PGL- Marcos Vence é professor de uma secção bilingue em português, perito em eTwinning, cresceu no Ensanche compostelano e começou a falar em galego aos 26 anos. Autodidata no português, tem muita fé na ILP Valentín Paz-Andrade e aposta na qualidade dos produtos para vencer quaisquer reticências linguísticas.
Marcos é professor de umas das poucas secções bilingues em português no sistema educativo. Como é o processo para a conseguir? Por que escolheste português?
Não é um processo complicado: há que solicitá-la em maio, junto com um pequeno projeto que explique como se vai implementar.
Nos centros de primário e secundário só podem solicitar uma secção bilingue num idioma que lecionem como língua estrangeira. Porém, nos centros de FP em que não temos a cadeira de língua estrangeira podemos escolher qualquer língua para as secções bilingues.
O IES San Clemente já tinha secções bilingues em inglês, para ciclos superiores, e a equipa diretiva e eu escolhemos português para o ciclo médio. Pensamos que era bom ter variedade e poder alargar os estágios no estrangeiro a Portugal.
Como está a ser a tua experiência docente com a secção bilingue? Como é a interação com os alunos e alunas?
Já levamos dois anos e estamos a ver que os resultados são muito melhores segundo avança o tempo, graças a vários fatores: o trabalho em equipa (junto com Dolores Díaz Rifón, coordenadora da secção e Helena Queirós, auxiliar de conversa), a confiança em mim próprio e a implicação do estudantado.
A cadeira chama-se Sistemas Operativos em Rede. Tem nove aulas semanais durante os dois primeiros períodos escolares que são lecionadas em português. Também configuramos a língua das interfaces das aplicações e criamos dois projetos onde o estudantado instala a rede (domínio, serviços, etc.) duma empresa lusófona virtual.
O papel da auxiliar de conversa é fundamental. De mim aprendem, além de informática, que há que falar sem complexos. Dela aprendem a correção da língua, como se pronunciam as letras, as palavras, muito léxico, ouvem uma boa fonética, interagem noutro nível.
O estudantado percebe rapidamente os textos escritos em português. É claro que o esforço que têm que fazer é menor que se fosse em inglês e em geral percebem muito melhor os conteúdos da cadeira.
A implicação de cada elemento é diferente, como em qualquer outra cadeira, mas é muito alta quando a pessoa tem a expectativa de fazer o estágio em Lisboa, através do projeto Leonardo da Vinci.
Agora falta rompermos o preconceito de que não há oportunidades de trabalho em Portugal por causa da crise. Nem isso é certo, nem Portugal é o único pais lusófono com oportunidades de emprego.
Para além da secção bilingue, Marcos Vence é um dos pioneiro na Galiza no programa eTwinning em Formação Profissional. Em que consiste? Qual é o processo e como é o resultado?
eTwinning é uma rede de docentes de países europeus que proporciona ferramentas para desenvolver projetos educativos, sem burocracia nem orçamento. Chega ter uma ideia adaptável ao currículo, procurar um/a parceiro/a doutro país e inscrever o projeto por meio dum formulário simples. Depois a equipa docente cria as atividades e tarefas que se vão desenvolver junto com o estudantado, geralmente utilizando o computador e a Internet.
Está focado na Aprendizagem Baseada em Projetos, mas junto com o professorado e estudantado doutras escolas. Eu tornei-me em professor de um cento de alunos da França, Itália, República Checa, Portugal, Espanha, Bulgária e a Turquia. Foi emocionante ver muitos deles na Croácia, por ganharmos o prémio europeu eTwinning, pelo projeto “Pek, a pulga viajante 3”.
A visão que se tem duma língua depende das suas possibilidades de utilização. Eu mudei de atitude face ao inglês graças a eTwinning, pois permitiu-me trabalhar, explicar os passos e organizar as tarefas do estudantado, para criar três livros de banda desenhada. É importante utilizar a língua estrangeira num contexto real e para isso eTwinning é mesmo bom.
E respeito da língua própria, o galego, também. As histórias de BD foram traduzidas aos idiomas das escolas participantes, entre elas o galego. As colegas europeias não faziam distinções: o galego estava à altura das outras línguas e presente em todas as atividades complementares.
Demos um passo adiante falando do “galego internacional” em relação à ortografia, mas também temos que ser conscientes de que o galego falado também é internacional. Quando vieram gravar um vídeo de apresentação do projeto, eu falei em galego. Esse vídeo foi visto na entrega de prémios por 500 docentes de toda Europa. Foi emocionante sentir o galego no salão de atos, mas foi muito mais quando se achegavam professoras de Áustria, Itália, etc. ao stand para dizer-me em inglês ou espanhol: “Eras ti o que falava galego no vídeo? Que bonito!”. Perdi todos os complexos de vez!
Atualmente estou a trabalhar com um projeto relacionado com a língua portuguesa e a informática, com o estudantado da secção bilingue: ZonaVET 0+1.
Colegas do projeto eTwinning Pek, a Pulga Viajante #3
Marcos tem dous filhos. Como focas a tarefa de manutenção da línguas numa vila como Vila Garcia? Que recursos usas?
Os meninhos falam galego em casa e fora espanhol. Ainda que sabem que podem utilizar o galego em qualquer âmbito, adaptam-se automaticamente à língua de quem lhes fala. Ultimamente estão falando mais galego na rua, deixando o espanhol para a escola.
Como foi a tua relação com a língua na tua biografia?
Eu sou compostelano, do Ensanche, espanhol falante desde o berço. Desde que aprendi o galego na escola, adorei. Gostava de escrever em galego mas não o falei até os 26 anos, quando comecei a trabalhar.
Tive uma etapa na que escrevi na norma AGAL, mesmo nas escolas onde trabalhava, mas deixei porque vi que estava a complicar-me a vida. Assumi que a norma oficial era a minha ferramenta de trabalho.
Ademais, naquela altura a gente não relacionava o reintegracionismo com a cultura, era conhecido por coisas más, por exemplo vandalismo e pintadas nas casas. Essa é uma imagem que faz muito dano.
Agora, graças à secção bilingue, posso lecionar de forma oficial em português, com a ajuda da Administração para quem trabalho, e sem nenhum tipo de medo.
Quando descobriste que o galego era mais do que te ensinavam na escola, que era uma língua mundial?
Foi muito devagar. Quando meninho viajávamos a Valença, quando crescido chegámos até Sagres. A língua para interagir com as pessoas era sempre o galego misturado com o pouco português que sabíamos.
O meu irmão foi quem me ensinou a norma AGAL e de ai ao português só há um passinho. Fui autodidata até estudar na EOI de Vila Garcia… e continuo a ser.
Gosto muito de ver filmes de animação, livros, música, trabalhar em projetos educativos (eTwinning e Leonardo da Vinci) em português e quanto mais aprendo mais concordo com a visão de que é o galego internacional.
Em tua opinião, por onde deve transitar a estratégia luso-brasileira para ser hegemónica socialmente?
Temos que aproveitar as oportunidades que dá a Conselharia de Educação para fazer todo o possível desde dentro: secções bilingues e projetos europeus.
Se tudo correr bem com a ILP Valentim Paz-Andrade, todos e todas devemos juntar esforços, encanto e criatividade para levar o português às escolas.
Também proponho trabalhar com as crianças desde já com atividades extra-curriculares.
Fora do ensino, penso que devemos criar produtos galegos de qualidade utilizando o padrão PT. Quando um produto é bom, a gente perde os preconceitos. Ainda lembro uns bons apontamentos em “portugués o algo así” muito bem valorados pelo estudantado espanhol falante da Faculdade de Informática.
Que visão tinhas da AGAL, por que te tornaste sócio e que esperas da associação?
Talvez estou errado, mas a lembrança que tenho do reintegracionismo de há quinze anos é que estava focado no passado, no que deveria ser e não foi, no conflito com o espanhol.
Agora olha-se para o futuro, fala-se de oportunidades, do galego internacional, de somar esforços, é uma atitude em positivo e construtiva. As últimas publicações, como “O galego é uma oportunidade/El gallego es una oportunidad”, ajudaram-me na minha decisão de tornar-me sócio.
Gostava de participar num projeto que leve o português às crianças, por meio do ensino e de livros infantis, que penso que encaixa na filosofia da AGAL.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?
Um lugar onde se possa utilizar o galego sem complexos e aprender o português sem preconceitos, ao mesmo nível que outras línguas estrangeiras, para alargar as oportunidades profissionais da mocidade.
Tenho esperança na ILP Valentim Paz Andrade.
Conhecendo Marcos
- Um sítio web: Gmail.
- Um invento: Os dicionários e corretores integrados.
- Uma música: Continuo fiel a Pedro Abrunhosa. Vou dizer “Como uma ilha”.
- Um livro: Básico para as crianças: As aventuras do Super Bebê Fraldinha.
- Um facto histórico: Os mais importantes, ainda não chegaram. Por exemplo, um remédio para o cancro.
- Um prato na mesa:Já dei o passo da carne à verdura.
- Um desporto: Gosto de nadar em água quente e de andar de bicicleta longe dos carros, desportos quase impossíveis.
- Um filme: Como o meu universo atual são os meninhos, os únicos filmes que vemos são de animação. O primeiro na minha idade adulta foi Procurando Nemo (BR) e o mais recente, Turbo (PT).
- Umha maravilha:A Ria de Arouça
- Além de galego/a: Europeu