Galegas- e nas informações sobre cultura, no máximo. No jornal onde eu trabalho agora também podemos escrever entrevistas em galego se o entrevistado fala o galego, mas a língua do dia a dia é o castelhano e, nas notícias gerais, as declarações em galego são traduzidas. Também há que destacar um problema que acontece no jornalismo: muitos dos programas de correção não estão programados para a revisão dos textos em galego e isso desincentiva muitas pessoas a fazerem o esforço, especialmente num contexto em que cada vez menos pessoas fazemos mais trabalho e onde precisamente o tempo não sobra. A má situação que vive a língua no jornalismo do nosso país, insisto, acho que não é culpa dos trabalhadores mas dos grupos empresariais da comunicação e do seu quase nulo compromisso com a cultura e línguas deste pais. E o de quase nulo compromisso é relativo. Gostaria de saber quantas linhas em galego seriam escritas nos jornais sem as ajudas públicas da Xunta.

Como conheceste o reintegracionismo e que te impulsionou a dar o salto para o galego conetado com a Lusofonia?

Realmente, na minha vida diária não faço uso habitual do reintegracionismo nem da normativa padrão. Escrevo na normativa RAG-ILG. Conheço o português porque o estudo e costumo ler nesta língua. Do que estou mesmo certo é que o discurso em defesa do galego tem de mudar a abordagem completamente se queremos fazer dele um idioma de futuro. O discurso de que “há que falar o galego porque é a língua dos antepassados” é agora tão efetivo como rezar à virgem do Rosário para sairmos da crise. Eu vejo-o com as minhas amizades e a gente jovem duma cidade como a Corunha. Muitas já não têm avós galego-falantes, é lógico que não sintam o galego como algo seu quando sempre falaram e escutaram o castelhano como a língua mãe.

As realidades mudam e acho que o discurso tem de o fazer também. Ao contrário do que em Euskadi ou na Catalunya, temos a sorte de ter uma língua com que poder falar com 200 milhões de pessoas em todo o mundo e levamos muitos anos vendendo-a como algo pequeno e reduzido quando não é assim. Esta é a nossa vantagem comparativa com o resto. Quando alguém dizer que o galego limita e não serve teria de haver alguém pronto para dizer que o galego não limita, senão que faz da Galiza um país que, pelo domínio do castelhano e do galego, pode falar com o duplo de pessoas no mundo do que alguém nascido em Madrid. Isso permite ler Álvaro Cunhal em original, escutar canção de protesto do Brasil, mas também serve para melhorar as exportações das nossas empresas no mercado dos países da lusofonia, entre os quais está o Brasil Angola. Duvido que haja algum galego, seja nacionalista ou não, que seja contra isto. Às vezes, acho que somos nós mesmos os que não queremos entender. Conheço uma pessoa da Corunha que trabalha numa empresa financeira em Madrid. Agora estão a fazer investimentos no Brasil e os chefes chamaram-no para fazer de intermediário com os brasileiros “porque el gallego y el portugués son muy parecidos”. O engraçado é que ele era dos que pensavam que o galego fechava portas. Teve de ir para Madrid para comprovar que as abria.

Por onde achas que deve caminhar o reintegracionismo e o movimento normalizador?

Acho fundamental introduzir o português como língua de estudo no ensino, já agora, desde crianças. É, aliás, o melhor jeito de que a gente jovem compreenda com a sua própria experiência que não há quase diferenças entre o que se fala aqui e o que falam em Lisboa, Luanda ou Porto Alegre. Com o galego temos já mais de 80% do caminho feito e não há que perder essa oportunidade. Na China o português já é uma das línguas mais estudadas nas Universidades. O nosso é um privilégio. Por isso, acho que iniciativas como a ILP Valentim Paz-Andrade são do mais interessante e oportuno.

Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a associar-te e que esperas da associação?

Não tinha escutado o nome da AGAL até que cheguei à Universidade e, uma vez lá, também não tinha muito conhecimento da sua atividade. Comecei a saber mais da associação quando me inscrevi no curso online Falarmos Brasil, a minha primeira experiência académica com a norma portuguesa, que posso dizer que foi um autêntico sucesso. Depois também participei no curso aPorto, que também recomendo. A decisão de começar a fazer parte da AGAL veio da minha convicção de que o discurso linguístico tinha de mudar a sua focagem e olhar para a lusofonia, do interessante trabalho que percebi que estavam a desenvolver com escassos recursos (os cursos online, os aPorto…), da pluralidade ideológica e de pontos de vista que havia entre os seus membros e, também, do desaparecimento social e inatividade das organizações cívicas que nos últimos anos, em teoria, mais trabalharam pela normalização do galego.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

Gostaria dum país onde não tivesse que me girar ao escutar uma criança falar o galego na minha cidade. Gostaria dum país onde os jovens acabem os estudos secundários com a mesma facilidade para falar o galego e o castelhano, coisa que hoje não acontece. Mas, sobretudo, gostaria duma Galiza onde o galego fosse a língua do dia a dia para os miúdos, os pais e mães de família e os avós e onde a gente tenha consciência da nossa estreita relação com os países que falam o português. Tudo isto, logicamente, numa sociedade que tenha também competências para falar numa língua tão formosa como o castelhano, o francês ou qualquer outra que cada um quiser.

Conhecendo Miguel Rodríguez Fernández

  • Um sítio web: Wikipédia
  • Um invento: A máquina de lavar a roupa.
  • Uma música: Gosto de muitas.
  • Um livro: O sorriso etrusco, de José Luís Sampedro.
  • Um facto histórico: As revoltas irmandinhas.
  • Um prato na mesa: Um cozido à galega.
  • Um desporto: O futebol
  • Um filme: A batalha de Argel.
  • Uma maravilha: A nossa cozinha
  • Além de galega: Europeu

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