Xose Manuel Sánchez Rei “Cada vez é maior a proximidade com o espanhol das falas galegas”

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Xosé Manuel Sánchez Rei é professor da única faculdade galega que oferece um titulação em Galego e Português.

Estudioso nos falares galegos nota que precisamente os mais genuínos gozam de pouco prestígio.

Como bom gaiteiro não gosta dos tumores ourensanos.

É favorável ao binormativismo e julga que a AGAL deve ser a casa comum do reintegracionismo.

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Xosé Manuel é professor na faculdade de Filologia Galega e Portuguesa na Universidade da Corunha. Que perfil têm os teus alunos e alunas? Quais expetativas?

Pois é uma questão interessante que está relacionada com a titulação que estiver a cursar o estudantado. Assim, a maior parte do alunado do Grau em Galego e Português apresenta uns níveis de compromisso e sensibilidade com a língua galega maiores que os que se podem detetar noutros títulos que se ofertam na UDC. E, como tenho de varrer para a própria porta, também me interessaria ponderar aqui que esta instituição é a única em todo o país em que é possível obter uma titulação em Galego e Português. Por outro lado, com os programas de simultaneidade atuais, podem conseguir-se dois títulos em apenas cinco anos: (a) Galego e Português & Inglês, (b) Galego e Português & Espanhol, (c) Inglês & Espanhol.

Lembras-te do Xosé Manuel que estudou filologia em Compostela? Que mudou neste intervalo intemporal na tua forma de ver a sociedade galega e a nossa língua como ente social?

Aqueles tempos sempre são lembrados com certa saudade, sobretudo porque, como o conhecimento mnésico é seletivo, conservo imagens de um ambiente cultural e político que, a meu ver, não tem equivalente na atualidade ou que, quando menos, possui uma correspondência muito mais complexa de analisar, produto das mudanças sociais e económicas que se têm verificado nestes últimos anos. Relativamente à minha visão da língua, continuo a pensar que é aquilo que melhor nos define como galegas e galegos. E também continuo a acreditar em que, ainda, possui enormes potencialidades como veículo de comunicação nacional e internacional.

Na área linguística, és especialista nos pronomes átonos. Em que direção estão a mudar as falas galegas?

Bem, é certo dediquei uma parte das minhas investigações aos pronomes pessoais átonos, mas também me tenho ocupado dos demonstrativos, de questões de sintaxe, da linguagem literária e da variação linguística, neste último âmbito com uma monografia que foi dada a lume por Laiovento há um tempo. Em todos estes anos, a minha sensação à volta dos caminhos que enveredam as falas galegas é que cada vez é maior a proximidade com o espanhol, quando menos em determinadas esferas da reflexão gramatical (fonética, sintaxe, etc.) e em certos ambientes geossociais, como os citadinos. Em confronto, ao mesmo tempo, continua a subsistir um tipo de galego elementarmente oral, popular, vinculado aos falares de gente idosa e ao mundo rural, em que (junto a fenómenos de perigosa hibridação com o espanhol) ainda se podem achar os traços idiossincráticos do domínio galego-português. Mas, infelizmente, esses falares galaicos, que fonética e sintaticamente mantêm as tais essências, não contam com qualquer prestígio social e são normalmente preteridos.

Recentemente o presidente da Agal, Eduardo Maragoto, e o teu colega Freixeiro Mato conferenciaram sobre binormativismo na tua faculdade. Qual a tua opinião ao respeito?

Com efeito, aconteceu há uns meses. Pareceu-me uma atividade muito interessante, até porque surgiu das inquietações do alunado sobre esses particulares e foi organizada por um grupo de estudantes muito sensíveis ao universo das línguas e em particular à galego-portuguesa. Ainda não tive tempo para refletir à vontade nestes temas, mas, inicialmente, a minha impressão do binormativismo é positiva e concorda com as principais ideias expostas pelos dois conferencistas. Com independência da ortografia escolhida, a presentemente oficial na Galiza ou a internacional, achamo-nos numa época em que todas as pessoas que queremos viver em galego devemos poder achar caminhos de confluência que nos permitam avançarmos nesse desejo e na normalização dele. Por outra parte, o mundo conhece casos em que uma mesma língua é escrita de modos diferentes e, nestes meios, a nossa não seria uma exceção.

Um dos teus grandes passatempos é a gaita. Há quem diga que um instrumento tão ruidoso tem de ser necessariamente um instrumento nacional. Qual a saúde social da gaita, a teu ver?

Como é sabido, a gaita na Galiza possui um poderosíssimo simbolismo nacionalitário desde, quando menos, os primórdios do século XIX, o que em certa medida é compreensível em termos de criação e construção de um ideário coletivo como país. Eu tenho bastante claro que este instrumento serve para identificar um tipo de música de grande assentamento social e cultural (vinculado à polémica semântica da palavra “tradição”). E conheceu, desde finais do século passado, novas maneiras de expressão através da música folque e doutros caminhos, e tudo isto levou a gaita a cenários e estéticas sonoras impensáveis há meio século. Da sua saúde dão boa resposta tanto o número de pessoas que mergulha nos segredos deste aerofone quanto a quantidade de obradoiros em que se fabrica ao longo e largo do país. E, a termos isto em conta, eu acho que a saúde é boa, apesar dos tumores ourensanos e das suas metástases em áreas próximas.

Que estratégias julgas serem as mais eficazes para a cidadania galega ver e, sobretudo viver, a língua da Galiza como sendo internacional?

Não me dedico à sociolinguística como matéria de estudo. Talvez uma didática social que insistisse em que o galego, na verdade, abre as portas ao mundo seria um bom ponto de partida. Mas não se poderá avançar se não forem desterrados velhos e novos preconceitos transmitidos atualmente com uma muito poderosa megafonia (in)direta. Essas ideias preconceituosas involuem qualquer passo mínimo conseguido e é dever das autoridades (políticas, académicas, etc.) apostarem decididamente na sua erradicação.

Que te impulsionou a te enrolares no navio agálico? Por onde deveria rumar a associação?

Quando estava em 2º de Bacharelato, lá no ano 89 ou assim, associei-me à AGAL e acho que o meu número do cartão era o 605 ou 650, agora não lembro bem… Depois de vários anos, deixou de me chegar correspondência, possivelmente porque devia de ter alguma irregularidade na inscrição ou no registo bancário. Mas sempre fui consciente de que, com relativa independência à volta da ortografia, é possível acreditarmos na elementar unidade linguística galego-portuguesa, até usando a norma atual vigente na Galiza; como diz o Maragoto, “sem que a família saiba” e, conforme também tem assinalado o Freixeiro, “sendo reintegracionista desde a normativa oficial”. Quanto à segunda questão, eu penso, como me dizia o Prof. José Luís Rodríguez na USC, que a AGAL deveria virar na casa comum do reintegracionismo e das pessoas que acreditam em que o futuro do galego está necessariamente ligado ao português. Mas, obviamente, não me corresponde a mim fazer esse tipo de afirmações, pois há apenas umas semanas que subi novamente ao navio; o rumo da AGAL pertence a todas as pessoas sócias que elegem nas assembleias a gente que consegue manter o barco no mar.

Vamos dar um salto até 2040. Como pensas que vai ser nessa altura, e deixemos de lado os desejos, a “fotografia linguística”?

Na linha do que já disse mais acima, se não houver uma vontade real por parte de todos os agentes implicados na recuperação e avanço do galego, nomeadamente o governo da Galiza e os organismos e instituições públicas com capacidade de tomarem decisões políticas, a tal fotografia vai ser decerto bem obscura.

Conhecendo Xosé Manuel Sánchez Rei

Um invento: A polifonia.

Arquivo AELG

Arquivo AELG

Uma música: Não saberia qual escolher. Entre os meus gostos está a música medieval, a música folque, a música klezmer, a música do classicismo e romantismo europeu… Nestes dias estou a reparar de novo na Maria Callas e no Rizet, mas também em melodias do folclore religioso arameu. Por outra parte, quase sempre levo comigo no carro um disco de Milladoiro ou de Mozart.

Um livro: Uns dos últimos que li são Memórias de um europeu (S. Zweig) e A língua recuperada (E. Canetti). Na literatura galega atual gosto muito de Marica Campo, Teresa Moure… E nos clássicos galego-portugueses, adoro Cunqueiro, Jorge Amado, Otero Pedrayo, Rosalia, Torga… Também gosto muito do ensaio histórico, particularmente do centrado nos séculos medievais: R. Fossier, R. McKitterick, etc.

Um facto histórico: Em sentido negativo para a Galiza, a desaparição oficial do Reino em 1837, quando o ministro Javier de Burgos divide o território nas atuais quatro administrações provinciais. Num sentido mais positivo, já que estamos em 2018, a Assembleia Nacionalista de Lugo.

Um prato na mesa: Qualquer um que provier do mar.

Um filme: Qualquer um que, feito com qualidade, seja capaz de me dizer qualquer coisa e de me fazer reparar.

Uma maravilha: As Rias Galegas, o mar do Rio de Janeiro e as Terras Altas da Escócia.

Além de galego/a: Galega/o

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