Javier Maria López : “Com o galego não temos só uma parte de uma numerosa população que partilha idioma, mas uma expressão particular e cultural desse sentir comum”

20150103_134023Javier Maria López cresceu observando a estranha língua de seu avô; é professor de música no ensino secundário, não gosta de usar a palavra útil quando se fala de línguas, sempre sentiu respeito polo reintegracionismo ainda que no ambiente galeguista onde se movia o sentir fosse menos simpático e gostaria que a consideração social do galego fosse bem diferente em 2030.

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Quando criança, Javier Maria, o galego aparecia de uma forma residual. Como foi essa experiência?

Certamente. Tratava-se seguramente de uma questão de focagem. É possível que daquela o galego fosse mais falado que hoje em termos quantitativos, mas no meu ambiente o veículo de transmissão via familiar ou educacional fazia-se em castelhano e isso determina muito a perceção linguística de uma criança. Com o tempo cheguei a perguntar-me que era essa língua que falava o meu avô com os seus amigos, ou meu pai com o seu irmão, e que jamais empregavam comigo.

Como foi o processo de passar a falar uma língua que não te fora transmitida familiarmente?

Foi primeiramente com um professor de galego que tive na EXB, já que no meu centro tivem a sorte de ter esta matéria antes de se estabelecer a norma linguística agora vigente. Mas penso que foi na mocidade, já estudando bacharelato quando comecei a tomar consciência e decidir-me a empregar quotidianamente a nossa língua que, paradoxalmente, não fora a minha.

As crianças galegas são educadas na ideia de que o castelhano é internacional mas não assim o galego. Quando começaste a quebrar este esquema?

Percebo que foi pouco a pouco e por diferentes situações. Lembro especialmente como uns amigos comentavam a sua experiência de como o galego era uma língua sentida muito de seu em sítios da lusofonia, como Moçambique ou lugares do Brasil. Assiná-lo isto porque se tratava de pessoas sem relação direta com temas da língua.

Javier Maria é professor. Qual a presença das variedades internacionais do galego no currículo? Que opinas ao respeito?

Sou professor de música no ensino secundário. Ainda que a minha disciplina não esteja relacionada com o ensino de línguas diretamente, na minha experiência pessoal considero que é praticamente nula. Mais que ter uma opinião, cuido que é uma constatação de um facto social e histórico perfeitamente conhecido e estudado. Uma lástima.

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Que implicaria que um aluno, uma aluna galega que sai do ensino obrigatório soubesse, e integrasse, que o galego é uma língua compartilhada com vários estados de quatro continentes?

Evidentemente, e sem renunciar aos factos linguísticos mais achegados ao estudantado galego, seria algo muito interessante e positivo. Descarto intencionalmente a palavra útil. Costuma aparecer quando a focagem de uma expressão linguística toma como único referente o seu valor quanto ao número de falantes. A língua, sem duvidar de que se trata de uma ferramenta de comunicação, é algo que vai para além, e nesse senso deve valorizar-se o galego. Com ele não temos só uma parte de uma numerosa população que partilha idioma, mas uma expressão particular e cultural desse sentir comum.

Que passos pensas que se deveriam dar para a estratégia reintegracionista avançar socialmente e fazer parte do “sentido comum”?

Difícil questão. Se tivesse a resposta definitiva com certeza que a daria. Suponho que uma chave passaria porque a focagem cultural com que se dotam as aulas em galego incidisse precisamente neste aspeto do que estamos a falar, é dizer, de que a língua da Galiza é uma língua falada por milhões de pessoas. Aquilo de que galego e português são variantes do mesmo idioma. Outra estratégia poderia passar, neste mundo intercomunicado telematicamente, por centrar-se em aspetos culturais das diferentes áreas da lusofonia. Depois temos a bandeira mais digamos “crematística” que alterou de um modo estranho a visão de muitos políticos: refiro-me ao ponto no qual o Brasil se transformou num território de negócio. O dinheiro manda, como sempre, ainda que, com a perspetiva que dão os anos, se incidisse mais no ensino do português como língua estrangeira que como parte da nossa raiz. Não obstante, o maior problema é a sua integração no imaginário social da Galiza. Há muitos lugares comuns e preconceitos sobre este tema, julgo.

Que visão tinhas da AGAL e porque te enrolaste neste navio?

Não tinha nenhuma visão pré-formada, ainda que hei de confessar que muito do meu ambiente, de inclinação galeguista inclusive, alimentava uma focagem bastante negativa do chamado reintegracionismo. Eu sempre fui bastante assético e atrevo-me dizer que respeitoso, posto que para mim sempre foi um primeiro objetivo a conservação do idioma de um modo vivo e em todos os âmbitos possíveis. Na medida na que tomei consciência da necessidade de convergência, penso que AGAL é uma ferramenta útil pola sua atividade e polo ímpeto que tem demonstrado largamente. Também não devo descartar que a relação pessoal com membros da associação também me animou a me enrolar.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2030?
Começarei pelo tópico usual: que o idioma estivesse vivo em todos os planos que se podam considerar como tais. Não só estou a falar do número de falantes que o conhecem e são quem de expressar-se, senão que o seu uso seja o habitual. Também evidentemente que estivesse assumida a nossa prática de pertença a lusofonia ou galeguia se o virmos numa perspetiva da origem do idioma. E por último gostaria também que desaparecessem as leias ao redor das questões linguísticas, e que a consideração social (acho que isto é bastante chave) fosse diferente. Contínuo a ver as vezes indiferença, noutras diretamente a diglossia em gente ainda mais nova que eu.

Conhecendo Javier María Lópezimg-20161106-wa0066

Um sítio web: asociaciongalegadecompositores

Um invento: A possibilidade de trazer água corrente aos domicílios abrindo a bilha.

Uma música: “Le tombeau de Couperin” de Maurice Ravel.
Um livro: “A outra volta de parafuso” de Henry James.

Um facto histórico: A Restauração (explica em parte todo o que é o nosso país).

Um prato na mesa: Bacalhau em todas as suas variedades conhecidas e ainda por conhecer.

Um desporto: Muito clássico: futebol (ainda que detesto todo o arcabouço socioeconómico que falseia a sua parte épica)

Um filme: “Vertigo” de Alfred Hitchcock.

Uma maravilha: Acordar todos os dias e continuar a sentir. A vida é unha milagre.

Além de galego/a: A ecologia linguística.

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