Xiao Somoza: “O NH fijo-me melhor pessoa”

Xiao Somoza tivo carência de férias de verão durante muito tempo. Foi o único galegofalante na escola em Compostela. O reintegracionismo ajudou-o a ver, e ouvir, de outra forma a fala dos seus avós. Mora em Róis para as suas crianças não passarem na escola o que ela passou. Tem uma ideia diferente do que muitas pessoas relativamente ao que é uma aldeia viva.  Professor de música, escreve com o alunado na norma reintegracionista e, ainda, é músico, reclamando mais atenção do governo para apoiar a difusão da arte galega dentro e fora da Galiza, com especial atenção ao mundo lusófono.

Xiao está meio caminho entre Compostela e Zolhe (Gontim de Palhares). Explica-nos essa aritmética.
Suponho que é a realidade de muita gente da minha geração. Recém instalados na cidade (Compostela neste caso) mas com trabalho na casa a que pertences. A casa de Berlai, ou cas Berlai é a minha casa materna em Zolhe onde tivemos gado convivendo connosco no andar de abaixo até os meus 28 anos. Não lembro ter férias no verão, pois era um momento de muito trabalho na casa. Todas os fins de semana, pontes, Natal… estávamos em Zolhe.
Lembro começar a escola em Compostela e ser o único que falava galego com a gente da minha idade. E com a pressão social mudei para o castelhano com elxs. O galego formava parte da minha casa e com a rapaziada de Zolhe –ora, não éramos muitos-. Foi com 12 anos que com orgulho regressei para o galego com todo o mundo com a ajuda recíproca do Xabier de Salvador, companheiro da escola.
E assim, o caminho entre Compostela e Zolhe não é só literal, nem a curva de Gontim.

A tua passagem para o lado escuro (ou luminoso, depende da perspetiva) da norma decorreu no âmbito escola. Que lembras desse processo?

O lado luminoso sempre (risos). Mudei para a norma luminosa no Gelmírez I da mão de certo professorado e companheirxs geniais. E só podo dizer que o NH me fixo melhor pessoa. Escuitei à minha avó e avô de outro jeito e descobrim que muitas das palavras ou maneiras que eu estava perdendo no meu galego para o castelhano estavam vivas na boca delxs: encanto (e nom mentres), bloco (e nom bloque), gado (e nom gando ou ganado), manjadoira (e nom pesebre) e tantas outras que até descobrim em canções que cantava a Carme -minha avó-, (o meu avô era mais de contos verdes e retranqueiros). Então o processo foi bem cheio de amor.

Mudei para a norma luminosa no Gelmírez I da mão de certo professorado e companheirxs geniais. E só podo dizer que o NH me fixo melhor pessoa. Escuitei à minha avó e avô de outro jeito e descobrim que muitas das palavras ou maneiras que eu estava perdendo no meu galego para o castelhano estavam vivas na boca delxs.

Moras em Rois, qual o panorama linguística, a paisagem, na localidade onde moras?
xiao-berlaiUmha das razões de morar na aldeia (umha aldeia viva na qual contribuo para que continue assim) foi a língua. Queria que as minhas crianças não tivessem que experimentar o que me passou a mim na escola. E Róis é um lugar maravilhoso para isto. Não obstante vejo que o meu filho traz da escola muitos mais castelhanismos dos que gostaria.
Aqui 99% das pessoas falam galego entre elas, incluindo às crianças. É um luxo e, ao mesmo tempo, é umha mágoa que seja um luxo.
Por sinal, quero dizer aqui que umha aldeia viva não é aquela onde as pessoas moram como no ano 1970 –com gado nas casas, usando o sacho e a fouce todo o dia, sem necessidade de Internet ou tevê…-. Umha aldeia viva é aquela rica culturalmente, que tem crianças e futuro, que cuida do monte comunal como se fosse a sua propriedade privada, onde a maioria temos hortas e algum gado, mas também compramos na tenda… (Há pessoas para as quais se não morares igual que há 50 anos não és da aldeia)

Umha aldeia viva é aquela rica culturalmente, que tem crianças e futuro, que cuida do monte comunal como se fosse a sua propriedade privada, onde a maioria temos hortas e algum gado, mas também compramos na tenda…

Xiao é professor de música em Dodro onde trabalha a leitura em galego-português com as suas turmas. Como é a receção?
Eu escrevo com o alunado na norma reintegracionista e em geral não existe protesto, nem estranheza. Quando me perguntam só lhes digo que há quem prefere escrever o galego com umhas normas e outras com outra, mas que não deveria existir problema nengum. A cousa transcorre tranqüila.
De resto, todo o alunado do Ensino secundário (que é onde eu dou aulas de música) trabalhamos durante um tempo a leitura em galego-português –no que chamamos a hora de ler-. Lemos textos galegos ou portugueses. Ao começo mando-lhes ler com o sotaque nosso. Neste caso nom há problemas e demonstro-lhes, já em 1º da ESO, que esta poderia ser umha opçom bem válida para a nossa língua, com a vantagem de ser umha das línguas mais faladas do mundo. Depois escuitamos falar a gente do Brasil, Angola ou Portugal. E tentamos ler com o sotaque deles. O sotaque do que mais gostam é o brasileiro (ai, o futebol). Mas como dixem, a cousa transcorre natural, alegre.

A tua biografia musical é bem sonora. Fizeste e fazes parte de muitos projetos  (Fia na roca, Vai trio, …) e na atualidade tocas em Pesdelán e desenvolves o teu projeto pessoal: Berlai. É a Galiza um bom espaço para a criação e, sobretudo, a difusão de projetos musicais?
casarosalia-berlai-3A Galiza é um sítio estupendo para a criação artística. Haverá que fazer um estudo de porquê, mas temos umha quantidade de gente criadora emocionante. Penso que também no que se refere a qualidade, mas isso já não me corresponde a mim dizê-lo. Mas o problema é o que comentas ao final. A difusão. Podem-se fazer cousas bem boas, e de facto fam-se, mas não se conhecem. Nem aqui nem fora. Por exemplo, as costas que nos damos entre artistas galegxs e portuguesxs é enorme (salvando casos geniais como Narf, Uxia, Sobral…) E é para isto que se necessita orçamento público. Para difundir a cultura galega polo mundo em geral e pola comunidade lusófona em concreto.

Por que caminhos pesas que deve transitar o reintegracionismo para avançarmos socialmente, quais seriam as áreas mais importantes?
O trabalho que fai a Agal nos últimos tempos é fenomenal e deve abrir-se a todas as redes sociais com alegria, educaçom e respeito, tal como @emgalego no twitter, Galego por todo o mundo no youtube, Através como editora, anossagalaxia na web, etc… e outras atividades fora da Agal como aRitmar, olaxonmario
Bem sei que é difícil, mas estaria genial chegar também ao instagram, tik-tok, etc… Os mundos de hoje vam mais rápidos do que parece que podemos abarcar.

O trabalho que fai a Agal nos últimos tempos é fenomenal e deve abrir-se a todas as redes sociais com alegria, educaçom e respeito, tal como @emgalego no twitter, Galego por todo o mundo no youtube, Através como editora, anossagalaxia na web, etc…

Fai-se também imprescindível entrar no Ensino obrigatório (dentro da matéria de galego, de certeza) e se não, como matéria própria. E quando o consigamos deveríamos entrar também com alegria, dando um ar novo no qual o alunado poda respirar. Sem exames pretensiosos ao estilo do inglês, matemáticas, ou outras línguas. Realmente isto também tinha que ocorrer no ensino do galego. Se o professorado de galego consegue que o alunado entre na sua aula sabendo que vai desfrutar, o futuro da língua galega seria bem mais esperançado.

Se entramos no ensino sendo mais umha carga para o alunado, pouco vamos conseguir.

Teu pai foi também sócio da Agal. O que te motivou para seguires o seu percurso e que esperas do trabalho da associação?
Meu pai, que já não está, serve-me de guia de muitas atitudes na vida, e a Agal forma parte delas. Já comentei que o trabalho que fai a Agal neste último tempo é genial e sentia que não devia estar fora dele. Do mesmo jeito que não podo dar as costas ao monte que me rodeia e assim estou na diretiva da nossa Comunidade de montes para fazer do espaço onde moro um lugar melhor, gostaria de ser parte da comunidade da Agal e poder fazer força na normalização da nossa norma. Há muitos armários por queimar neste mundo e um deles é o de estar orgulhoso do reintegracionismo.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
O melhor sem dúvida foram vários dos programas da TVG, entre os que destacaria o “Xabarín Clube”. Até lhe fixem umha canção a Arale. Havia também mais programas bons para a língua: Mareas vivas, Alalá, Sitio distinto, Chambo… Sentim o orgulho de falar em galego na gente moça nos anos 90, inclusive até o 2010 (aproximadamente). É difícil imaginar nos dias de hoje conseguir algo assim. Possivelmente passe pola criaçom de séries e filmes feitos aqui e bem promovidos fora e inclusive com produções galego-portuguesas.

O melhor sem dúvida foram vários dos programas da TVG, entre os que destacaria o “Xabarín Clube”. Até lhe fixem umha canção a Arale. Havia também mais programas bons para a língua: Mareas vivas, Alalá, Sitio distinto, Chambo… Sentim o orgulho de falar em galego na gente moça nos anos 90.

Estou convencido também de que é necessário ter acesso ao nosso sotaque nas plataformas de Streaming. Certo é que temos a nossa língua com outro sotaque, mas por desgraça ou costume, a gente não consciencializada vai escolher antes o castelhano do que o português. Seguramente pola mesma razão que a maior parte da gente em Madrid prefere a VOS que ver Star Wars em Latino, p.e.

Não sei que foi o pior. Há bastante onde escolher: o decreto do plurilingüismo, o decreto da normativización do ano 82, o escasso apoio à língua por parte dos últimos governos do partido popular…

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?
Seria grandiosa umha Galiza binormativa onde o galego fosse algo natural polo que não  houvesse que luitar por manter ou recuperar, mas que figesse parte da nossa forma de ser. Ou polo menos estar transitando nesse caminho.

 

Conhecendo Xiao Somoza

Um sítio web: Todas as semanas uso várias vezes o estraviz.org

Um invento: O lume não foi mal invento, mas o que supujo a impressão na educação, como hoje a Internet.

Uma música: Caetano Veloso é sempre refúgio. O hino do antigo reino de Galiza meteu-me na música de pequeno.

Um livro: Vários também: 62 Modelo para armar, O processo. E há pouco lim A froita do coñecimento de Liv Strömquist.

Um facto histórico: O estatuto do 36, a revolução dos cravos…

Um prato na mesa: Feijão de trepar da minha horta, ou os meus tomates sós. Ou feijão de trepar com tomates.

Um desporto: o jogo da mata sem duvidar.

Um filme: Dous: Amarcord e Encallados.

Uma maravilha: A gente que me acompanha no caminho.

Além de galeg@: Do mundo, claro. Mas com este título nobiliário vou feliz.

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