Arturo Novo Velo : “Quanto mais passa o tempo e mais competência vou adquirindo na nova ortografia, mais castelhana acho a outra”

 

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Arturo Novo, nasceu e vive no rural e considera-se neo-escrevente.

Tomou consciência galeguista com 17 anos com a leitura do Sempre em Galiza.

Quando pensava que o percurso galeguista estava concluído escorrega para o lado escuro da norma e desde há seis meses dança com ela e com a Ortografia Galega Moderna.

Não tem muito fé no Reino de Espanha.

Arturo nasceu e vive numa aldeia. Embora seja galego-falante de berço assegura ter sido um analfabeto na sua língua na sua qualidade de neo-escrevente.

Eu criei-me num mundo sem televisão, sem jornais, sem revistas e sem livros. E não porque estas coisas não existissem, que com certeza já existiam, mas daquela não estavam ao alcance dum meninho qualquer da aldeia. No mundo onde eu me criei, praticamente os únicos que falavam castelhano eram o senhor crego durante a celebração da missa e o senhor mestre na escola. Junto com a Guarda Civil, estas eram as autoridades reconhecidas por todos os moradores da tribo. Assim que por força eu tinha que ser galego-falante desde o berço. Se em tal circunstância existisse algum mérito, a mim não corresponde nengum. Nem a mim nem tão sequer aos meus progenitores, que me educaram em galego, pois os pobres falavam o único que sabiam, que era a língua do Pais. Apesar de medrar sendo um completo analfabeto na minha  própria língua, o nosso galego estava muito menos deturpado que o que em geral se escuta hoje em dia. Quando eu era neno, distinguíamos perfeitamente o que era uma escada duma escaleira, não tinhamos “esguinces”, nós escordávamos um pé ou uma mão; sabíamos perfeitamente o que era uma armadilha, o calcanhar, a tijola, os cotenos… Quando eu era neno, as aldeias eram um paraíso e estavam cheias de gente. Hoje as aldeias esmorecem, e com elas o galego. Um mundo que nunca mais volverá, para umas coisas por sorte e para outras por desgraça.

Reconheço sem pudor algum, que por mor do meu analfabetismo medrei um tanto complexado. Para uma pessoa como mim, que de sempre desde a minha mocidade defendi a minha galeguidade a sangue e lume, não saber escrever na minha língua, por força tinha-me que complexar. Assim que quando se me presentou a oportunidade de aprender, procurei aproveitá-la. E foi com aqueles cursos que por aquele tempo organizava a Junta de Galiza, já bem passados os meus 30 anos. Estes cursos não é que fossem grande coisa, mas com a base que adquiri neles já pudem começar a ler livros em galego com certa fluidez. Como não estava cultivado e me faltava léxico, para estas leituras ao princípio muito tinha que tirar do dicionário. Mas não me amolava por isso, ao contrário. Gozava ao  mergulhar-me nos dicionários na procura de palavras para mim naquele então totalmente desconhecidas. Que gozada! De súpeto, quase sem contar, perante dos meus olhos aparecia aquele enorme feixe de palavras galegas que me deixaram por completo enfeitiçado. Lembro perfeitamente que quase gozava tanto de atopar palavras e mergulhar-me no dicionário como das leituras narrativas.

Assim é como se formalizou o meu trânsito de galego-falante para o galego neo-escrevente. E falo com muita propriedade quando digo neo-escrevente. Como o que não se pratica, normalmente esquece-se. Por essa época deu-me por escrever algum humilde relatinho, sem mais pretensão que a de praticar o aprendido. Sou dos que penso que a palavra para fazê-la tua, há que empregá-la.

Repara como são as coisas, que o facto de poder ler e escrever em galego transformou-me de tal jeito, e achei uma motivação tal, que intelectualmente dei um chouto enorme, e comecei a apaixonar-me por algo que antes apenas me interessava: a literatura!

A maioria das pessoas da tua geração nascidas no rural tinham e têm uma dada atitude a respeito da galeguidade. Por que no teu caso foi diferente?

Todos sabemos que no rural conservou-se a língua é a cultura tradicional galega, mas não nos enganemos, no rural praticamente não existe a consciência galeguista. Ou pelo menos eu nunca a percebi. O galeguismo é um movimento organizado, consciente de luta, de resistência, que requer duma prévia formação nos valores do galeguismo. Duma sociedade desorganizada, analfabeta, ignorante, dominada e submetida, de onde ia sair essa formação requerida? Não, o galeguismo sempre foi principalmente um movimento urbano e protagonizado pelas classes mais cultas e endinheiradas. Basta com observar as origens de todos os vultos do galeguismo para dar-se conta de que isso sempre foi assim. Há galeguistas históricos que procedem do rural, claro que sim, mas todos eles se formaram nos espaços urbanos. Hoje já não é tão assim, pois o estilo de vida nas aldeias já está completamente urbanizado.

Eu tomei consciência galeguista aos 16 ou 17 anos, por uma simples e única circunstância. A essa idade li o “Sempre em Galiza”, de Castelao. A simples leitura desse livro fez de mim um homem… Ha ha ha…! Um homem galego! Nunca mais volvi a ser o mesmo, foi toda uma descoberta. Já não me lembro bem como esse livro chegou às minhas mãos, mas chegou, e foi a primeira tomada de consciência ideológica da minha galeguidade. Realizei um enorme esforço para poder lê-lo, pois a essa idade, como já comentei, ainda não tinha nenhum tipo de competência em galego. Todos os galegos deveríamos ler esse livro. Tão convencido estou, que quase diria que deveria ser de leitura obrigatória em todas as escolas galegas. Claro que para que isso acontecesse, o poder dominante teria que estar interessado no galeguismo, e todos sabemos que não é assim. Uma mágoa.

Quando por fim te consegues alfabetizar, acontece qualquer cousa que faz desabar a tua perspetiva do que a língua galega era e é.

Curiosamente, quando já pensava que estava mais ou menos alfabetizado em galego, com tudo o que isso tinha de seguridade pessoal para mim, vai e descubro o reintegracionismo. A alegria do pobre dura pouco. Depois de consultar algumas publicações sobre a nossa história, cheguei à firme conclusão de que o português é o galego moderno. E em consequência, os critérios a ter em conta para a reconstrução da nossa língua só podem ser dois: o galego ou é galego-português ou é galego-castelhano. A oficialidade imperante na Galiza optou pelo segundo, mais a razão indica-me que nos corresponde o primeiro. E como não estou disposto a conformar-me com o que há, volta a começar. Desde há seis meses que estou tentando aprender galego reintegrado. E nessas ando.

Qual era a tua visão do reintegracionismo e qual é agora?

Para ser sincero, se digo a verdade, o reintegracionismo para mim era coisa de gente marginal. Os preconceitos nunca foram bons e a propaganda negativa a tudo o mundo lhe pode fazer um dano terrível, e o reintegracionismo e os reintegracionistas nunca gozaram de boa sona. Penso que a causa desta forma de pensar está na eterna marginação dos reintegracionistas. Porque não é certo que os reintegracionistas sejam gente marginal, mas sim o é que estão marginalizados. Ao estar marginalizados pelo poder, isto a muitos levou-nos a pensar que também eles eram pessoas marginais, gente estranha. Parecerá estúpido, mas assim pensava. E não sou o único.

Como está a ser o transito formal (nomeadamente a escrita) polo galego internacional?

Para que nos imos enganar, aprender a normativa do galego internacional requer de esforço. Certeza que de muito mais esforço que a aprendizagem da normativa da ILGA-RAG. Sobretudo no meu caso, que praticamente sou um autodidata. Para aprender, as únicas ajudas que recebo são as da “GRAMÁTICA GALEGA MODERNA”, editada pela Através, as dos dicionários eletrónicos, e a de vários generosos amigos que voluntariamente se ofereceram a corrigir os meus escritos no Facebook. E assim, aos poucos, desde há seis meses que comecei, vou indo. Como um bom dia me comentou a Isabel Rei Samartim, para mim uma reintegracionista de referência, algo assim como: “ao princípio o reintegracionismo é como um sueter que che aperta, mas depois quando te vás afazendo, senta de maravilha”. E tem muita razão a boa da Isabel. Penso que agora me custaria um mundo volver a escrever como antes. Quanto mais passa o tempo e mais competência vou adquirindo na nova ortografia, mais castelhana acho a outra. Como é possível que pessoas que supostamente amam o galego nos fizeram isso?arturo-novo-01

 

Na atualidade ensaiam-se diferentes vias para sociabilizar uma vivência internacional da nossa língua. Em tua opinião, quais devem ser os focos do reintegracionismo?

Os galeguistas devemos ser muito conscientes de que a nossa língua tem um rival muito forte e poderoso no castelhano, um idioma transnacional. Assim que a nossa estratégia deve ser a de intentar seduzir os nossos potenciais falantes do galego e não parar de recordar-lhes o carácter internacional da nossa amada língua. Há que ser teimudos e pesados nisto até a saciedade. Por desgraça, não todos os galegos somos iguais, nem todos vivemos do mesmo jeito o amor pela nossa língua e cultura. Assim que para os menos amantes da nossa identidade não temos mais remédio que procurar o argumento da utilidade. A estas pessoas há que fazer-lhes ver e compreender que o galego internacional representa um mundo de mais de 250 milhões de pessoas e com  oportunidades de todo o tipo para todos nós. Por que desaproveita-las? Há que ser pedagógicos e contundentes, mas também honestos. E dizer-lhes com toda a  claridade e firmeza do mundo que possamos que para que isso seja possível não resta outra opção que optar pela norma internacional do galego-português. E explicar-lhes que com a atual norma da RAG não imos a nenhures, pois no mundo da lusofonia esta norma é contemplada como uma variante ou um dialeto do castelhano. E assim, com essa norma conhecida por isolacionista, não há nada que fazer. Os galegos devemos decidir que queremos ser quando formos grandes. Na nossa mão está.

Qual foi a motivação para seres sócio da AGAL?

Mui simples, eu sou galeguista e reintegracionista convencido. E a AGAL é o máximo expoente do reintegracionismo na Galiza. Desde o seu nascimento em 1981, a AGAL faz do galeguismo a razão de ser da sua existência. Faço-me sócio da AGAL para colaborar e ajudar em tudo o que possa desde a humildade das minhas possibilidades com estas pessoas tão comprometidas, para aprender delas, e também, tudo há que dizê-lo, na procura doutro tipo de relações sociais com gentes com que compartilho ideias e sensibilidades. Assim que eu faria a pergunta doutro jeito: Por que caralho não me fiz antes sócio da AGAL? A saber em que estaria eu pensando.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2040?

Gostaria da normalidade linguística. E a normalidade linguística, mui em contra do que pensam muitos, seria uma Galiza monolingue em galego. Com certeza, monolingue em galego reintegrado. Mas tal e como estão as coisas, conformo-me com bastante menos. As minhas aspirações são bastante mais humildes. Do ponto de partida atual, aspiro a que as duas normas existentes do galego (a da RAG e a da AGAL) gozem do mesmo grau de reconhecimento oficial. Isto de duas normas vigentes à vez, a muitos lhes parecerá algo raro e até pouco adequado. Frequente, na verdade, não é; mas não seria o primeiro caso que se daria na Europa. Aí está, segundo tenho entendido, o caso da Noruega. E alguém pode dizer que a existência de duas normativas fosse um impedimento para que a Noruega seja hoje um dos Estados mais desenvolvidos do mundo? Ou mais bem será tudo o contrário, que a sua aposta pela convivência e a tolerância seja o fator diferencial?

A propaganda e a manipulação que exerce o Estado espanhol sobre as pessoas que moramos nele é abafante. A gente pensa que estamos a viver numa democracia, mas não, estamos muito longe de tudo isso. E por desgraça não exagero nada. A democracia é algo mais que votar de quando em vez; a democracia é um regime para cidadãos, para pessoas maduras e conscientes que sabem, ou pelo menos deveriam saber, distinguir perfeitamente. E senão sabemos, pois ninguém nasce aprendido, a prática quotidiana do exercício democrático nos permitiria aprender. E no Estado espanhol as pessoas somos antes bem tratadas como simples ovelhas que como cidadãos. Com tudo isto quero dizer que numa democracia quando algo é tão discutido, como é o caso das normas do galego, nunca se pode impor esta ou aquela de acima. Há que permitir que a gente escolha com total liberdade. Eles que tanto presumem de liberais, mais na hora da verdade de liberais têm mui pouco.

Na suposta Espanha democrática tudo são imposições: a monarquia, o rei, o esquecimento dos crimes franquistas, o castelhano, a Espanha única e tudo aquilo que interesse à oligarquia dominante. Assim que como não nos vão a impor uma simples norma linguística aos galegos. Simples sim, inocente não. Historicamente a Espanha nunca se lembrou de nós para nada. Ai, mas como aos galegos se nos dê por assemelhar-nos aos nossos irmãos portugueses, algo que em circunstâncias normais seria o seu, daquela sim que vão reparar em nós. Em Madri dá-lhes igual que os galegos sejamos ricos ou pobres, que emigremos ou não, que estejamos contentes ou tristes, se vivemos ou morremos. Mas isso sim, querem-nos castelhanos. Antes de permitir que minimamente nos aportuguesemos o mais mínimo (que é tanto como dizer galeguizar-nos), são capazes de enviar a Infantaria de Marinha. Mas tampouco lhes vai fazer falta, para isso já nos puseram um vice-rei que nos têm bem controlados a todos.

Se há alguém que está a pensar que estou a esbardarlhar, e que tudo isto não tem a ver com a língua ou com a “fotografia linguística” do 2040, engana-se em cheio. A política manda em tudo e na língua também, se calhar no que mais.

Conhecendo Arturo Novo Velo

Um sítio web: O Portal Galego da Língua

Um invento: Segundo escutava dizer a minha mãe: a máquina de lavar roupa. Segundo ela, libertou as mulheres da escravidão.

Uma música: Gosto de todo o tipo de músicas. Agora bem, para cada uma há um momento e um lugar.

Um livro: “Sempre em Galiza”

Um facto histórico: Um que ainda não se produziu: A independência da nação galega.

Um prato na mesa: O cozido galego.

Um desporto: De moço pratiquei com intensidade o futebol em categorias amadoras. Agora gosto mais do esqui.

Um filme: Vivo no rural e tenho poucas oportunidades de ver cinema.

Uma maravilha: Há tantas! Mas sempre me emociono muito quando vejo as Muralhas de Lugo.

Além de galego/a: Possa que por ser galego, não sei, mas nada me indigna mais que os abusos e as injustiças em qualquer parte do mundo, do tipo que forem.

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