Santiago Prieto: “Só a partir da militância poderemos fazer algo”

A família de Santiago Prieto é do sul mesmo, da raia. Ao ir morarem para Vigo há mutações na esfera linguística. No entanto, a adolescência é um aliado do Santiago. Na Faculdade de Económicas toma contacto com o reintegracionismo. A sua criança estudou em Monção e agora residem em Andorra em contacto com várias línguas, entre elas, a nossa. Para ela é importante a receção das Tvs portuguesas no nosso país.

Os pais do Santiago são das Neves e de Arbo. A dada altura ides morar para Vigo e há um hiato entre a língua que falam entre eles e a que falam contigo. Que lembras daquilo?

Lembro-me disso nos primeiros momentos da infância como quase normal, por volta dos 7 ou 8 anos começas a ver que tua mãe e teu pai falam em galego entre eles e com os meus avós, embora falem espanhol connosco. Vejo também que quando vamos à aldeia ao fim de semana, o ambiente é totalmente galego-falante e isso chama-me a atenção. Dizer que estávamos numa situação económica muito confortável e os meninos da cidade trocavam para o espanhol para conversarem connosco. Parecia que o espanhol era a língua culta que tornava a sua vida melhor.

A minha mãe deixou a cidade aos 12 anos em circunstâncias dramáticas, pois o seu pai (o meu avô) fora assassinado no Brasil e ela nunca o conheceu porque ele emigrou logo depois de se casar com a minha avó, que ficara grávida. A minha avó, logo depois que ele morreu, casou novamente com um rapaz treze mais novo do que ela e que era cego (uma bomba estourou enquanto trabalhava com explosivos num mina) e também não não tinha um braço. Pois bem, os três foram para Vigo trabalhar na ONCE e a minha mãe faria o liceu sem falar praticamente nada de espanhol, pois foi criada com a mãe e os avós nas Neves. Foi com o tempo que percebim o sofrimento dela na escola por causa da língua, como riam dela, até lhe batiam alguns professores. Não terminou o liceu e começou a trabalhar numa fábrica no Berbês onde, aos 17 anos, casou com o meu pai, que estudava na escola de pesca de Vigo. Hoje em dia estão separados mas quando volto para as suas casas, sempre a falar destes temas, tenho a sensação de que deixaram de falar galego connosco porque acharam que era melhor para nós. Os três irmãos fomos educados em colégios particulares de Vigo. Na atualidade só me comunico com eles em galego.

Com 14 anos decides instalar-te no galego. Como foi o processo? Tiveste aliados? Tiveste dificuldades?

A decisão de instalar-me no galego vem motivada quase pola minha avó materna. Ela viu para Vigo e nunca deixou de falar o galego. Com o passar do tempo dei-me conta de que o falava com notas portuguesas. Por exemplo, sempre falava de feiras nos dias da semana ou muitas palavras que agora me dou conta serem galego-português como prateleira, travessas…

Como tinha muitíssima relação com ela, não queria que se tivesse que esforçar em falar em espanhol comigo porque notava que lhe custava. Nessa época estava na escola colégio Amor de Dios em Vigo, e aí começou tudo. Nas aulas de galego começaram a falar-nos de Castelao, do Seminário de Estudos galego… Foi uma mudança bastante radical mas ainda sofrim algumas brincadeiras dos meus colegas. mas tenho uma boa opinião de mim mesmo e se ainda zombavam comigo era porque eu lhes dizia que os seus dentes cairiam por falarem espanhol e outras piadas. Estavam a tentar desacreditar a língua tal como fizeram com o galego de minha mãe. Com o tempo deixou de haver problemas e começou a parecer natural na escola. Algum rapaz até mudou para o meu lado.

O teu primeiro contacto com o reintegracionismo foi na Faculdade de Económicas, em Santiago, e os vídeos do Eduardo Maragoto têm ajudado a perceberes a estratégia reintegracionista. Que lembras desses primeiros contactos?

Lembro-o como sendo muito chamativo dado que me criara numa zona da Galiza limítrofe com Portugal, e na qual o galego que se fala tem conotações do português. Também recordo de ver grafites da A.M.I por Vigo que me chamavam a atenção. Devo dizer que tivem muita vinculação com Portugal por estarmos ao lado. Então em Santiago abriu-se uma janela porque vim que o galego morrerá se não se vincular dalgum jeito com o português. Os contactos com os vídeos de Maragoto já foram em Andorra, fruto de ir buscando mais informações sobre este.

Em Santiago abriu-se uma janela porque vim que o galego morrerá se não se vincular dalgum jeito com o português. Os contactos com os vídeos de Maragoto já foram em Andorra, fruto de ir buscando mais informações sobre este.

Morando em Salvaterra, a tua criança estudou o ensino obrigatório em Monção, do outro lado do rio. Agora resides com a tua família em Andorra e o teu miúdo, galego galego-falante, sabe catalão, francês e espanhol. Como sente ele tanta riqueza?

Bem, é engraçado. Dizer que tem 13 anos e apesar de que fala perfeitamente galego, português, francês e catalão, a língua de comunicação na escola com os companheiros do pátio e o espanhol (em Andorra também existe um problema grave com o catalão que se está deixando de usar em beneficio do espanhol). Vive o tema das línguas polo de agora de uma forma natural, sem conotações fora da necessidade de comunicação. Utiliza com naturalidade segundo o contexto. Só me maldiz de vez em cando pola dificuldade que lhe acarretou o ter que estudar em línguas distintas da materna. Creio que ainda não se dá conta da vantagem competitiva que é o plurilinguismo.

Como se vive a nossa língua em Andorra?

Pois parecera-che raro mas falo muito em galego fora do âmbito familiar. Dizer que há uma proporção de galegos alta para o pequeno que é o pais. Esta gente emigrada nos anos 80 e 90 para aqui vinha sobretudo de povoações de Ourense (Ginzo, Verim), do interior de Ponte Vedra também (Forcarei, Fornelos) pois mantiveram na emigração o galego no seu âmbito familiar. Ajuda muito que a comunidade portuguesa é maioritária na emigração na Andorra (em volta de 20 por cento da população de Andorra é portuguesa ou descendente de portugueses). Então os galegos e portugueses unem-se muito na emigração e noto-o no trabalho, falamos um galego-português misturado mas entendemo-nos sem problemas. Quase diria que está mais vivo aqui o galego-português que quando morava em Vigo.

Então os galegos e portugueses unem-se muito na emigração e noto-o no trabalho, falamos um galego-português misturado mas entendemo-nos sem problemas. Quase diria que está mais vivo aqui o galego-português que quando morava em Vigo.

Para o reintegracionismo avançar socialmente, por onde julgas que deveria transitar? Quais seriam as áreas mais importantes?

Lutar porque se veja a televisão portuguesa na Galiza sem ser em canais de pagamento. Os desenhos animados para as crianças que pudessem ser vistos em português. Ademais, fomentar as redes sociais e youtubers portugueses na Galiza. Inculcar o Português coma língua de prestigio já que notava que os próprios galegos a associavam com a pobreza.

Porque decidiste subir ao navio agálico? O que esperas do trabalho da associação?

Porque noto, cada vez que vou de férias a Galiza, que morremos com a língua, os novos não falam galego. Só a partir da militância poderemos fazer algo.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?

Pfff. Mal. Não se conseguiu que o galego fosse língua de prestígio. Castelhaniza-se cada dia mais.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?

Pois uma população bilingue onde o sotaque do galego se mantivesse e a grafia fosse adotada totalmente à portuguesa. Com rapazes e raparigas que o usassem de jeito habitual e normal.

Conhecendo Santiago Prieto:

Um sítio web: linkedin

Um invento: a roda

Uma música: um músico, Manu chao

Um livro: O jogador (Dostowieski)

Um facto histórico: o descobrimento da América

Um prato na mesa: Bacalhau com grelos

Um desporto: o futebol

Um filme: Em nome do pai

Uma maravilha: O panteão de Roma

Além de galego/a: italiano

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