PGL- Martin Mendes Passarim, natural de Návia de Suarna, é reintegracionista desde há relativamente pouco tempo, há uns 3-4 meses, é tivo que ver em parte o facto de viver em Dublim, onde há muito brasileiro. Atualmente está a trabalhar de engenheiro nesta cidade, mas também morou mais de umha década na Catalunha.
Estás a morar em Dublim. É comum o caso de galegas e galegos que, no exterior, reparam mais na sua identidade. É o teu também?
Com certeza. Desde que estou a morar na Irlanda reparo muito mais no que ser galego significa e no valor que tem a nossa língua. O facto de estar em contacto com diversas culturas também me permitiu ao mesmo tempo desenvolver umha mente mais aberta e internacional, e isso foi muito importante para descobrir movimentos como o reintegracionismo.
Pessoalmente, acho que ao ficar longe do teu país normalmente tens umha tendência natural a remarcar a tua identidade, e diria que isto é umha cousa que se nota em especial no caso dos galegos e galegas.
Já estiveste mais duma década a morar na Catalunha. É uma boa escola com respeito a questões lingüísticas?
A Catalunha é umha escola excelente quanto à língua, porque ali o catalám é um autêntico elemento de coesom social. O seu sistema de imersom lingüística garante que os alunos que nom têm o catalám como primeira língua a aprendam com o mesmo nível de domínio e perfeiçom que aqueles que sim que a têm. Mas, ao mesmo tempo, o estudantado catalano-falante do berço será com certeza bilíngüe ao acabar o ensino obrigatório porque o contexto social da Catalunha (televisom, rádio, imprensa, cinema…), da mesma forma que acontece na Galiza, é absolutamente favorável ao castelhano.
No meu caso particular, a minha experiência com a língua catalá foi muito positiva. Quando cheguei à Catalunha nom falava nem umha palavra de catalám, mas em apenas um mês de aprendizagem já tinha fluência suficiente como para manter umha conversa coloquial. E num par de meses mais já era totalmente fluído. O que quero dizer com isto é que a língua catalá é fácil de aprender nas escolas catalás porque funciona em todos os casos como língua veicular. Isto dá-lhe umha categoria no ensino que, por desgraça, nom tem atualmente a nossa língua na Galiza.
Como te foste aproximando do português? Como foi construída a ligaçom entre a língua dos galegos e a língua do resto da Lusofonia?
Bom, a verdade é que eu sempre considerei a língua falada na Galiza, em Portugal, no Brasil e nos restantes países da Lusofonia como umha língua comum. Agora, quando comecei a aprender galego na escola era consciente de que havia um fator que nos afastava do resto de países lusófonos: a grafia. Inicialmente aceitei esse fator com umha certa resignaçom, suponho que como muitas outras pessoas, por aquilo de ser o “galego normativo”, sobre o qual há umha tendência, ao meu modo de ver, de considerá-lo como o “galego oficial e intocável”, só por ser o que utilizam os organismos oficiais.
No entanto, a minha opiniom foi mudando a medida que aprendia a normativa catalá. Trata-se dum idioma que, polo menos na escrita, tem muito mais em comum co galego-português do que a priori poderíamos pensar. Penso que isto também tem que ver com o que dizia na pergunta anterior. Cousas como a maneira de representar as vogais abertas e fechadas, recursos como o traço entre verbo e pronome, e em geral, a absoluta soberania do castelhano que apresenta a ortografia catalá fijo-me reflexionar num primeiro momento sobre o ridiculamente simplificada que está a escrita do galego RAG-ILG, além de ter umha ortografia totalmente subordinada ao castelhano. Um dos meus melhores amigos de Barcelona tem umha namorada brasileira, e recordo que falando com ela sobre o galego, umha vez me dixo que quando estivera na Galiza entendia todo o que lhe falavam, mas nom compreendia “por que põem tantos xis”. Som detalhes que te fazem desenvolver um espírito mais crítico com a língua.
Posteriormente, indagando sobre o reintegracionismo, topei-me um dia com grupos como a AGAL, o Movimento de Defesa da Língua, a Academia Galega da Língua Portuguesa, o e-Estraviz, etc. Também fiquei gratamente surpreendido com o descobrimento da presença da Galiza no Acordo Orográfico, ou a recente inclusom do léxico galego na última ediçom do dicionário Priberam. Isso fijo-me crer que as cousas podem mudar, que há um grupo de gente a trabalhar com vontade e ilusom para demonstrar aos galegos e galegas que temos umha língua extensa e útil.
O outro fator chave foi o fato de viver em Dublin, onde está a morar um grande número de brasileiros e brasileiras. O meu contato com esta comunidade fijo-me reparar ainda mais no semelhantes que som às vezes as falas da Galiza e do Brasil. É algo curioso, já que eu desconhecia que o português de muitos lugares do Brasil fora introduzido polos portugueses nortenhos (daquela também conhecidos como “galegos do sul”), mas agora compreendo perfeitamente porque entendo melhor o sotaque de alguém do Rio de Janeiro que de alguém de Lisboa.
Graças ao galego achas possível ter mais oportunidades de trabalho?
É evidente que no mundo atual, quantas mais línguas conheças, terás umha maior gama de possibilidades de trabalho. Agora mesmo estou mui feliz na Irlanda, mas som consciente que há um gigante chamado Brasil, que é a maior potência económica da América do Sul, que nom pode nem deve passar despercebido para a sociedade galega. Se a Galiza nom aproveita este fator, seria um erro histórico que ninguém com dous dedos de testa compreenderia. Nesse sentido, som de aplaudir iniciativas como a ILP Paz-Andrade, que todos esperamos que entre em funcionamento o mais rápido possível porque, embora estar dirigida sobretudo ao empresariado, estou seguro que abrirá um universo novo a muitas pessoas que ainda estám a considerar a sua língua como um fenómeno “regional”.
Atualmente estás a trabalhar como engenheiro em Dublim, até o de agora que tens aprendido na tua estadia?
Pode parecer um tópico, mas quando estás a trabalhar fora descobres cousas de ti que outras pessoas nunca terám a oportunidade de conhecer. Suponho que o principal é que som umha pessoa muito mais autónoma e madura do que era dous ou três anos atrás.
Além disto, a riqueza cultural dum país como a Irlanda é algo difícil de ignorar. Aprendim a viver a vida dumha maneira diferente, a estar mais frequentemente em contato com a música, a socializar quase sempre com umha cerveja na mao, a viajar a novos lugares, e a descobrir um país que, polo geral, está orgulhoso de si mesmo e das suas tradições.
Por onde achas que deve caminhar o reintegracionismo e o movimento normalizador?
Penso que o reintegracionismo está a seguir umha linha de crescimento notável, sobretudo entre a gente jovem, e isto tem que seguir assim com as novas gerações. Suponho que o maior desafio que tem ante si é o de eliminar tópicos sobre o movimento, porque ao meu entender isto é o que mais o separa de muitas pessoas que rejeitam o reintegracionismo, já seja por preconceitos que se baseiam em hipóteses falsas, ou simplesmente por estar mal informadas sobre o tema.
Para o futuro próximo, sem dúvida umha das maiores vantagens que tem o reintegracionismo é a aproximaçom do Brasil à sociedade galega. O Mundial de futebol, as Olimpíadas e o facto de ser umha das maiores potências económicas mundiais tem que servir para fazer ver aos galegos e galegas o que muitos dos nossos referentes culturais já nos vinhérom dizendo ao longo da história: que a nossa língua se estendeu polos cinco continentes. Igualmente, fora bom que muitos galegos se livrassem de essa imagem estereotipada que se tem de Portugal. Um país vizinho e irmao com o que compartimos muito mais do que alguns pensam. Visitar o Porto, Braga, Lisboa ou o Algarve deveria estar na agenda turística do galego médio.
Que visão tinhas da AGAL, que a motivou a se associar e que esperas da associaçom?
Reconheço que a visom que tinha da AGAL era inexistente até hai pouco. O motivo que me levou a associar-me é que considero que é umha associaçom que tenta levar o galego polo caminho que eu considero mais adequado, isto é, pola via da reintegraçom no sistema luso-brasileiro, o que internacionalmente é conhecido como português. Também os descontos para as publicações da editora Através ou a possibilidade de fazer cursos como o Escrever com NH fôrom importantes à hora de tomar essa decisom. Mas reitero que o principal é que penso que se trata dumha associaçom com ganas de fazer as cousas bem (nom há mais que olhar a enorme quantidade de recursos que ainda ficam no antigo Portal Galego da Língua), e sobretudo, com umha base de associados muito ampla e que pode ser capaz de chegar a todos os setores da sociedade.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?
Gostaria que fosse a dumha Galiza que se orgulha da sua língua, admitida por pleno direito na Comunidade de Países de Língua Portuguesa, na qual se podam ver sem problemas as televisões portuguesas, na qual se divulgue a normativa AGAL em plena igualdade com a normativa RAG tanto no ensino como desde as instituições públicas e, em definitivo, na qual o reintegracionismo deixe de sofrer o apartheid mediático ao que foi submetido desde a década de 80. A fotografia linguística da Galiza de 2020 deveria ser totalmente cristalina para qualquer lusófono, seja de Vigo, Porto, São Paulo ou Luanda.
Conhecendo Martin Mendes Passarim
- Um sítio web: Facebook
- Um invento: Internet
- Uma música: O Rock
- Um livro: Fições (Ficciones), de Jorge Luis Borges
- Um facto histórico: A revoluçom francesa
- Um prato na mesa: Polvo à feira
- Um desporto: O futebol
- Um filme: The Shawshank Redemption
- Uma maravilha: As falésias de Moher, no condado irlandês de Clare
- Além de galega: Viajante. E suponho que, polas circunstâncias, catalám e irlandês