Maria Outeiro Abalo nasceu em Rianjo. A mudança de língua ocorreu na adolescência. A passagem para o lado escuro da norma foi recente. Trabalha numa loja de artesanato em Compostela onde a língua e a identidade faz parte de muitas interações. Gosta de explicar aos clientes portugueses e brasileiros o que não sabem. Quer o nosso idiomas livre em vivo em 2040.
Maria Abalo nasceu em Compostela na década de 70. Os pais eram galego-falantes e, como a maioria de contextos desta natureza, foi educada em castelhano. Que espaço tinha o galego na tua infância?
Era o idioma dos avós, dos bisavós, da família da aldeia e de Rianjo e, o idioma das crianças destes lugares; o idioma das cantigas e de algum livro.
A adolescência pode ser, neste caso felizmente o foi, um motor de mudanças. Lembras como foi o processo? Que reações provocou nas tuas redes familiares, amicais e sociais?
Aprendi a história do meu país. Senti a necessidade de falar o meu idioma. Era o que queria fazer e o que senti. O processo foi curto no tempo. Aconteceu numa semana. Depois de conversar deste tema com a minha amiga Anuska, tomei a decisão. Comecei pelas redes mais externas (conhecidos, ir fazer a compra, etc) Segundo transcorriam os dias superava os níveis de achegamento às pessoas mais próximas (primas e primos, irmãs, pais, avós). Uma semana. Houve muitas reações. Ouvi muitas coisas!!! mas não me importava… Posso ser terrivelmente teimosa…
Maria viveu uma segunda revolução pessoal quando começou a viver o galego como sendo uma língua internacional quebrando o relato que lhe tinham incutido ao respeito. Que provocou essa mudança de perspetiva?
Sempre soube que o galego português era o mesmo idioma, foi das coisas que aprendi aos catorze anos, mas por distintas razões esta mudança de perspetiva nunca foi tão clara, tão real desde há quatro anos até a atualidade: por motivos de trabalho e de vida, viajo muito a Portugal e todos os dias escuto música em português, fado, bossa nova, mornas…
Não há mais que ouvir e querer ouvir, é evidente que é o mesmo idioma, evidente! Pura lógica.
Trabalhas em Espadela, uma loja de artesanato da rua do Vilar em Compostela. Quantas histórias relevantes têm passado diante dos teus olhos relativamente à nossa língua?
Muitas… Constantemente… É incrível observar como países com o mesmo idioma não conhecem a sua realidade. Muitas portuguesas, portugueses, brasileiras e brasileiros que visitam Espadela, assombram-se que tenhamos cartazes em português… Muitas Galegas e galegos pensam que somos portugueses pola escrita que aparecem nos cartazes; espanhóis chateados por não ter o espanhol como primeira língua na ordem das escritas…
Demasiadas histórias de portugueses falantes que querem falar noutros idiomas connosco (espanhol e até inglês).
Não percebo bem porquê é complexo de perceber.
Muitas vezes ponho o exemplo da diferença que há no espanhol de Madrid a respeito do espanhol que falam na Andaluzia ou no México. É então que percebem que é o mesmo idioma com distinto sotaque, mas explico o mesmo com o português e…ficam surpreendidos.
O teu contacto com Portugal é grande por causa do teu trabalho. Que te provoca e de que te fornece esse contacto intenso com a sociedade portuguesa?
A língua, os alicerces, a catarse de ouvir palavras que ao morrerem os avós e bisavós já agora custa ouvir, as expressões, as construções… uma catarse linguística. Ouvir na voz das crianças o nosso idioma com um fluir natural. O otimismo de que o galego nunca vai morrer, como bem dizia Castelao “o galego floresce em Portugal”
Porque te tornaste sócia da Agal? Que esperas da tua associação?
Polo sentir. É o lógico, o natural. Da associação aguardo aprender.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2040?
Livre e viva para o nosso idioma.
Conhecendo Maria Outeiro Abalo
Um invento: Internet. É ter aceso a uma enciclopédia gigante.
Uma música: Fado e jazz.
Um livro: Sempre em Galiza.
Um facto histórico: Qualquer que implique a liberdade e a autodeterminação dos povos.
Um prato na mesa: Marisco e peixe das rias galegas.
Um desporto: Ioga.
Um filme: Novecento (Bernardo Bertolucci)
Uma maravilha: Lisboa