Belém Grandal: «O trabalho deve ser diário, prático, constante, dinámico e participativo de todas e todos»

PGL – Belém Grandal cursou Magistério e mais Geografia e História. Estudou num Euskaltegi, desafiou os seus companheiros de apartamento com «ontem jantei cedo e após o jantar ajoelhei-me na janela» e, além de galega, é socialista, independentista e internacionalista.

PGL: Quando realizas a mudança de língua e que te motivou a fazê-lo?

Belém Grandal: A minha mudança foi com demora, e aconteceu finalizados os meus estudos universitários, com 24 anos, já cursara também com anterioridade os estudos de Magistério. No último ano da Licenciatura escolhim como especialidade, Geografia, História e Arte da Galiza, onde a maioria de companheiras e companheiros eram espanhol-falantes, e isto dava origem a  umha situaçom bastante anómala: numha especialidade netamente galega, o espanhol era o idioma mais comum a utilizar nas aulas.

Com irmaos galego-falantes, e com pais também galego-falantes, ainda sendo o espanhol o idioma que nos transmitiram, nom era possível continuar a desprezar umha língua fruto dumha cultura que eu gostava de conhecer e desentranhar aprofundando nela com os meus estudos.

Era hora de deixar à margem umha língua alheia e dominadora, anulando a capacidade de ser e sentir em liberdade, sem imposiçons, reconhecendo-me identificada com um povo, comunidade e naçom; afastando de vez essa espécie de esquizofrenia espanhola que alterava a minha perceçom da realidade.

PGL: Tés morado em Bilbau, que sensaçons trouxeste dali no campo lingüístico e nacional?

BG: Sim, morei em Bilbau por motivo de estudos, fum lá para cursar um Pós-graduação e tenho a dizer que, se na Galiza adquirim a consciência lingüística, a consciência nacional-independentista, já em cernes no meu país, emergiu de cheio mentres morava e estudava nesta cidade. Na altura de chegar a Euskal Herria decidim que, para conhecer bem essa cultura, e integrar-me na sociedade, tinha primeiro de aprender o seu idioma, o euskera, factor essencial de integraçom. Inscrevim-me assim num Euskaltegi, escola de aprendizagem do euskera orientada aos adultos, nas chamadas AEKs, onde cursei algo mais de dous anos. A duraçom era dum curso académico, muito mais extenso e intensos que os que cá se realizam.

Ainda que, nom atingim o nível requerido para desenvolver-me com fluidez, nessas escolas nom aprendes apenas o idioma, mas tudo aquilo que este expressa: valores, atitudes e comportamentos que definem a identidade dum país.

Confesso que sentim mágoa, mágoa da Galiza, ao comprovar a distáncia, já nom física, que nos afasta, mesmo a distáncia a nível de consciência e compromisso da naçom basca, Euskal Herria, que luita com todas suas forças para impedir a assimilaçom dentro desse ente estranho e absurdo, buraco preto que é o “Estado Espanhol” a engolir toda a matéria com vida independente que topa ao seu passo para logo destruí-la, frente a um povo como o galego que se dobra perante as adversidades, meditabundo e submisso, situado quase na boca desse buraco aguardando a ser aniquilado e à espera de que a situaçom mude, sem mexer um dedo para evitar que isto aconteça.

E ainda que qualquer um afirme que é um povo doente sem nengumha culpa, fraco favor se fai a um enfermo se nom adquire a vontade necessária de sanaçom esperando que a cura da sua doença venha de fora. Se nom começa por um mesmo, nom há nada a fazer.

Quanto à língua, dizer que há 40 anos a situaçom em número de galego-falantes na Galiza excedia em muito ao número de falantes em euskera, mas na atualidade acontece ao invés. Todos sabemos que o nacionalismo basco que, até bem pouco tempo, governou Euskal Herria, era um nacionalismo conservador, de direitas, mas soubo aproveitar e vincular a defensa dos seus interesses económicos com a luta polos direitos nacionais, pola sua identidade, onde cultura e língua ocupavam um lugar preeminente. Algo que jamais aconteceu na Galiza, mas também com certeza a classe trabalhadora basca era conhecedora da importáncia decisiva da educaçom na transmissom da sua cultura às geraçons mais novas, e de recuperaçom dumha língua muito degradada e com um número de falantes em declive, polo que deram em tomar medidas.

Umha destas medidas foi a criaçom de cooperativas educativas, primeiro a margem das instituiçons, onde cada colaborador/a contribuía economicamente de acordo às suas possibilidades económicas, mais tarde subvencionadas por ditos governos, e assim nascêrom as ikastolas, onde o ensino desde o Infantário, Primária, Secundária até acabar o Liceu era, e continua a ser, integramente em euskera. A solidariedade e uniom de forças som uns dos pilares fundamentais para luitar e deitar abaixo as cadeias que oprimem os povos. É umha carência muito grave na Galiza.

PGL: És diplomada em magistério e licenciada em Geografia e História. Atualmente está a haver iniciativas de ensino em galego fora da área pública. Que opinas ao respeito?

BG: Acho muito importante o desenvolvimento de todo o tipo de iniciativas com objeto de transmitir e divulgar os aspetos que conformam a nossa identidade, onde os valores culturais, nom só materiais, mesmo também aqueles aspetos mais intangíveis baseadas nas interaçons e interrelaçons entre as pessoas e entre estas e a comunidade física em que se assentam sejam o elemento primordial, tendo como instrumento veicular de expressom único, O GALEGO.

Gostaria que estas iniciativas fossem promovidas nas instituiçons públicas, mas as políticas desenvolvidas até o de agora polos distintos governos só procuram um “bilingüismo harmónico” que reproduz mais umha vez a situaçom de discriminaçom e opressom da língua própria da Galiza frente a umha língua alheia, invasora, dominadora e nociva que aniquila e usurpa todas as suas funçons.

Mural realizado em Compostela pola Gentalha do Pichel

PGL: Quando, como e por quê enveredas na estratégias reintegracionista?

BG: Carvalho Calero dizia o seguinte: «O galego, ou é galego-português ou é galego-castelhano». Quero agora analisar esta frase.

Há umha anedota que me aconteceu quando morava em Bilbau que foi umha das motivaçons, mas nom a única, para tomar a decisom de me implicar na estratégia reintegracionista e é a que segue: os companheiros/as com que compartilhava morada comentárom-me que o idioma galego era de muito singela compreensom pola sua similitude com o espanhol, qualquer pessoa que compreendesse o espanhol, também compreendia o galego, e dixérom-me para falar eu algo neste idioma e eles fazerem a traduçom simultánea. Eu dixem: «Ontem jantei cedo e após o jantar ajoelhei-me na janela». Como imaginais ninguém das/os que escuitaram soubo resolver o enigma.

Se eu falasse em galego-espanhol diria: «Ayer comin pronto e despois de comer arrodilleime na ventá», entom tenho a certeza que poderiam fazer a traduçom simultánea, ou já nom seria necessária.

Se os nossos antepassados voltassem à vida já nom reconheceriam a nossa lingua. Esta está muito degradada, agredida e poluída polos efeitos nocivos dum idioma usurpador, o espanhol. Qualquer língua evolui, já que esta emerge numha determinada sociedade que ao longo do tempo produz mudanças às quais a língua deve acomodar-se, mas nom é possível permitir que essas mudanças acarretem a sua destruiçom e morte, lenta e irremediável.

O tronco comum do galego jamais foi o espanhol, este nom é mais que um enxerto artificial, muito poderoso e maligno que anda a afetar de gravidade a saúde do idioma. Mentres que o português nom é nengum enxerto artificial e sim umha parte natural do tronco comum que proporciona umha grande dose de vitalidade e terapia para a curaçom desta grave doença que apresenta a nossa língua evitando assim a sua extinçom.

PGL: Por que aconselharias a via luso-brasileira às pessoas instaladas no galego-castelhano?

BG: Polos motivos que venho de expor. Se queremos umha boa saúde para o nosso idioma, jamais há ser bom aliado o espanhol, este nom é mais que um cancro que deu em se estender na nossa sociedade afetando ao desenvolvimento normal desta língua.

Além disso, integrarmo-nos numha comunidade de milhons de falantes no mundo da lusofonia permite-nos manter umhas boas interrelaçons entre as/os que desejamos comunicarmo-nos numha língua comum com a qual poder compartilhar e expressar ideias, projetos, desejos e expetativas que incluam umha nova forma de vida afetuosa, participativa, solidária, na procura da justiça social que tenha como núcleo fundamental o reparto equitativo de qualquer tipo de riqueza e igualdade real de direitos para todas/os que cá andamos.

Avante! é um dos grupos preferidos da Belém Grandal

PGL: Que tácticas devia seguir o reintegracionismo nos próximos anos?

BG: Em primeiro lugar, a divulgaçom de iniciativas no nosso país orientadas ao conhecimento e difusom do nosso idioma, limpo e sem poluir (galego-português) e de aspetos culturais e sociais do mundo do reintegracionismo e da lusofonia em geral. Tendo presente as restriçons e manipulaçons nos meios informativos e de comunicaçom, jornais, televisons, rádio… embora a rede poda ser um bom substituto para dar a conhecer o trabalho, investigaçons, estudos, palestras, atividades de todo o tipo e também lúdico-festivas, a toda a comunidade reintegracionista e lusófona, na Galiza e no exterior.

Mas acho que o trabalho em todo momento deve ser diário, prático, constante, dinámico e participativo de todas e todos as/os quais formamos parte desta comunidade que nom pretenda ser só umha imagem projetada, mas vazia de contudo.

Um exemplo: o Festival da Poesia do Condado, onde o lema foi «Língua e serviços em mao comum». Ao ler isto achas que as/os organizadoras/es do evento se envolvem de cheio na defensa do reintegracionismo, mas nom é real, apenas é umha imagem. A imensa maioria de poetas e poetisas participantes nesta ediçom do Festival utilizavam o galego-espanhol como forma de expressom.

No nosso país é normal dar imagens: umha manifestaçom, um festival, umha concentraçom, um ato em defensa de lemas ou palavras de ordem que caem no esquecimento e ficam vazios de conteúdo. O trabalho constante e diário, a solidariedade, a uniom de forças e o compromisso para mudar a realidade injusta que nos abrange é quase inexistente.

PGL: Que visom tinhas de AGAL, que te motivou a te associares e que esperas da associaçom?

BG: Aguardo nom me equivocar com vocês, mas sempre gostei do trabalho e da luita contracorrente. Porque neste país o normal é deixar-se ir, arrastadas/os por umha mesma corrente, sem fazer nada por mudar a situaçom, condenados à destruiçom e aniquilaçom da nossa cultura e da nossa língua e por conseguinte da nossa naçom.

Eu sei bem que é muito difícil trabalhar deste jeito, mas quando se possuem firmes convicçons e umha consciência clara dos objetivos a alcançar e do caminho que devemos construir entre todas/os para atingir esse alvo comum, um país monolingüe em galego, sem as misérias que o espanhol nos inoculou para destruir a medula espinhal, que é a língua, com a qual expressarmos através de palavras próprias o que somos, pensamos, sentimos, fazemos, construímos, quer dizer, com tudo isso que Espanha nos nega: ser, pensar, sentir, fazer, construir, por nós mesmos, se nom é com as palavras da sua língua, com o seu ser, o seu sentir, o seu desfazer e o seu destruir.

Conhecendo Belém Grandal

 

  • Um invento: o computador com o teclado; sem ele já nom saberia escrever
  • Um livro: sinto-o, mas está em galego-espanhol; porém, acho-po interessantes polos aspetos ocultos e esquecidos que desenvolve: O pacto galego na construcción de España, de Manuel Veiga
  • Um facto histórico: um que há de acontecer: a independência, socialismo e antipatriarcado na Galiza
  • Um prato na mesa: qualquer um que contenha vegetais ou legumes
  • Um desporto: patinagem ou ginásia artística
  • Um filme: A Vida de Brian
  • Umha maravilha: um fado bem cantado
  • Além de galega: socialista, independentista e internacionalista

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