Xema, intérprete em Bruxelas

PGL – Xema, Xosé Maria Sáenz Pena,  nasceu em Ferrol, mas cresceu numa vila de Castela, onde os seus pais estavam a trabalhar, polo qual ele é neo-falante. Estudou economia, mas o gosto pelas línguas, as gramáticas e a sua aprendizagem levou-o a se converter, por acaso, em intérprete de conferências, atualmente em Bruxelas.

Onde nasceu e cresceu o Xema e como foi a interaçom com o galego no seio da tua família?

Eu nasci em Ferrol mas cresci numha vila de Castela onde os meus pais eram educadores, mas as férias passávamo-las sempre em Ferrol, onde vivíamos numha casa onde o galego era a língua habitual entre os seus habitantes.

Portanto, pertenço à clássica família de avós galego-falantes, pais que compreendem e conhecem a língua mas nom a falam, e eu, como terceira geraçom, estava condenado a conhecer apenas algumas palavras e expressons, mas a nom ser utente da fala em absoluto. Só que por vezes é possível mudar o curso da história pessoal, e hoje posso dizer que conheço o galego, que tenho traduzido romances a esta língua e que falo sempre que podo.

Como neo-falante, que mensagem transmitirias às pessoas que gostavam mas nom se acabam de lançar a falar a nossa língua?

Que vaiam introduzindo o galego na sua vida devagarinho. Que comecem por falar em galego com galego-falantes, que façam experimentos tentando falar galego em situaçons onde anteriormente nom o faziam. Perceberám que andam polo mundo muitos mais galego-falantes do que eles pensam, que nom acontece nada estranho por falar galego e que estám a criar umha normalidade no uso da língua. E por aí adiante permitir ao galego ocupar espaços sempre mais vastos da sua vida quotidiana. E que os seus interlocutores teimam em falar castelhano? Nom se passa nada, terá-se produzido umha comunicaçom sem problemas, mesmo se cada umha fala na sua língua preferida, e esta é diferente.

Sentes paixom polas línguas, a sua forma e a sua aprendizagem, o que se tem traduzido na tua escolha profissional…

É certo que gosto das línguas, das gramáticas e da sua aprendizagem. Eu estudei economia e só tinha as línguas como uma paixom para os tempos livres. Mas como afinal era o que melhor fazia, terminei por me converter, por acaso, em intérprete de conferências. Agora trabalho como intérprete em Bruxelas, as línguas som a minha ferramenta quotidiana, e ainda mais numha cidade oficialmente bilingüe, mas que na prática é plurilingüe como é esta. Agora estou a aprender o polonês, que será a nona língua na minha combinaçom de línguas de trabalho.

Ora que, para um trabalho como este, reparei em que o mais importante é dispor dum conhecimento profundo da língua materna, e a partir de aí começar a adquirir outros sistemas linguísticos. Poucas som as pessoas que se podem dizer verdadeiramente bilingües, a maior parte deles som “alingües” ou “diglóssicas” e ao final nem falam perfeitamente nenhuma delas em todos os níveis de língua. Um exemplo típico som os luxemburgueses: teoricamente trilingües em francês, alemám e inglês. A realidade é que, em geral, falam muito bem todas essas línguas como línguas estrangeiras mas só som capazes de se expressar correctamente em luxemburguês. Os bilingüismos harmónicos raramente funcionam na prática.

Outro dado interessante que observamos todos os dias é que poder falar a língua própria oferece imensas vantagens. As delegaçons dos estados que falam noutra língua, em inglês, por exemplo, quase nunca se expressam fluentemente num nível correto de língua. Nem sempre dizem o que querem dizer, mas o que sabem dizer, tenhem imensas dificuldades para captar os matizes dos textos jurídicos, nom conseguem reter a atençom do público porque nom dominam os recursos expressivos da língua e ao final intervenhem muito menos freqüentemente que quem se pode expressar na sua língua, e faz-se-lhes menos caso porque som menos convincentes.

De aí a importância de se poder expressar na sua língua com total liberdade e em todas as situaçons. Um sistema que nom garante este direito, está a discriminar entre cidadáns que podem utilizar a sua língua própria e os que nom podem. Sejamos conscientes deste feito.

As línguas som apenas para comunicar?

Evidentemente as línguas som um meio de comunicaçom antes de nada, entendendo comunicaçom no sentido mais amplo da palavra.

Mas também é bem sabido que som muito mais do que isso. Os modos de expressom som a manifestaçom do pensamento da comunidade de falantes, da sua cultura, em fim, da sua visom do mundo. A prova mais evidente é que um austríaco por exemplo, nom fala alemám como um alemám. Os austríacos diria-se que som italianos a falar alemám. O mesmo acontece com os irlandeses que nom se expressam como os ingleses, mesmo se falam a mesma língua. Polo feito da religiom, da história e da cultura, em geral, serem diferentes na Irlanda ou na Áustria, os seus falantes expressam-se em modos muito diferentes do padrom inglês ou alemám.

Todas as línguas som perfeitas no sentido de que permitem expressarem todas as realidades com as que os seus falantes se vêm confrontados. Nom existe ningumha língua onde os falantes recorram a gestos ou a sinais para completar a informaçom que nom som capazes de comunicar com palavras.

Sempre me fascinou que as diferentes línguas, portanto as diferentes comunidades de falantes, percebessem diversamente a quantidade de informaçom que precisam comunicar. Existem línguas onde existem muitos mais sujeitos verbais do que em galego (a diferenciar entre nós e nós mais ti nom, por exemplo), que devem precisar o género no tempo passado (como as línguas eslavas), que carecem de artigos ou que precisam de preposiçons acompanhando aos verbos para dar umha infomaçom muito mais precisa da acçom e que para nós resultaria desnecessária. Tudo isso tem de ser, por força, o reflexo dum modo diverso de organizar a informaçom no cérebro do falante.

Para além disso, as línguas som instrumento de prestígio, de poder, de controlo e até uma fonte de recursos económicos. Por isso, os Estados gastam importantes orçamentos em promoverem as suas línguas no mundo. As mais das vezes fazendo um uso errado de esses outros valores da língua, mas isso nom é senom uma prova do que escrevia antes, que som reflexo do pensamento e se tenta controlar o pensamento através da língua.

Como te foste aproximando do português? Como foi construída a ligaçom entre a língua dos galegos e a língua do resto da Lusofonia?

A curiosidade, as viagens e as leituras levaram-me a ter contactos com o português e os portugueses. A primeira ferramenta a que recorri para aprender algo de português foi a fantástica Gramática portuguesa de Pilar Vazquez Cuesta e de Albertina Mendes da Luz. Nela hai um capítulo onde se analisam as diferenças entre o galego e o português. Evidentemente surdiram-me de contado inúmeras perguntas sobre a relaçom entre o galego e o português. Como podem duas línguas que em essência som a mesma, viver viradas de costas? Assim foi que encontrei um livro que sistematizou e deu resposta às minhas dúvidas: Estudos filológicos galego-portugueses de Isaac Alonso Estraviz. Neste livro encontram-se acertadíssimas reflexons sobre o absurdo da ortografia normativa vigente, o arbitrário da escolha de palavras aceitadas polo galego normativo e sobre outros assuntos que me abriram os olhos ainda mais. Alem disso serviu para saber que havia um forte movimento reintegracionista de pessoas que pensavam como eu e que estavam a difundir activamente estes princípios.

Por onde pensas que deve transitar o reintegracionismo para se tornar um movimento central, do ponto de vista da sociedade galega?

Julgo que o reintegracionismo é um movimento que se sabe que existe, mas que nunca teve possibilidade de se apresentar e de se justificar perante a opiniom pública. Em consequência, nom estranha que muitos o considerem como o movimento marginal dum grupo de tolos. O primeiro que falta é informaçom. Para mim sempre foi surpreendente que pessoas cultas e preocupadas polo galego nom fizessem a mais mínima ideia dos motivos polos que existe um movimento reintegracionista. Sei que existem âmbitos, como por exemplo, o ensino, onde o reintegracionismo é conhecido e reconhecido, mais nom entre a populaçom em geral.

Mas já sabemos que os galegos som pouco sensíveis à informaçom, portanto nom avonda. Faz falta ainda umha produçom literária de qualidade reconhecida em versom reintegracionista e que esta opçom for a preferida por pessoas e instituiçons prestigiadas na Galiza. E sobretudo fazer compreender que deste jeito a Galiza pode abrir-se e participar no mundo lusófono, com umha oferta cultural interessantíssima e nova, nomeadamente a brasileira neste momento. Quem melhor pode jogar um papel de mediador na difussom da norma reintegracionista som os educadores, os jornalistas e as profissons liberais. Pessoas nom só com umha importante funçom cultural, mas também socio- política.

Que visom tinha da AGAL, que o motivou a se associar e que espera da associaçom?

Eu já fui sócio de AGAL numha época anterior, e sempre apreciei a qualidade dos artigos publicados na Agália.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

Como é a de Flandres atualmente. Que é o que quero dizer? Muito brevemente: Quando a Bélgica se tornou independente em 1830 as elites importadas da França impuseram o francês porque para eles era a língua natural. Assim as classes altas em todo o país falavam francês e as classes trabalhadoras no norte do país neerlandês. Mas um neerlandês dialetal, cheio de palavras alheias, com tantas variedades locais e regionais que os de umha regiom quase nom se podiam entender com os de outra, e ainda menos com os holandeses, mesmo se falavam todos a mesma língua. Umha situaçom na que o neerlandês na Bélgica estava condenado à desapariçom.

Hoje, em 2013, todos os flamengos falam neerlandês. É a única língua nos jornais, meios de comunicaçom, instituiçons culturais, administraçom e vida privada. Nas suas famílias ou com os amigos se calhar falam dialeto, mas adaptam-se ao neerlandês normativo quando a situaçom assim o exigir. E nas escolas naturalmente apreendem línguas estrangeiras como o resto de alunos do mundo. E falam sem dúvida mil vezes melhor do que os seus parceiros francófonos.

Na Bélgica rege o princípio territorial: em Flandres em flamengo, em Valónia em francês, nos cantons do leste em alemám e em Bruxelas bilingüe por ser a capital.

O processo de como se chegou a esta situaçom é longo demais para o apresentar aqui, mas tem muita relevância, acho eu, para o caso do galego. Mas esta que acabo de descrever para Flandres, é a fotografia linguística que eu desejo para a Galiza.

Conhecendo Xema

  • Um sítio web: O sítio que consulto todos os dias onde está o meu programa de trabalho para o dia a seguir.
  • Um invento: A bicicleta. De ter-se inventado após o carro, teria sido a grande descoberta do mundo civilizado.
  • Umha música: A música do barroco.
  • Um livro: Ulisses de James Joyce
  • Um facto histórico: Guerras europeias de religiom.
  • Um prato na mesa: Caldo.
  • Um desporto: Luta livre.
  • Um filme: E tudo o vento levou.
  • Umha maravilha: A luz do sol.
  • Além de galego/a: Gay.

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