Hélio Marcial Miramontes é viguês e instala-se em galego ajudado por perder o medo de ser um unicórnio galego-falante. Concorda com Samantha Hudson em que “Abans que maricó, sóc pobre”. Ativista em questões de diversidade sexo-afetiva, gosta do momento doce que estão a viver e que está para ficar. Julga que o reintegracionismo está a chegar às pessoas novas e imagina um 2050 com um ensino público laico, feminista e em galego.
Hélio faz parte da coorte viguesa da Agal. Na tua infância quais eram as línguas que faziam parte do teu quotidiano e das tuas amizades?
Na família ganhava o castelhano, ainda que havia galegofalantes e também um avô que nos falava em catalão às vezes. As amizades falavam todas castelhano, ou o típico castrapo viguês que falava eu também.
Felizmente, por volta dos vinte anos, decides instalar-te no galego. Como foi esse processo, que dificuldades tiveste de enfrentar? Que retorno nutritivo te forneceu?
O interesse começou na adolescência, meu padrasto animou-me a ler mais literatura em galego, participar em certames literários… Via o galego como língua literária, levou-me tempo usá-la na vida diária, especialmente porque nessa idade não queres ser o becho raro (e eu já era). O que mais me ajudou foi perder o medo de ser o unicórnio galegofalante nos espaços castelhano-falantes e também buscar amizades galegofalantes.
Sempre tiveste relação com Portugal, algo relativamente frequente sendo de Vigo, mas lembras quando começas a ver, e a vivenciar, a língua de Portugal como sendo também a tua?
Isto também o devo a meu padrasto, que tinha muito livro e muita revista em português, e claro, eu podia ler essas revistas quase sem esforço. A fala pode ser mais difícil, mas na escrita a intercompreensão é inegável. Com ele também entrou muita bossa nova na casa, que soava mais “de aqui” que a música do rádio.
Hélio estuda Filologia Portuguesa e Linguística na USC e a sua intenção é abordar depois os estudos de Românicas. Que te motivou a encetar esta formação? Como te visualizas profissionalmente?
Gosto muito de falar e poderia ver-me fazendo divulgação nas redes, em centros sociais ou na universidade. Também gostaria de continuar na academia e fazer um doutoramento, mas para isso há que ter quartos e eu, como diz a Samantha Hudson, “abans que maricó, sóc pobre”.
Gosto muito de falar e poderia ver-me fazendo divulgação nas redes, em centros sociais ou na universidade. Também gostaria de continuar na academia e fazer um doutoramento, mas para isso há que ter quartos e eu, como diz a Samantha Hudson, “abans que maricó, sóc pobre”.
Hélio, pessoa transgénero, é ativista em questões de diversidade sexo-afetiva na entidade Avante LGBT+. Fala-nos deste ativismo e dos desafios que apresenta.
O ativismo trans está num momento único, fala-se de nós em toda a parte, há um interesse real por conhecer a nossa situação e por melhorá-la, ainda que também há gente cis a tentar tirar uns quartinhos do assunto e muita outra gente que quer que voltemos a agochar-nos no faiado, cousa que não vai passar. As pessoas trans, e as pessoas queer no geral, somos mais visíveis do que nunca, às vezes isso supõe receber mais violência, mas também nos ajuda a organizar-nos e lutar como coletivo.
Que áreas deveria aprofundar o reintegracionismo para avançar socialmente? Julgas que houvo avanços nos últimos anos?
Eu tenho a atenção posta na linguagem não binária, que está a chegar a espaços quase sagrados como a universidade, a imprensa… Há quem pede que as academias aprovem uma ou outra proposta, eu tenho claro que a linguagem não binária temo-la que pautar quem a usamos cada dia.
Penso que o reintegracionismo está a chegar a muitíssima gente graças às redes, especialmente à gente jovem que sai do ensino secundário sem muita ideia de sociolinguística ou de porque o galego que aprenderam é como é, e esse achegamento é necessário para ver o galego como uma língua viva que anda com os tempos.
Penso que o reintegracionismo está a chegar a muitíssima gente graças às redes, especialmente à gente jovem que sai do ensino secundário sem muita ideia de sociolinguística ou de porque o galego que aprenderam é como é, e esse achegamento é necessário para ver o galego como uma língua viva que anda com os tempos.
Porque te associaste e que esperas do trabalho da associação?
Sempre me deu para trás que na Agal houvesse tantos senhoraços e tanta gente assentada na academia, até que entendi que se não entramos nestes espaços as pessoas queer, as precárias e as punkis, a cousa não vai mudar nunca. Espero participar da normalização da língua e a imposição do binormativismo além da USC.
Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
O melhor para mim foram o Xabarín e Pratos Combinados, o papel normalizador da TVG nessa época foi vital. Agora se vires o telejornal e meteres um grolo de licor com cada castelhanismo, acabas no hospital. O pior, Feijoó e família. Não entendo como se pode chegar a presidente da Xunta sem saber falar galego.
Estamos em 2050. Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza nessa altura?
O futuro ideal que imagino é uma Galiza em que ninguém tem que pagar para as suas crianças aprenderem em galego porque temos um ensino público laico, feminista e em galego, na rádio galega passam música galega (e angolana, e brasileira…) e no Luar ninguém fai humor disfarçado de “senhora da aldeia”.
Conhecendo Hélio Marcial Miramontes
Um sítio web: O Galituiter
Um invento: Os antidepressivos
Uma música: Como Son Goku, dos Verto
Um livro: Retrospectio 2000-1887, de Edward Bellamy
Um facto histórico: Quando Abel Caballero perda a Presidência da Câmara Municipal de Vigo
Um prato na mesa: Croquetes
Um desporto: Bailar nas foliadas
Um filme: The Rocky Horror Picture Show
Uma maravilha: As ilhas Cies sem gente
Além de galego/a: Antifascista