David Lloberas Lafuente é catalão e foi-lhe transmitido o amor pola diversidade linguística. Um intercâmbio universitário levou-o para Lisboa, onde agora reside satisfazendo a sua curiosidade polos povos atlânticos. As viagens ao norte de Portugal permitiram a sua descoberta da Galiza que visualizou com os seus olhos de geógrafo. O seu maior foco de interesse é modelar os fenómenos geográficos, segundo dados presentes, para termos previsões do futuro. Julga que a escola é um espaço fundamental para o catalão.
David é catalão e sempre guardou, mercê aos seus pais, uma sensibilidade especial com a diversidade linguística. O que lembras da tua infância em termos linguísticos?
Lembro-me de aprender rapidamente que no mundo existia um leque imenso, não só de línguas, mas também de contextos linguísticos, do qual o facto de eu falar como língua materna catalão e castelhano, era só mais um desses contextos. Mais à frente isso serviu para assimilar que a diversidade de línguas no mundo gera necessariamente uma variedade de cosmovisões, o que constitui todo um património imaterial da humanidade.
Sobre o património, algo que alguns parece não terem muito presente, existe uma reflexão muito certeira do meu pai: “Se línguas românicas tem uma origem documentada há mais de mil anos, porquê é que não as protegem como outros bens originados na mesma época (igrejas, pinturas, figuras, etc.)?”. E com isto vem-me à cabeça os exemplos que temos dentro do Estado Espanhol: astur-leonês, aragonês e occitano.
Algo que também me ensinaram de muito novo, e que com certeza estimulou os meus interesses geográficos, é o processo de espalhamento das línguas românicas na Península Ibérica, pelo qual pode-se explicar a atual distribuição delas em faixas longitudinais. E daí, que mais um tempo depois, chegasse à conclusão que a nossa península é como um espelho, com duas faixas litorais (a catalã e a galaico-portuguesa), uma central (a castelhana), e duas faixas pequeninas entre as litorais e a central (a aragonesa e a astur-leonesa).
Foi esta curiosidade a que te levou, já como adulto, a fazer um intercâmbio universitário em Lisboa. Em tua opinião, a Península é como um espelho.
Exato, Lisboa, e no geral a lusofonia, há tempo que me gerava uma curiosidade que tentei satisfazer com esta oportunidade. De facto, os motivos que a originaram são bastante variados.
Por um lado, estão os académicos, pois existe uma muito boa relação entre o Instituto de Geografia da Universidade de Lisboa e a minha antiga faculdade na Universitat de Barcelona, o que felizmente provoca o consumo de bastante bibliografia lusófona —europeia e americana— entre os estudantes, principalmente ao redor de textos do geógrafo brasileiro Milton Santos.
Por outro lado, esta metáfora do espelho fez que quisesse conhecer as nações latinas da outra riba, os nossos equivalentes atlânticos. Tendo tido sempre mais de perto os povos que comerciaram e navegaram pelo mediterrâneo, geraram-me mais curiosidade os povos que viram no atlântico um trampolim para o resto do mundo.
Somas já uns anos a residir em Portugal. Como foi a tua adaptação linguística?
Foi uma experiência muito estimulante, e, como aprender a maior parte de línguas românicas, sendo falante de catalão e castelhano, foi fundamentalmente fácil. Sempre é engraçada aquela fase inicial em que estás a falar por intuição, o que leva muitas vezes a estar, na realidade, inventando palavras ou expressões. Pessoalmente, acho que fui afortunado de ter tido uma imersão total, pois nessa primeira fase de aprendizagem todos os meus contactos em Lisboa, mais ou menos chegados, eram portugueses ou originários de outros países lusófonos.
A tua estadia em Lisboa facilitou a tua aproximação à realidade galega. Que foi, que é, o que mais chama a tua atenção?
Na realidade, foi o facto de sair de Lisboa e viajar mais para norte (Porto, Braga, Viana do Castelo, etc.) o que mais facilitou essa aproximação. Estas viagens foram por diversos motivos, alguns deles até curiosos, como a vez que tive de cruzar clandestinamente a fronteira a pé, de Valença a Tui, pela ponte sobre o Minho, nalgum dos seus repetidos fechos de 2021.
O que mais me chama a atenção é a continuidade paisagística que há em todo o norte do Douro, tanto na esfera física como na humana. A formação paisagística a nível natural está formada principalmente pelo clima, algo que evidentemente não respeita fronteiras; mas a nível humano a paisagem poderia ter esse limite, mas não o tem. O minifúndio e o povoamento disseminado pelo território, as vivencias e o falar dos povoadores, são elementos comuns nas duas margens do Minho.
O que mais me chama a atenção é a continuidade paisagística que há em todo o norte do Douro, tanto na esfera física como na humana. A formação paisagística a nível natural está formada principalmente pelo clima, algo que evidentemente não respeita fronteiras; mas a nível humano a paisagem poderia ter esse limite, mas não o tem. O minifúndio e o povoamento disseminado pelo território, as vivencias e o falar dos povoadores, são elementos comuns nas duas margens do Minho.
David Lloberas é geógrafo e tem muitos interesses neste âmbito. Fala-nos das tuas pesquisas e das áreas que mais te entusiasmam.
O meu foco de interesse está em modelar os fenómenos geográficos, segundo dados presentes, para termos previsões mais ou menos certeiras de em que direção está a ir o território. E qual é o interesse prático em fazer isso? Todos entendemos como fundamental a planificação e a regulamentação na economia, caso contrário isto era o Far West sem igualdade nenhuma, é por isso que é fundamental conhecer bem o território para poder fazer o mesmo com ele: ordenar, planificar o que se vai fazer e regulamentar o que já foi feito.
Para fazer bem o trabalho, tanto de análise e diagnose como de prognose, é importante ter uma conceção multi-escalar do espaço e ter alguma noção de como funciona o mundo a as mudanças às que este está submetido. Uma correta ordenação do território contribui a resolver muitos dos problemas existentes: incêndios florestais, transportes deficientes, segregação social, desindustrialização, dependência das energias fósseis, etc.
Na Galiza, a língua própria é vivida de duas formas do ponto de vista identitário, quer como uma língua apenas galega, quer como um idioma ligado com outras sociedades: Brasil, Angola, Portugal… Como se perspetiva esta dialética no teu olhar catalão?
No inicio custou-me um pouco de perceber, não era algo muito comum na minha cabeça o facto de existirem duas grafias para o que, tinha a noção, era a mesma língua, ou quase. Esse “quase” foi das coisas que mais me estimularam para entrar em contacto com o galego a través de português, queria resolver esse dilema: se AINDA um galego e um português podiam ter uma conversa em profundidade sobre temas complexos falando cada um à sua maneira. E só podia responder esta pergunta conhecendo estes dois dialetos galaico-portugueses.
Desde que comecei a investigar e a entrar em contacto com as diferentes realidades, cheguei à conclusão de que essa conversa em profundidade não só pode existir, mas deve existir. É uma oportunidade enorme para um país que tem tido historicamente a sua língua própria menorizada que exista um contacto fluido com países que falam outros dialetos dessa língua.
É uma oportunidade enorme para um país que tem tido historicamente a sua língua própria menorizada que exista um contacto fluido com países que falam outros dialetos dessa língua.
É evidente que um portuense e um carioca não falam da mesma maneira, como um burgalês não fala igual que um bonaerense ou um sevilhano —algo igualmente aplicável para um alacantim e um mallorquim—, mas isso não impede se perceberem um ao outro. Ambos têm consciência de falarem a mesma língua sendo originários de territórios diferentes, o que não provoca a perda de qualquer elemento de identidade.
A escola é um dos grandes campos onde se patenteia a saúde social das línguas. Os ataques contra a imersão linguística na Catalunha que nos estão a mostrar?
Estes ataques estão a mostrar o ódio e a intolerância por parte de quem, muitas das vezes, nem mora na Catalunha nem conhece a sua realidade. É importantíssimo defender a presença do catalão na escola, pois é o único contacto com a língua que muitas crianças têm no inicio da vida delas. E é por esse motivo, também, que é preciso lutar para que haja mais presença do catalão noutras esferas da vida: nos filmes, nos jogos, na música, basicamente, nos referentes culturais das crianças. As estatísticas mostram um declínio preocupante de falantes, algo que também acontece noutros territórios de fala catalã como o País Valenciano, as Ilhas Baleares ou, mesmo, em Andorra.
Que te motivou a te tornar sócio da Agal e o que esperas do trabalho da associação?
O que me levou tornar sócio da AGAL e a vossa honestidade intelectual e a fortaleza estratégica da vossa proposta de cooperação galega com o resto da Lusofonia. Espero que a AGAL seja útil para a sociedade galega, e que com a sua tarefa possa contribuir ao máximo na proteção e promoção do que é o património comum do vosso país. Estou orgulhoso de formar da associação pelo respeito que tenho pelo vosso galeguismo e pelo imenso potencial transformador que acho que este tem.
O que me levou tornar sócio da AGAL e a vossa honestidade intelectual e a fortaleza estratégica da vossa proposta de cooperação galega com o resto da Lusofonia. Espero que a AGAL seja útil para a sociedade galega, e que com a sua tarefa possa contribuir ao máximo na proteção e promoção do que é o património comum do vosso país. Estou orgulhoso de formar da associação pelo respeito que tenho pelo vosso galeguismo e pelo imenso potencial transformador que acho que este tem.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” do Reino de Espanha em 2050?
Bom, haha, é perigoso fazer-me essa pergunta a mim, pois, gostar gostar, gostava que nem fosse reino, nem fosse de Espanha. Mas para responder à pergunta, gostaria que dentro de 30 anos houvesse mais sensibilidade e respeito para com a diversidade. Pois é curioso ver como determinados perfis políticos, sociais e mediáticos espanhóis, supostamente progressistas, entendem que a diversidade é algo enriquecedor (de orientação sexual, de procedência, etc.) —e estão certos—, mas quando é para tratar a diversidade linguística e a plurinacionalidade do Estado acabam por ficar “fora de jogo”.
O maior desejo é que os idiomas próprios que não são o castelhano deixem de ser tratados como línguas de segunda. No caso do astur-leonês e o aragonês desejo-lhes que possam seguir o caminho da oficialidade, como já o fez o primeiro em Miranda do Douro, ou, já há tempo que o fez, o occitano na Val d’Aran. E no caso de catalão, galego e basco, desejo-lhes que consigam ser entendidas como úteis em todos os contextos comunicativos e acabar com situações de discriminação ainda tão presentes.
A Península tem de ser algo mais que um espelho e converter-se numa balança, a nós nos convém a cooperação luso-galega, e a vós vos convêm uns Países Catalães coesos. É uma simples questão de equilibro territorial, “as periferias” temos é de deixar de estar subordinados a um enquadramento mental centralista espanhol. E o primeiro passo para isso, nas sociedades informacionais em que vivemos, é o de exigir a reciprocidade comunicativa entre países que falam a mesma língua. As relações entre os povos ou são fraternas ou não valem a pena ser.
Conhecendo David Lloberas
Um sítio web: SciHub (Alexandra Elbakyan)
Um invento: O ferrocarril
Uma música: Cuervo Ingénuo (Javier Krahe, 1986)
Um livro: A jangada de pedra (José Saramago, 1986)
Um facto histórico: Folga de “la Canadenca (1919) e a aceitação da jornada de 8 horas.
Um prato na mesa: Umas boas lentilhas
Um desporto: Bádminton
Um filme: Tangerinas –მანდარინები em georgiano, Mandariinid em estoniano– (Zaza Urushadze, 2013)
Uma maravilha: Ermida moçárabe de San Baudelio de Casillas (Provincia de Soria)
Além de catalão: Humanista