Jorge Costas: “Só quando tornei a cultivar a terra, pude conectar de novo com as minhas raízes familiares, culturais e linguísticas”

Jorge Costas Solha nasceu numa aldeia do concelho de Nigrám, e nasceu galego-falante mas, com 12 anos, esse legado ficou atrás sendo recuperado recentemente, ligado ao seu trabalho de agricultor. Estudou Sistemas de Telecomunicações e Informática mas não gostou do trabalho ligado a essa formação. A descoberta da estratégia reintegracionista foi integrada com celeridade, de uma forma vulcânica. Da Agal tinha um preconceito mas…

Nasceste em Chandebrito, concelho de Nigrám. Como era a fotografia linguística da tua infância, a tua própria e a da tua aldeia?
Sinto-me muito agradecido pela possibilidade de nascer nesta aldeia, que me permitiu crescer num ambiente linguístico galego e rural. Até os 12 anos o mundo do meu arredor estava fundamentado na língua e cultura da Galiza rural, os meus vizinhos, os companheiros da escola e a minha família, todos eles ofereciam-me uma língua e uma cultura de que hoje em dia me sinto infinitamente agradecido. Foram as sementes que hoje em dia começam a abrolhar.

Nesta aldeia onde moras atualmente, e a pouca distância de Vigo, conserva-se uma riqueza de sotaques que o vinculam com a sonoridade portuguesa do norte do país. Reparaste sempre nesse facto?
Nunca me dera de conta até que me acerquei ao galego internacional. Suponho que era algo normal para mim ao estar imerso nesse sotaque. De facto, quando na escola secundária comecei a estudar o galego normativo via erros nas palavras que usavam os meus pais ou os meus vizinhos. Hoje em dia é quando me dou conta que eles empregavam palavras do galego-português. Também aprecio muito mais o sotaque que têm as pessoas idosas da minha família e aldeia, sonoridade que fui perdendo com o passar dos anos e que agora tento recuperar.

Quando na escola secundária comecei a estudar o galego normativo via erros nas palavras que usavam os meus pais ou os meus vizinhos. Hoje em dia é quando me dou conta que eles empregavam palavras do galego-português. Também aprecio muito mais o sotaque que têm as pessoas idosas da minha família e aldeia, sonoridade que fui perdendo com o passar dos anos e que agora tento recuperar.

Estudaste Sistemas de Telecomunicações e Informática e trabalhaste nessa área, mas… não gostavas. Desde há uns tempos és agricultor num tempo onde o setor primário é marcadamente periférico nas sociedades ocidentais. O que te oferece essa vivência?
Gosto muito de ter-me decidido voltar à terra. No seu momento, sem saber que fazer com a minha vida, decidi estudar algo relacionado com as tecnologias porque todo o mundo dizia ser o futuro. Comecei a trabalhar numa loja de informática e descobri que isso não me fazia feliz, anelava a liberdade e o contacto com a terra de quando era uma criança. Assim que decidi-me a cultivar a terra de jeito biológico e agora vejo que isso me oferece felicidade cada dia. Poder tocar a terra, sentir o sol e o ar, escutar os pássaros, num ambiente maravilhoso. Trabalhar com diligência, más com liberdade. Oferecer alimentos saudáveis à minha família e às famílias que levam as caixas de verduras. Cuidar da terra e da cultura rural que me legaram os meus ancestrais. Poder desfrutar duma vida pausada e contemplativa. Tudo isso e mais é o que me oferece esta vida de camponês.

O processo da descoberta de uma língua comum pode ter uma duração muito variável. No teu caso foi rápido como um furacão. Fala-nos desse processo.
A partir dos 12 anos, durante a época da escola secundaria, perdi quase todo o contacto com a língua e a cultura galega. Passei a falar em castelhano, ao interagir com gente desse âmbito linguístico e comecei a sentir vergonha da minha família, da minha aldeia, da minha língua…

Só quando tornei a cultivar a terra, pude conectar de novo com as minhas raízes familiares, culturais e linguísticas. Foi um processo de namoramento lento mais estável. Até que um dia chegou a minha vida o Manoel, um rapaz que falava um galego que me enchia o coração e que me abria a mente a um mundo que era tão desconhecido, como conhecido. Profundamente comecei a sentir que esse era o galego das minhas raízes, da minha cultura, senti que era a minha língua que um dia fui perdendo e que agora voltava a encontrar.

Como está a ser vivido e experiência de redescobrir um galego com projeção internacional, mas que paradoxalmente, ou não, devolve a nossa fala com força as suas raízes e riqueza
Esta-se-me abrindo um novo mundo, que não tinha explorado. Começo a ter muita mais relação com as pessoas de língua lusófona e a consumir cultura destes países. Esta a ser muito grato. Também faço parte duma Sangha de meditação budista e os laços de união que só eram com as Sanghas de fala castelhana começam a mudar também com as Sanghas de fala portuguesa.

Começo a ter muita mais relação com as pessoas de língua lusófona e a consumir cultura destes países. Esta a ser muito grato.

De forma a avançar socialmente, por onde julgas que deveria transitar o reintegracionismo? Que áreas deveriam ser as principais?
Sinto que deveria transitar por caminhos amplos. Quanto mais amplas sejam as áreas onde se fala e vive o galego reintegrado, mais sementes há de espalhar. Pessoalmente gostaria que o reintegrado voltasse a ser a língua do mundo rural e camponês.

Porque te tornaste sócio da Agal? O que esperas do trabalho da associação?
Porque me surpreendeu. Esperava uma associação política e fechada, más descobri uma turma de pessoas que amam a sua língua e a sua cultura e que têm uma mente aberta e livre de confrontação, que realmente buscam integrar.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
O único que posso olhar é a perda de falantes no meu contorno. Acho que, antes da oficialidade, aqui onde vivo todos falavam galego de melhor ou pior forma, mas hoje em dia cada vez há menos gente com quem falar em galego.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?
Em palavras de Castelao “Quando transpõe a fronteira portuguesa, sente-se na própria Terra… Para nós a pátria é um sentimento natural, inspirado em realidades sensíveis aos cinco sentidos. A pátria é a Terra. A Terra que nos deu o ser e que nos recolherá na morte como semente de novas criaturas… Certo que a Terra que amamos tanto, ainda é um vale de lágrimas: mas nós, os Galegos, superararemos a predição religiosa e trocá-la-emos em Paraíso”

Conhecendo Jorge Costas Solha

Um sítio web: https://terradepresencia.org/

Um invento: Cozinha a lenha

Uma música: A música tradicional

Um livro: A revolução de uma palha, de Masanobu Fukuoka

Um facto histórico: O começo da agricultura.

Um prato na mesa: Pão

Um desporto: Caminhar

Um filme: Humano. Uma viagem pela vida

Uma maravilha: A vida

Além de galego/a: Camponês

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