Agustín Gómez é marinense embora agora resida no Ortegal. Tivo um professor dedicado que fazia que os miúdos pronunciassem a palavra gato para se rir deles. Licenciado em Engenharia Náutica na Cantábria, trabalhou desde marinheiro até capitão na pesca, comerciante e patrulheiro do Serviço de Vigilância Aduaneira. No seu labor de inspeção a galeguidade permitiu-lhe conversar com um marinheiro cabo-verdiano e um capitão ucraniano que sabia português. Para 2050 quer conversa fluídas entre galegos e portugueses.
Agustín é de Marim. Fala-nos da paisagem linguística da tua infância? Qual a língua da casa, do bairro, da família?
Quando era um cativo, em Marim falava-se muito em galego, ainda que misturado com o castelhano. Daquela tinha muito de língua dos pobres, dos parolos, em geral da gente de pouca cultura. No rural, onde nascim (Estrivela), a cousa era mais fluída, o galego estava muito mais presente. Há que pôr em valor que Marim forma parte do Morraço, da Galiza costeira, e em lugares e aldeias do arredor, as paróquias e outros concelhos tiveram muito a ver com o trabalho do mar onde se mantivo o galego, bem como nas aldeias, 100%, isto e indistinguível.
O galego sempre foi falado na minha casa, mas havia algumas particularidades. Somos 9 irmãos, o meu pai e a minha mãe sempre falavam em galego com todos nós. Ele falava espanhol mas a minha mãe não. Dos nove filhos, apenas dois de nós falávamos galego entre nós e com o nosso pai, os outros sete (os mais novos) falavam espanhol entre si e também com o nosso pai e comigo embora sempre respondêssemos em galego. Avós e avós paternos e maternos, tios… sempre falavam galego e os filhos dos tios falavam de tudo um pouco. Em todo o caso, todos aqueles que eram falantes de castelhano sabem falar galego e usam-no de vez em quando.
Se o galego tinha uma forte presença social, já não era assim na escola, pois não?
Como curiosidade, o sotaque de Marim é muito especial, como se estivéssemos cantando ou falando. Tem muitas palavras, bem típicas, os infinitivos são conjugados…., e o sesseio e a gheada é comum. Acho que hoje algo mudou, o espanhol está influenciando muito. Houvo um padre do Colégio Narciso de Marim, o irmão Ribas, que elaborou um livro em volta do nosso em galego, tipo dicionário, intitulado Frampas: contribuição ao dicionário galego.
Entrei no ensino médio com 9 anos. Naquela época, as crianças eram todas do município de Marim, mas também vinham de Bueu e Cangas do Morraço, pois ali não havia Ensino Médio. Para mim, o sotaque das crianças daqueles outros concelhos sempre me surpreendeu. Do Xeixo, paróquia de Marim a apenas 3 quilómetros de distância, em direção a Bueu, há um enorme contraste de sotaques.
Lembro-me de um dos professores que ria dos miúdos pela forma como falavam. Perguntava-lhes por exemplo como se dizia “gato”… eles diziam ghato, a questão era rir deles, isso era uma constante.
Aos 24 anos tés o teu primeiro contacto com uma perspetiva internacional da nossa língua?
Desde o início dos anos vinte, dei-me conta da importância do galego, não só como língua entre nós, uma forma de expressão, uma forma de viver, de ser…. mas também de grande ajuda comunicativa com outros milhares de pessoas. A primeira vez foi com uns cidadãos cabo-verdianos que conheci na Corunha. A comunicação foi muito agradável e surpreendente para ambos, e que eu não sabia uma palavra em português e eles não sabiam galego.
O galego livrou-me de muitos problemas no exterior, e também na Espanha conversando com pessoas de língua portuguesa na rua, resolvendo dúvidas que tinham. A história de Londres foi uma daquelas coisas que reafirma o tempo que perdemos com o galego porque não lhe foi permitido seguir o seu “caminho natural”. Estava a falar com um médico em inglês e a dada altura, ao saber a sua origem, mudar do inglês para o português sem hesitar, naturalmente, para ter uma conversa fluente com ele, foi muito enriquecedor para mim e uma grande surpresa para ele.
Ou no meu trabalho de inspeção, falando com um marinheiro cabo-verdiano e o capitão ucraniano que falava português por ter vivido 15 anos nas ilhas de Cabo Verde. Ou a história de há mais de trinta anos atrás e a forma como conheci o jornalista de Curitiba, Ulisses, com quem mantenho até hoje amizade. São coisas que aconteceram por causa da nossa fala, galego, português, galego/português ou como o queiramos chamar. Poderia contar mais situações com estas. Não tenho dúvidas de que são a mesma língua, embora seja falada com um sotaque diferente.
Ou no meu trabalho de inspeção, falando com um marinheiro cabo-verdiano e o capitão ucraniano que falava português por ter vivido 15 anos nas ilhas de Cabo Verde. Ou a história de há mais de trinta anos atrás e a forma como conheci o jornalista de Curitiba, Ulisses, com quem mantenho até hoje amizade. São coisas que aconteceram por causa da nossa fala, galego, português, galego/português ou como o queiramos chamar.
Como é a fotografia linguística do Morraço na atualidade?
É difícil para mim saber sobre a saúde do galego no Morraço neste momento. Vivo em Ortegal há anos, apesar de trabalhar na Corunha, e é verdade que vou a Marim (tenho toda a minha família lá), mas vou pouco, 2 ou 3 vezes por ano. Mas acho que o galego vai “sofrer muito” na sua continuidade tal como noutras partes da Galiza.
Fizeste estudos integrados na rama das engenharias ligadas com as profissões do mar. Em que tipo de trabalhos estiveste envolvido?
Os estudos que realizei estão integrados nos ramos técnicos da Engenharia. Figem a Licenciatura em Engenharia Náutica na Cantábria, grau académico, mais o grau profissional para governar navios foi feito na Corunha. No meu caso obtive o diploma profissional de piloto da marinha mercante. Trabalhei desde marinheiro até capitão na pesca, comerciante e patrulheiro do Serviço de Vigilância Aduaneira. Este último ano estive no Departamento de Alfândega de pesquisa de inteligência marítima, mas não estou navegando.
Que te motivou a tornar-te sócio da Agal e que esperas do trabalho da associação?
A principal razão para me tornar sócio na AGAL foi ver que um grupo de pessoas, não da política, tivo a audácia de mostrar que o galego deve voltar ao seu caminho, retomar o caminho de onde não devia ter saído, e que naturalmente deve seguir seu caminho sem imposições.
Da AGAL só espero que continue nessa linha, para mim da forma correta, não vejo nenhum impedimento, trata-se simplesmente de ir colocando algumas ferramentas lógicas nas mãos da sociedade. Quem quiser continuar que o faga. O bom disto é que ninguém nos pode proibir de falar e escrever como entendemos que deve ser feito.
Por onde julgas que deveria transitar o reintegracionismo para avançar socialmente? Quais seriam as áreas mais importantes?
O reintegracionismo deve explicar o quão perto estamos dos portugueses, mostrar que a distância entre o galego e o português é “ridícula”. O tempo que um galego precisa para se integrar linguisticamente num país lusófono é de dias, não mais do que três semanas, pegando no sotaque, os giros e alguns detalhes. De facto, os brasileiros entendem o galego melhor do que o português de Portugal e até afirmam que o sentem mais próximo do português do Brasil.
O andaluz escreve como um castelhano mas eles falam como querem. Alemão, austríaco, suíço, os três têm a mesma escrita em alemão, mas os suíços falam bem diferente, os outros tem que prestar muita atenção para terem uma conversa ao vivo.
A grande vantagem que temos se usarmos um sistema comum que ajuda para a comunicação ser mais “fluida” com mais de 200 milhões de pessoas no mundo, onde toda a riqueza lexical dos diferentes lugares é levada em conta.
O galego tem que voltar ao seu caminho natural ligado às falas dos outros países lusófonos. Somos os únicos que estamos fora.
O galego tem que voltar ao seu caminho natural ligado às falas dos outros países lusófonos. Somos os únicos que estamos fora.
A escrita deve ser padronizada para todos respeitando as variantes faladas de cada pessoa. As línguas mudam sozinhas para se entenderem.
Em 2023 somamos 42 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
O processo destes 42 anos só tivo de positivo a oficialidade e o uso na escola, mais cometeram-se vários erros. Durante 42 anos, em lugar de falar galego/português mudou se para o galego/castelhano e isto foi um erro mesmo grave.
Enjaulou-se o galego e propositadamente foi desvinculado do português.
Ninguém nos meios de comunicação falava “com naturalidade” das grandes vantagens da comunicação com os países lusófonos, tampouco as “instituições”, e tudo isto foi deliberado. E mais, inclusive há gentinha a dizer que não entende o português, enfim.
Como gostarias que fosse a panorama linguístico da Galiza em 2050?
No ano 2050 gostaria que a escrita fosse integrada no português atual. Que se engadissem as variedades lexicais de jeito bidirecional dado que enriqueceriam a Lusofonia. Que os Galegos e demais falantes portugueses falássemos entre nós de jeito fluido.
Conhecendo Agustín Gómez:
Um sitio web: Rockandrollparamunones.com
Uma invenção: a produção de gás e hidrogénio verde.
Uma musica: muito difícil, impossível, mas sim estilos: jazz, Blues, Rock, Bossa Nova, Musica Folk celta, Boleros, Clássica…
Um livro: Robinson Crusoe de Daniel Defoe
Um facto Histórico: a queda do muro na Alemanha
Um prato à mesa: cozido galego, sem dúvida, para o inverno, e empada de milho de xouvas no verão.
Um desporto: ciclismo em todas as suas especialidades.
Um filme: East of Eden, de Elia kazan, protagonizado por James Dean
Uma maravilha: a serra da Capelada.
Alem de Galego: hoje não o sei.