Entrevista a Ricardo Gil, enfermeiro: «O galego para mim é um orgulho, umha vantagem e umha responsabilidade»

PGL – Ricardo Gil é enfermeiro de profissom, descobriu a utilidade da língua ao ir trabalhar a Leiro e às zonas “raianas” de Lóvios, adora viver o galego como umha língua internacional e decidiu associar-se à AGAL depois de abrir os olhos durante um ano de estágio em Portugal. Para além disso é um apaixonado leitor de livros e devece por aprender a língua.

Qual a tua experiência de falar e de receber aulas em galego na tua profissom de enfermeiro? Qual a utilidade do galego no meio sanitário?

Na Escola de Enfermagem de Ourense, embora quase todo o quadro de pessoal soubesse galego,  este praticamente nom existia. Os apontamentos e os exames eram maioritariamente redigidos em castelhano e, ainda que havia professores e companheiros da turma que falavam e escreviam em galego, a presença da nossa língua era ínfima.

O galego é mui útil no meio sanitário por umha cousa mui clara, o modelo de doente ingressado ou que requer tratamento, costuma ser uma pessoa idosa, e esse perfil  tem como fala  natural o galego. Assim, se quisermos saber o que é a comichom, a dor, o joelho/geonlho, o tornozelo, se som alérgicos ao “pó” ou ao “polvo” (isto é brincadeira minha), temos que saber galego. Esta é a sua utilidade principal , a de nos permitir a comunicaçom com os pacientes. Aliás, se trabalhamos em zonas raianas, conhecer galego internacional vai-nos possibilitar saber como agir quando alguém  diga que está enjoado.

Que implica para ti falar galego no dia-a-dia? Fazes distinçom na hora de falar galego no mundo laboral, na família, com as amizades?

O galego para mim é um orgulho, umha vantagem e umha responsabilidade. Orgulho porque é umha maneira de estarmos no mundo e é umha herança dos nossos devanceiros; vantagem porque é o elo que nos une com duzentos milhões de vidas e  porque, como em qualquer País no qual há duas línguas, as crianças tenhem mais facilidade para aprender  idiomas; e responsabilidade porque nom podemos resignar-nos com um galician-homehold, como os yankees é que chamam ao espanhol falado polos descendentes dos hispanos e que nom serve para o nível académico nem científico. Por isso, temos que ler e estudar muito galego e também as variantes brasileiras, portuguesas,  africanas, asiáticas e timorenses.

A verdade é que falá-lo é bastante complexo e explico isso: Primeiro, pola reticência inicial das minhas velhas amizades , depois polo costume de me exprimir  em galego ou  em castelhano com  pessoas diferentes. Com respeito à malta mais nova com a que tenho trato, que já viveu o galego nos meios de comunicaçom e na educaçom,  tende a pôr etiquetas e a recriminar a minha mudança.

O facto de os meus pais serem galego-falantes possibilitou a minha transiçom para esta língua, mas na casa, como sempre, continuamos a falar os dous idiomas. No mundo laboral, no entanto, tivem umha vantagem mui importante, já que trabalho normalmente no rural e como é sabido o galego é  aqui a língua habitual. Ao trabalhar em Leiro e em Lóvios comecei também a ouvir “lusismos”.

Achas útil o atual galego que é empregue nas instituições sanitárias (campanha de publicidade do SERGAS, documentaçom clínica…)?

É um padrom dumha qualidade questionável e altamente dependente da norma castelhana. Ainda que há  gente comprometida que tenta ter um uso correto da língua e um vocabulário comum com o padrom português, qualquer pessoa  pode perceber muitas incoerências e decalques do castelhano. Para mim umha língua é autónoma de outra quando se a traduzires com um tradutor automático, dá um texto sem sentido, com muitas gralhas e que tens que reler e reescrever. Isso nom ocorre nem com galego-RAG nem com o valenciano, que parecem dialetos do espanhol. Isto é facilmente comprovável, avonda com olharmos artigos na Wikipédia.

O SERGAS escreve cousas como “o sangue é vida, compártea…..”, teima em escrever “ó” em lugar de “ao”, “poboación” por “populaçom”, às vezes é “cancro” e “vacina”, outras “cáncer” e “vacuna”, veem-se muitos “cabestrillos” e poucas “estribeiras” ou “tipoias” ou “charpas”. Sei lá, mas o problema é da normativa e de nom sabermos bem o galego.

Volto ao exemplo do galician-homehold, se olharmos com arroubo o enxebre e esquecemos que há vida além do Padornelo, vamos retalhar a Galiza em 10 ou 12 galegos diferentes e já nem entre nós em galego, nem com os animais, nem gaitas.

Graças ao galego achas possível ter mais oportunidades de trabalho?

Com certeza, podemos falar de Portugal, do Brasil e seguir com Angola que, segundo tenho lido, é umha aposta de futuro.Também muitos galegos sabem da importância da imigraçom cabo-verdiana na Galiza.

Os engenheiros, médicos e professores som, desde o meu ponto de vista, os que melhores oportunidades tenhem de conseguir um bom emprego. Se eu for graduado ou licenciado em filologia hispânica e, aliás, som galego que sabe um bom galego, um galego internacional, vou ter a vantagem de dar aulas a uns 600 milhões de pessoas, quantas oportunidades de mudar a minha vida vou ter? Nem dou imaginado.

Sentiste algumha vez discriminaçom por falares galego no meio sanitário? Chamaram-te a atençom por isso?

A verdade é que tivem bastante sorte e  e pode-se dizer que quase não tive comentários na minha contra. Outra cousa já é o que pensaram. Muitas vezes quando os idosos me perguntavam de onde era e eu dizia que de Ourense, eles comentavam “mas de Ourense, Ourense?  cidade?” E eu, sim. “Ah… pois, que bem sabe o galego”.

Um episódio desagradável foi quando eu escrevi a palavra “jejum” e nom à castelhana “ayuno”, houve lá comentários que fizerom com que reparasse no que se passava e já sabia que isso ia acontecer. Bem, a cousa é que a gente que me conhece sabe que eu nom me escondo nem calo, tenho mais problemas, mas quando eu percebo injustiças o que  tento é lutar. Depois, é claro, se alguém apenas sabe  castelhano, eu vou falar com essa pessoa nessa língua, ou se for inglês, que já me aconteceu, pois em inglês, mas o meu trabalho eu escrevo-o em galego e se alguém tiver umha dúvida eu colo as palavras castelhanas correspondentes entre parênteses, mas a forma galega vai na mesma.

O que te levou a tomares consciência da língua?

Aproveito este meio para agradecer primeiro ao meu avó materno António, depois a um amigo do meu pai Juan Manuel, por me dizerem quando criança se eu sabia ou nom falar galego e que era umha vergonha ir à aldeia sem o saber; e depois, com certeza, amizades como Sumavielle ou professores como Néstor.

Para acordar estremunhado do sono e berrar “eureka”, ao Valentim Fagim, depois ao Carlos Garrido e ao António Gil (nom somos parentes mas para mim seria um orgulho sê-lo), Fernando Venâncio, Sanches Maragoto, Alonso Estraviz, Vasques Corredoira, Isabel Rei e Freixeiro Mato. Com muitos tivem o prazer de me corresponder e algum dia acho que teremos de nos conhecer. Haverá, se calhar, pessoas para as quais  algum destes nomes  nom é reintegracionista, mas para mim forom e som modelos a seguir.

Na tua opiniom, por onde deve caminhar a estratégia luso-brasileira para avançar na sua sociabilizaçom?

Fico mais umha vez com o que diz o grande didata que para mim é Valentim Fagim, eu adoro essa visom de vivermos o galego como internacional. Temos de ler romances de grandes autores como Eça de Queiroz, Pepetela, Mia Couto, Saramago, Lobo Antunes, Nélida Piñon, Adriana Lisboa, Guimarães Rosa… mas ler neste país,  já se sabe…

Também temos filmes, quer legendados em português, quer dobrados em brasileiro, e muitos sites para vê-los online e de graça e documentários mui bons feitos por gente do PGL onde poder desfrutar com as variantes do nosso sistema linguístico.Ou escutar música lusófona, que nem tudo é fado ou muinheiras, podemos ouvir  Michel Telló, Elis Regina, Zeca Afonso, Gustavo Lima,e dançar  Samba ou forró.

Deveríamos visitar o Porto, Coimbra, Lisboa , Os Açores,  A Madeira, e fazer amizades com as quais falarmos polas redes sociais; ir à Escola de Idiomas e ver o que é isso do português.

Os que tenham sorte e poupem dinheiro, poderám  ir ao Mundial ou os Jogos do Rio para conhecer o Brasil.

Que visom tinhas da AGAL, que te motivou a te associar e que esperas da associaçom?

Umha amálgama de ideias, projetos e gente que focava a recuperaçom do galego através da sua reintegraçom no âmbito linguístico ao que pertence.

Queria animar ao pessoal a ler os excelentes Manual galego do Ñ para o NH, Manual de introduçom á língua galega, Manual de Galego Científico, Léxico Galego Degradaçom e Regeneraçom, 101 Falares com Jeito, Manual Galego de Língua e Estilo,O Galego Impossível, Estudo Crítico das Normas, Carvalho Calero Atual e Galego Língua de Calidade editados pola AGAL.  Alguns, se calhar, semelham calhamaços, mas eu som apaixonado pola leitura e, sobretudo, pola língua e acho que todos deveríamos ter contato com estes livros. Podem parecer demasiados, mas som essenciais desde o meu ponto de vista e, com certeza, quase todos forom escritos por gente de referência nesta associaçom, que eu acho centro da estratégia reintegracionista.

Apenas desejo umha cousa, que haja um áudio CD com um padrom de galego AGAL já que é algo que eu acho em  falta, porque muitas vezes escuto pessoas reintegracionistas que falam pior mesmo do que os da norma oficial (quer dizer não diferenciam as pronúncias do “z” e do “ç”, as do “g”, “j” e “x” também deixam dúvidas, e ao tema das vogais abertas e fechadas, que eu acho fulcral, nom lhe dam a importância que deveriam; e que dizer da musicalidade da língua que semelha a dum castelhano a falar galego. Para mim nom é umha piada e eu próprio tenho muitos erros…

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

O 2020 é já, como quem diz. Apenas que os miúdos escutassem as rádios e as televisões portuguesas; que apreendessem português bem nas aulas de galego, bem como matéria à parte; que se editassem mais cartazes e materiais em galego e que ninguém criticasse ninguém por falar ou escrever na norma que quiser porque todas seriam oficiais (AGAL, ALIG, AO ou RAG).

 

Conhecendo Ricardo Gil

Um sítio web: http://www.pglingua.org/ e http://www.linguee.es/

Um invento: Que o galego é umha língua que nada tem a ver com o português, um invento dos grandes XD . Ora, já eu acho internet umha maré imparável e revolucionária.

Umha música: muitas…

Um livro: Papai ou mamai? Nom é pergunta a sério para mim, dependendo o tema eu podo recomendar.

Um facto histórico: Todas as guerras perdidas pelos progressistas, sobretudo na nossa naçom e no resto do estado como teria mudado ou nom.

Um prato na mesa: Arriscando-me a parecer um chauvinista “lacom com grelos”, mas qualquer cousa partilhada com gente a que amas, isso é o que dá sentido.

Um desporto: A nataçom.

Um filme: Impossível apenas um.

Umha maravilha: As crianças, a vontade de aprender, o respeito, a liberdade, a diversidade, a auto-realizaçom, o que nos faz verdadeiramente Humano.

Além de galego/a: agálico-doido.

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