Carlos Pazos-Justo: “Para o cabal entendimento da dimensão imagológica no relacionamento galego-português é necessário termos presente a imagem espanhola no exterior, forte e capaz de apagar outras.”

A imagem da Galiza em Portugal. De João de Redondella a Os galegos são nossos irmãos de Carlos Pazos, membro do departamento de Estudos Românicos da UMinho e do Grupo de Investigação GALABRA, é a última novidade da Através Editora.cartaz_compos_eoi_modificado-001

Uma obra onde se nos apresentam as imagens e percepção do povo galego em Portugal e que está fortemente ligada a uma outra publicação da editora, A imagem de Portugal na Galiza de Carlos Quiroga, a modo de livros que nos oferecem informações espelhadas.

É por esta interrelação entre as obras que, ao longo da semana vindoura, se apresentarão conjuntamente nas cidades de Vigo (24 de outubro), Ourense (25) e Compostela (26).

Para conherermos algo mais da Obra, Inácio Prada entrevistou o seu autor.

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x-cpazos-1Carlos Pazos-Justo (Redondela, 1975) formou-se em Filologia na Universidade de Santiago de Compostela e doutorou-se em Ciências da Cultura na Universidade do Minho. É membro do Departamento de Estudos Românicos da UMinho e faz parte do Grupo de Investigação GALABRA.

Já no título do livro, A imagem da Galiza em Portugal. De João de Redondella a Os galego são nossos irmãos, temos uma série de pistas que ajudam a centrar por onde é que vai decorrer o conteúdo da obra. Centras-te num primeiro momento na ‘imagem’ como elemento principal e o no seu valor como capital simbólico, porquê?Numa primeira parte introdutória, tratei de explicitar o que eu entendo por imagem ou imaginário, assim como o eventual interesse do seu estudo. Existem várias perspetivas sobre o assunto e pareceu-me necessário tentar dar algumas chaves para a compreensão das imagens enquanto discursos do outro/nós e adiantar as premissas das que partem as propostas do livro.

Como vês a grandes rasgos que operam as imagens na relação galego-portuguesa no âmbito português?

Entendendo a imagem portuguesa atual da Galiza como complexa ou poliédrica, parece-me que pode atuar em várias direções; ora aproximando, ora distanciando, por exemplo. Isto na atualidade. Creio também que para o cabal entendimento da dimensão imagológica no relacionamento galego-português é necessário termos presente a imagem espanhola no exterior, forte e capaz de apagar outras.

Falas também de um momento de inflexão nas imagens contemporâneas da Galiza em âmbito português, marcando um antes e depois no ano 1936, em que se reflecte?

Bom, se as imagens muito dependem da intensidade e natureza de relações entre comunidades, parece plausível supor que os vários abismos surgidos para o contacto galego-português após 1936 tenham implicações imagológicas. Como é sabido, para galegos, mas também para portugueses, depois de 1936 as possibilidades de contacto rareiam. Na prática, os grupos interessados em estabelecer contactos ou desaparecem -pense-se nos galeguistas- ou passam a ter a sua vida muito atrapalhada -pense-se nos republicanos lusos.

Porém, esse antes e depois não se corresponde com uma percepção coerida e no livro falas do “imagotipo negativo” e “imagotipo de afinidade”.

Os tais imagotipos -discursos de representação- são elaborados bem antes. Aquando da instauração forçosa do autoritarismo na Península Ibérica, a Galiza tinha, acredito, uma posição crescentemente definida e de longo percurso no imaginário luso.

No subtítulo da obra aparece uma evolução de imagens, De João de Redondella a Os galego são nossos irmãos, estaria em relação com estes imagotipos que mencionas?

Com efeito. O João de Redondella de R. Bordado Pinheiro personifica de alguma forma a equação que dominou o imaginário português durante séculos pela qual galego era igual a grosseiro, rude, incivil, etc.; era, sintetizando, um imigrante de baixa condição social, laboral e etc. Os galegos são nossos irmãos, título de uma publicação dedicada à comunidade galega, tenta exemplificar o outro grande discurso a respeito dos galegos e da Galiza: pessoas e espaço com elementos de afins com portugueses e Portugal. De alguma forma, esta visão da Galiza funciona hoje no imaginário luso.

Dás-lhe um peso importante às imagens nascidas através das comunidades galegas no país vizinho, em que se reflecte isto?

Sim, é verdade. Deve-se, fundamentalmente, a dois motivos. Em primeiro lugar, a minha trajetória investigadora, antes centrada no escritor e político galego-descendente Alfredo Guisado, fez com a comunidade galega de Lisboa se constituíra para mim num elemento importante a considerar no âmbito das relações galego-portuguesas. O qual, acho, nem sempre tem sido assim.

Por outro lado e mais importante, se recorro com algum vagar ao exemplo dos galegos de Lisboa é por entender que a análise das escolhas de variado tipo desta comunidade contribui significativamente para conhecer o imaginário luso dos galegos. As ideias ou mesmo as práticas da comunidade galega de Lisboa configuram-se como indícios reveladores do imaginário luso. Durante as primeiras décadas do século XX, senão antes, há entre os galegos de Lisboa uma emergente elite económica muito interessado em melhorar também as suas posições sociais e simbólicas no espaço da emigração -e igualmente no espaço de origem. Os percursos praticados surgem contra a imagem aviltante e, amiúde, em sintonia com o citado imagotipo de afinidade. Quer dizer, alguns galegos emigrantes um certo dia descobrem, digamos, que ao se assumirem como galegos da Galiza -galegos depreciativamente também se utilizava para cidadãos de algumas periferias portuguesas- podiam assim obter benefícios sociais e simbólicos pois a identidade galega seria, em linha com o imagotipo de afinidade, uma opção identitária próxima ou afim à portuguesa.

Finalmente, como valorizas hoje a percepção que se tem da Galiza e do povo galego em Portugal?

Como dizia, trata-se de uma imagem complexa. Marcada por elaborações de mais de cem anos e, ao tempo, condicionada por lógicas que vão para além da Galiza e dos galegos, lógicas imagológicas a conjugar a emergente imagem espanhola mas também progressivamente determinadas pelo quadro europeu.

Cabe apontar que o livro aborda panoramicamente o imaginário luso da época contemporânea. Faltam, neste sentido, estudos sobre esse outro passado tanto para o caso português como para o de outras comunidades. Faltam, designadamente, estudos que procurem conhecer outras realidades pretéritas e não a explicação de uma ou outra ideia mais ou menos assente na atualidade. Faltam, e isto foi uma revelação para mim com este ensaio, trabalhos a descrever e analisar a posição do Reino da Galiza e dos seus habitantes nos imaginários medievais…

Por último, frente a um discurso de há 30 ou 40 anos para cá que entende o relacionamento galego-português marcado por um desinteresse luso, considero prestar atenção às imagens que se projetam desde a Galiza, a uma série de elementos -entre eles a língua- que produzem ruído e dificultam a intercomunicação.

Apresentações programadas:
– 24 de outubro às 20h00 na EOI de Vigo
– 25 de outubro às 20h00 no Café-Bar Sociocultural ‘O Renque’ de Ourense
– 26 de outubro às 12h00 na Faculdade de Filologia da USC
– 26 de outubro às 20h00 na EOI de Compostela
– 29 de novembro às 18h30 na Biblioteca Camões de Lisboa
– 6 de dezembro às 18h30 na Livraria Centésima de Braga
– 7 de dezembro às 18h00 na livraria da UNICEPE-Cooperativa Livreira de Estudantes no Porto

 

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