PGL – Entrevistamos Sérgio Álvarez Alonso, sócio da AGAL desde o passado mês de março. Nascido numa aldeia de Salzeda de Caselas, a sua língua sempre foi o galego. Atualmente finaliza os seus estudos na Bélgica.
PGL: Caro, para que os companheiros de associação te conheçam melhor, por que não nos falas um bocadinho de ti?
Sérgio Álvarez Alonso: Chamo-me Sérgio, tenho 24 anos e provenho duma freguesia do rural, pelo qual a minha língua desde sempre foi o galego. Trás estudar diversos módulos de FP, afinal decidi estudar turismo na universidade ao mesmo tempo em que ia trabalhando… Atualmente, estou a rematar a carreira graças a uma bolsa Erasmus na Bélgica.
PGL: Estás morando na Bélgica: lá o galego está a ter alguma utilidade para ti?
SA: Sim, o galego sempre é útil fora da Galiza, por mais que tentem convencer-nos do contrário. Falando galego com certo sotaque, posso falar quase sem problemas com os outros estudantes portugueses e brasileiros que estudam aqui. Ainda, pelo que levo visto, hoje em dia é quase impossível estudar numa cidade e não topar estudantes lusófonos, tanto em Europa como na América do Norte. Portanto, acho que a nossa língua sempre vai ter utilidade lá onde quer que vámos.
PGL: Como foi o teu passo para a estratégia luso-brasileira?
SA: O meu passo para a estratégia luso-brasileira foi em verdade algo lento… Descobri o reintegracionismo em foros sobre o Prestige quando a desgraça da maré negra… Como muita gente, o meu posicionamento inicial foi o de estar totalmente em contra, ainda que com o tempo, graças aos argumentos dos foreiros, fui aligeirando a minha posição…
Suponho que o momento no qual verdadeiramente me dei conta da unidade da língua foi um dia em que estava eu visitando um mosteiro ao outro lado do Minho, e comecei a falar com uma velha do lugar… Quedei maravilhado ao comprovar que a fala desta mulher era, com algumas diferenças, quase igual ao que falava a minha avó… Desde esse momento, já comecei a preocupar-me mais pelo tema e a tomar consciência, a ler em português revistas e livros (a sorte de morar a 7 quilômetros da fronteira)… até que faz mais ou menos dois anos, quando me senti um pouco mais seguro com a minha escrita, comecei a tomar apontamentos na universidade, enviar SMS, mails, etc., com todos os amigos na norma da AGAL.
Acho que o positivo disto foi que, embora ao princípio foi difícil (a gente que sim é galego-falante choca-lhe ao começo), o certo é que afinal todo o mundo se acaba afazendo e tomando-o com normalidade…
PGL: Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a associares e que esperas de ela?
SA: Acho que desde que conheci a existência da AGAL, esta leva realizando um grande trabalho de cara a explicar à sociedade em geral por que temos de seguir uma estratégia comum com o português e não ficarmos isolados convertendo a nossa língua num simples dialeto do espanhol…
Por isso, gostaria que seguisse na sua linha atual de dar a conhecer as possibilidades e a potencialidade da nossa língua com a ortografia lusófona, e que tente explicar isto ao máximo número possível de pessoas na Galiza. Acho que muitas vezes a gente renega da ortografia lusófona mais por preconceitos cara a Portugal e aos portugueses, ou pelo lavado de cérebro que desde sempre se nos fez na escola com isso de que galego e português eram diferentes…
Suponho que tudo isto foi também em certa forma o que me motivou a me tornar sócio da AGAL, junto com o desejo de dar um passo avante no meu compromisso com as minhas ideias em torno a língua.
PGL: Portanto, tu achas que mudar o tipo de educação a respeito disso seria uma boa linha?
SA: Acho que mudar o tipo de educação a respeito disso seria fundamental. De fato, se desde pequenos se nos ensinasse que galego e português são a mesma língua, veríamos isto com naturalidade, e não como uma espécie de aberração… Uma das coisas que me chamou a atenção ao chegar à Bélgica foi que um flamengo, ao denominar a sua língua, nunca fala de flamengo, mas neerlandês, sem nenhum tipo de problema embora para nada se sintam neerlandeses.
Na Galiza, a dia de hoje, isto é impensável. Na sociedade seguimos tendo essa ideia, quando menos na zona onde eu moro, de que somos superiores aos portugueses, de que tudo o que vier do outro lado da raia não pode ser muito bom e que, portanto, quanto mais longe deles, melhor. A todos estes preconceitos que se nos mete desde pequenos na cabeça temos que somar uma norma para o galego que só semelha seguir o castelhano, e se a isto acrescentamos a educação, que parece esforçar-se especialmente em negar o evidente, em repetir as vezes que for necessário que já faz cinco séculos que não falamos a mesma língua, o resultado que obtemos é óbvio: de primeiras, nenhum jovem vai querer tão sequer tentar razoar que estamos ante a mesma língua.
Por isso, se desde a escola se explicasse em profundidade a realidade, que filologicamente são o mesmo e que aliás estamos à altura de nos comunicarmos com mais de dois centos milhões de pessoas, agora mesmo o reintegracionismo estaria numa situação muito melhor de cara à ideia que sobre ele se tem na sociedade. Imagino-me que haverá professores que se esforçam por fazê-lo, mas acho que não é o geral.
PGL: Qual achas que poderia ser uma boa linha para difundir a estratégia reintegracionista no teu âmbito de trabalho?
SA: Ao ser estudante não tenho um contacto profundo com a realidade quanto ao turismo, ao menos no âmbito laboral… Imagino que como em todos os setores, introduzir a estratégia reintegracionista deve de ser bastante difícil, pelo menos no que atinge ao funcionamento interno da empresa, se não há muita vontade por parte de quem a dirige.
Por contra, sim que considero que há uma grande vantagem com respeito a outros sectores no referente ao trato com o público. O fato de que uma parte considerável dos turistas que recebemos provirem do outro lado da raia deveria animar restaurantes, hotéis, empresas de turismo ativo.. e não o fazer é não ter visão empresarial. Deveriam ter em português as suas cartas do cardápio, sites web e informações, além de pessoal apto na nossa língua. E acho que isto, por sua vez, teria um efeito positivo na sociedade galega, mesmo para acabar associando que galego e português não são tão diferentes como pensamos… Suponho que a maior presença de português ao nosso redor, maiores são as possibilidades de que a gente entenda a estratégia reintegracionista.
Contudo, como sempre, falta informação, vontade ou às vezes mesmo há má fé… Faz dois anos, em Tui, perto donde moro, o Concelho decidiu instalar uma série de sinalizações só em castelhano sobre os monumentos da vila… Quando o governo foi perguntado sobre por que o galego fora excluído, a resposta foi simples: estavam em castelhano para que os visitantes portugueses -a vila fica a um quilómetro da fronteira- pudessem entender melhor os indicadores… Ante estas coisas, só posso ficar surpreso… ou irritado!
PGL: Para finalizar, gostarias de apontar algo mais para os leitores do PGL?
SA: Bem, provavelmente os leitores do PGL já tenham mais experiência que eu em tudo quanto rodeia o mundo da língua… Assim que só gostaria de animar aqueles que não deram pelo momento o passo a escrever em reintegrado, a dá-lo, ainda que for devagar -como em realidade suponho que fazemos todos-, já que desta maneira é como realmente vamos lograr que a gente que nos rodeia chegue a compreender -e quem sabe se mesmo a aderir!- com a norma reintegracionista.
CONHECENDO SÉRGIO
- Um sítio web: www.seioque.com
- Um invento: Internet
- Uma música: qualquer uma de U2 ou de Yann Tiersen
- Um livro: A heresia
- Um feito histórico: a revolução irmandinha, ou também a francesa
- Um prato na mesa: bandulho (acho que por outras partes da Galiza o chamam botelo…)
- Um desporto: para praticar, o badminton
- Um filme: Requiem for a dream
- Uma maravilha: as Cies ao pôr-de-sol com o farol em funcionamento
- Além de galego: sonhador pelo momento, viajante num futuro (ou isso espero!)