Jorge Diz Pico é um corunhês que transitou do castelhano para o galego graças a ver-se num espelho na Suécia. Recomenda fazer a passagem ao ritmo de cada um, sem sufocos. Mora na Catalunha mas alicia-nos a nom fazer comparações desnecessárias. Informático de formaçom tem um grande fraco polas línguas e está a fazer uma pesquisa sobre neologismos. Para a nossa vivência da língua avançar socialmente propom exposiçom das outras variedades internacionais. Gostava de haver uma estrela pop que cantasse em galego e tivesse enorme sucesso.
Jorge Diz é um corunhês que falou castelhano, como a maioria das pessoa da sua idade, até ir de Erasmus. Que de mágico sucedeu para se dar a mudança?
Fôrom umha série de pequenos acontecimentos. Eu antes de partir valorava o galego como algo bonito a ter, mais sem lhe dar muita prioridade, pois o castelám era mais valioso. Estava certo do seu valor puramente utilitário: as línguas som ferramentas e se algumha morrer, será que a gente considerou que nom pagava a pena que vivesse. (Aginha me decataria de que a presença social, no que há um monte de fatores a influírem, nom é correlato de nada disso.)
Quando cheguei à Suécia batim com a concepçom que a gente nom galega tinha do galego. E já sabedes: pode-se falar mal da família mas, ai como alguém de fora fale mal da tua família! O primeiro dos acontecimentos foi com umha professora de espanhol de América do Sul, quem me convidou a falar com os seus alunos e insistiu, apesar dos meus protestos e reiteradas correçons, em chamar o galego de dialeto do espanhol. Outro dia, numha festa, saudei em galego uns rapazes da Corunha que vinha de conhecer, talvez pola euforia do vinho. A sua cara de surpresa e o seu comentário (“vaya, qué raro, ¿eres de Coruña y hablas gallego?”) devolveram-me a minha própria imagem no espelho. Essas afirmaçons foram feitas por mim muitas vezes, mas ao escuitá-las noutra boca, sentaram-me mui mal. Por que nom ia falar em galego? Acaso nom era a língua de onde eu som?
Ao mergulhar-me num ambiente com tanta gente diversa, e ver que todo o mundo tinha o seu pedacinho de cultura e língua próprias, dei-me conta de que levava toda a vida a pensar que para ser cidadám do mundo cumpria desfazer-se do teu e entregar-se à homogeneidade. Mais era mesmo ao contrário: ser cidadám do mundo passa por apreciar o que há de bom em todas as culturas, e isso começa, antes que mais nada, pola tua própria. Pensava que rejeitando a minha terra ia impressionar todos sendo o mais cosmopolita do mundo, mas o certo é que nom há medalhas para o que mais renegue das suas origens: só olhares de mágoa.
Aí começou a minha viagem, mas o ponto de inflexom com o galego veu mesmo ao voltar. Mercara um iPad, e ao acendê-lo por vez primeira, deu-me as opçons de configurá-lo em castelám ou em catalám. Farto de mais um desprezo contra a que também era a minha língua, decidim enfadado que, em sinal de protesto, estaria sete dias a tuitar só em galego. Concluírom os sete dias e, apesar de que voltei a tuitar também em castelám, o galego já nunca se foi das minhas redes sociais. Um tempo depois, lancei-me a falá-lo também na vida real nalguns âmbitos, pouco a pouco. E até hoje: há uns meses figem a minha primeira participaçom num congresso e foi em galego.
A esfera familiar é, no entanto, mais complexa, não é?
É, sem dúvida. Normalmente as dinâmicas já estám mais estabelecidas e sempre temos mais medo a sermos julgados, embora no meu caso o certo é que provavelmente nom passaria nada e simplesmente estou a ser um covarde.
Em qualquer caso, aproveito a pergunta para desmentir um preconceito que tinha eu ao começo e que pode ajudar a algum potencial neofalante. Falar galego nom é umha decisom que divida a tu vida em branco e negro. Às vezes pensa-se que se decides fazer-te neofalante significa que dum dia para outro passarás a falar galego sempre em todos os ámbitos. Nom tal. Pode ser assim, mas também pode nom sê-lo: outras vezes é um processo gradual, em que o galego vai surgindo apenas nalgumhas situaçons, com algumha gente. Logo podes ir, aos poucos, ampliando os contextos onde falas galego, mas também decidir que noutros, polo menos polo de agora, nom queres trocar. Está bem. Nom há um só caminho nem ritmo para ser neofalante, só o que tu quigeres seguir em cada momento. Isso nom che fai seres hipócrita.
Se tens o formigueiro de provares, o meu conselho é fazer como eu e principiar polas redes sociais. Escreve de quando em vez algumha mensagem em galego e vás vendo se lhe apanhas o gosto. Sem medo! Irás vendo como o prazer de estar a aprender mais da tua cultura fará que o corpo che vaia pedindo mais
Jorge Diz mora na Catalunha onde tudo é bem distinto e afirma que nom devemos comparar ambos os contextos. Por quê?
Catalunha é um bom modelo em muitas cousas. As suas medidas e iniciativas, o seu amor pola sua língua, etc., mas acho que às vezes martirizamo-nos de mais com a comparaçom. Olhamos para eles e pensamos “por que nom podemos ser nós assim?”. Porém, a situaçom social há mais de mil anos que é diferente. Olhar para quando a morte de Franco e pensar o diferente que transcorrêrom estes 40 anos é enganoso: nós tínhamos mais falantes na altura, certo, mas eles tinham um prestígio generalizado que nós nom tínhamos desde Meendinho.
Nom só isso: eles tenhem o dinheiro e massa crítica urbana e social para exercer umha presom mobilizadora com que nós nom podemos sonhar. Nós nom temos umha metrópole como Barcelona que pule do resto. Por isso o seu uso aumentou e o nosso decresceu: fôrom quem de fomentar umha cultura de auto-consumo que nom temos aqui. A gente lê os livros foràneos traduzidos para o catalám, a TV3 é consumida por novos e por velhos… A consequência é que as ruas estám cheias de crianças a falarem catalám e as instituiçons públicas e privadas atendem e etiquetam tudo em catalám por defeito.
Esse há de ser o nosso objetivo, sem dúvida. Mas sejamos conscientes também das cousas que nos separam, quanto de bater-nos no lombo a laiar por nom “estarmos à sua altura”. Com todo o que temos em contra, hemos de estar bem orgulhosos da luita que mantemos, da guerra que damos, e da resistência que oferecemos. E com o peito bem enchido desse orgulho, continuar a fazer mais e mais cada dia.
Embora informático de formaçom tés um grande fraco polas línguas. De facto, está a fazer o doutoramento em linguística. Fala-nos do teu foco de pesquisa em neologismos.
Os neologismos som às línguas o que os midiclorianos aos jedi: medem a sua força. Umha língua que nom cria, ou cria pouco (e empresta tudo) é umha língua fraca. Ainda mais, cada língua reflete na sua neologia o seu próprio carácter global e a personalidade dos seus falantes. Os conceitos novos som como umha primavera da língua: fam agromar milheiros de formas de lhes chamar. E é que os neologismos som, também, a nossa forma de classificar o mundo: quando queremos marcar distinçom entre umha cousa e outra, servimo-nos das palavras. Nom é o mesmo um turista que um fodechinchos!
Eu na minha tese estudo o galego popular das redes e tento responder a duas questons. A primeira é fazer um catálogo de todas as razons polas que inventamos palavras, para entender que nos leva a criar. A outra é investigar por que uns neologismos chamam a atençom mais do que outros. A vós que vos surpreende mais: falar dumha torta pistacheira ou dumha torta cheesecake? Pois seguramente tenha a ver com o contexto e a pessoa mas os fatores em jogo se podem analisar.
A respeito do reintegracionismo houve um tempo em que pensavas que “ainda nom é o momento” mas na atualidade achas que “agora ou nunca”. Como foi esse processo de mudança de paradigma?
Cuido que nunca desgostei muito da ideia do reintegracionismo: quando fazia piadas dele sempre eram mais respeito da sua menor aceitaçom social que nom da sua ideia essencial. Precisamente por isso achava que, na altura, tentar promover a mudança de estratégia ia complicar o processo de normalizaçom do galego com um novo cisma.
Porém, a situaçom nom é como há vinte ou trinta anos. Avançamos nalguns sentidos e retrocedemos noutros. A minha perceçom é que somos menos falantes, mas mais comprometidos. E entre os que nom falam, a percentagem de simpatia para o galego é maior. O problema já nom é convencer a gente de que o galego é umha língua respeitável, isso já o sabem quase todos, mas convence-los de que é umha língua que paga a pena falar. Estamos a sentar sobre umha base de falantes potenciais muito grande: apenas cumpre saber como ativá-la.
Se o formularmos como que a mesa do galego cambaleia por apodrecerem-lhe dous pés devido à sua menor presença social e cultural, o reintegracionismo é um jeito de restaurar esses dous pés engadindo madeira da mesma árvore. Mudando de estratégia nom renunciamos a nada do que fai o galego galego, ao mesmo tempo que obtemos maior diversidade de oferta e maior normalizaçom. É importante que tenhamos acesso a materiais em galego em qualquer aspeto das nossas vidas: fai a língua atrativa e fai a língua normal. Achegando e misturando as esferas galegas, portuguesa e brasileira afirmamos esses alicerces e continuamos a crescer, mais fortes, cara dentro e cara fora.
Por onde julgas que deveria transitar o reintegracionismo para avançar socialmente, para fazer parte do dito “senso comum”?
Para o reintegracionismo ver-se como algo normal, e as outras variedades do português verem-se como variantes dumha mesma língua, nom cumpre mais que expor a gente a elas. A razom principal pola que a gente ainda percebe distância entre a língua do norte e o sul do Minho tem a ver com o pouco contacto que tenhem com aquela: o mesmo que pensariam das variedades espanholas de Andaluzia se nom as tiverem constantemente nos média. Polo tanto, cumpre difundir material tuga e brasileiro na Galiza ao lado do material galego.
De feito, há um espaço na esfera cultural galega pola que penso que podem começar a entrar pequenos bocadinhos internacionais, e som os tipos de cultura mais consumidos polos novos: youtubers, podcasters, memes. Fai-se pouco na Galiza nesse âmbito (ainda que o pouco que existe, é muito bom!). Mas podemos ampliá-lo fazendo difusom explícita de certos criadores de cultura moderna em português. Com um par de cliques que dê a gente nos que vejam que nom custa entender o que dim, irám pouco a pouco chegando elas mesmas a assumirem a evidente uniom das línguas.
Eu, justamente, a meirande parte do meu contacto com brasileiros vem dos quadrinhos que leio pola Internet! Páginas como as Mentirinhas ou as Ryot IRAS. Gosto muito do seu humor. Tampouco nom podo deixar de recomendar o Portugués é legal, umha divertida conta sobre língua quase tam boa como o nosso @emgalego 😉
Jorge Diz é sócio da AGAL mas que te motivou a dar o passo?. Que esperas da associação?
O galego nom tem futuro sem otimismo, sem entusiasmar. Dum tempo a esta parte, a reivindicaçom do galego é um âmbito cheio de laios, queixas polo mal que vai todo, gráficos com linhas que caem e caem e vaticínios de mau augúrio. Semelha um enterro. Nom é de estranhar que os potenciais falantes saiam correndo. Eu mesmo há tempo que decidim que nom ia dar publicidade a nengumha nova negativa sobre o galego. Se me cruzar com ela leio-a, suspiro, e tiro-a de diante sem contar a ninguém.
Polo contrário, hoje em dia a AGAL está a pular adiante com um sorriso, e o galego precisa, mais que nunca, dessa atitude.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2040?
Para mim, um marcador de que demos chegado à normalizaçom seria termos umha estrela de pop, dessas raparigas novas, cantando em galego na rádio e enchendo concertos. Temos vinte e três anos para consegui-lo!
Conhecendo Jorge Diz
Um sítio web: Twitter. Tem mau, tem bom: é a vida mesma.
Um invento: O edredom nórdico.
Umha música: Wenn es passiert, dos Wir sind Helden.
Um livro: Qualquer de Neil Gaiman.
Um facto histórico: A criaçom da Uniom Europeia.
Um prato na mesa: Raxo com roquefort.
Um desporto: A patinagem.
Um filme: Scott Pilgrim contra o mundo (2010).
Umha maravilha: Umha boa tormenta com chuva, lôstregos e trevons.
Além de galego/a: Inquieto.
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