Aniceto P. Nunes, polícia local: «Seria inútil entrarmos em guerras normativas, como se fijo no passado. Devemos demonstrar a evidência com factos irrefutáveis»

PGL – Aniceto P. Nunes é Polícia Local e presidente da AC Monte da Estrela de Arteijo. As suas viagens de miúdo a Portugal contestárom o discurso oficial, promove a presença de vozes lusófonas na TVG e a cidade da Corunha nom o ajudou a avançar para o uso social do galego.

PGL: Aniceto P. Nunes é neo-falante. Quando realizas a mudança de língua e em que momento resolves caminhar para a estratégia reintegracionista?

Aniceto P. Nunes: A umha idade mui inusual, com 30 anos. Isto evidentemente, foi um processo relativamente longo, motivado por leituras, encontros e conversas com pessoas que me fôrom mostrando umha língua, umha história, umha cultura e portanto umha realidade mui distinta à que normalmente se oferece. Igualmente, as minhas estadias em países mais normalizados do que o nosso, como o catalám, também ajudárom.

Mas sobretudo, o factor determinante para a mudança, estivo nas minhas idas e vindas a Portugal, desde criança com os meus pais, em que cada dia achava menos argumentos para justificar o discurso oficial, que fala da existência de duas línguas distintas. É por isso que umha vez que tomei consciência da condiçom de galego, com tudo o que isso implica, caminho de espinhas incluído, a escolha reintegracionista, era a única certa, já que por um lado, a própria experiência mostrava-me que, quanto mais galego sabia melhor falava português e vice-versa. E por outro lado, após a leitura de argumentos das diferentes “façons”, os únicos que achava coerentes e consistentes, eram os “lusistas”.

PGL: Reintegracionista por utilidade ou reintegracionista por sentimento. As experiências som diferentes em cada caso, no teu, o que chegou primeiro?

APN: As duas estám presentes, mas primeiro chegou a sentimental. Como já dixem, quando estava no norte de Portugal, sendo um miúdo, sentia que estava numha Galiza normalizada, e que o que falavam alá, estava mais próximo da língua dos nossos velhotes, do que a fala da TVG ou do que me ensinavam na escola, mas faltavam-me peças do quebra-cabeças. Com os anos, fum juntando essas peças, que me permitírom conferir as minhas suspeitas. Neste senso, as leituras da obra de Carvalho Calero fôrom totalmente esclarecedoras. Para mim as suas ideias som irrefutáveis e, por desgraça, de máxima atualidade.

PGL: O teu é um exemplo de que o reintegracionismo está vivo em todos os âmbitos da vida profissional. Achas que haveria algumha forma de divulgar a estratégia luso-brasileira nos diferentes espaços da administraçom pública, entre eles o teu?

APN: Esse é um tema de gram complexidade, já que numha cidade como A Corunha, na que o galego está tam desprestigiado, nom é fácil a introduçom dessas ideias, já que penso que  cumpre umha predisposiçom positiva para aplicarmos a antedita estratégia: precisamos de umha consciência social, de umha educaçom nesta direçom, que é a que se pretende evitar desde o poder, acrescentado esse facto com o governo municipal atual.

Tanto é assim, que no meu trabalho só existem denúncias de trânsito em bilingüe, de resto, nom há absolutamente nada em galego, nengum modelo de informe, circular interna…nada. Todo o material necessário, tenho de fazê-lo eu próprio.

Portanto, hoje a única possibilidade que tenho na minha profissom, é mostrar de maneira prática quando topo com pessoas de fala portuguesa, que o que “eles” e “nós” falamos, é a mesma cousa.

PGL: Por razons sentimentais e laborais, a tua vida diária orbita entre Arteijo e A Corunha. O que há de certo nos tópicos de que na Corunha nom se fala galego?

APN: Na verdade, fala-se mui pouco galego na Corunha…Porém há que fazer umha distinçom entre as diferentes faixas etárias: nas pessoas de idade, o galego está sempre presente, mas continua a ser umha língua de intimidade, do âmbito privado e que utilizam só entre eles. Quando se dirigem a umha pessoa nova, polo geral fam-no em castelhano. Nas crianças e jovens, o uso do galego é inexistente. De facto, esse foi um dos maiores problemas na minha mudança de língua, pois os meus amigos e o meu contexto era castelhano-falante.

Quebrar esses hábitos e os pensamentos resultantes, nom foi tarefa fácil: “E porque falas agora em galego?”, “figeche-te do Bloco?”, “nom sabia que fosses de aldeia”… e tantos e tantos outros preconceitos e mostras de auto-ódio,  nom ajudárom neste processo. Estou certo que noutro contexto mais favorável, teria mudado muito antes de língua. Isto, desgraçadamente nom é um caso isolado, já que conheço muitas pessoas nesta situaçom, mas a insegurança inicial (para falarmos bem o primeiro passo é  falarmos mal), e todas as críticas sociais, diretas e indiretas, fam com que o pessoal fique acanhado.

PGL: Em Arteijo formas parte da Associaçom Cultural Monte da Estrela, em qualidade de presidente, onde trabalhades em prol da recuperaçom do património galego. Qual tem sido a experiência deste trabalho?

APN: Mui positiva. No entanto, há muito esforço atrás dos nossos projetos, assim como muitos sacrifícios de índole pessoal. Mas tampouco devemos esquecer, que o nosso patrimônio cultural, tanto material quanto imaterial é tam amplo e de tam alta qualidade, que quando é apresentado de maneira atraente, o pessoal fica surpreendido da nossa riqueza. Além disso, tenho a sorte de trabalhar numha equipa, que tem vontade de fazer as cousas bem e isso nota-se no resultado final.

PGL: Falando agora de patrimônio imaterial e tendo em conta que Arteijo é um dos concelhos que mais crescem em número de habitantes, qual é a situaçom da língua galega nessa dualidade a meio caminho entre o rural e o urbano?

APN: Em geral negativa, já que a chegada de muitas pessoas da Corunha, por causa dos altos preços dos prédios nesse concelho, provocou um aumento da presença do espanhol em lugares onde este idioma era praticamente inexistente. Com eles trazem os seus estereótipos, atitudes, preconceitos…que em múltiplas ocasions em nada beneficiam a nossa língua. À sua vez, também fam parte das AMPAS dos colégios, mostrando mui pouco interesse pola questom lingüística e cultural, o que tem conseqüências diretas na sala de aulas.

PGL: Nos últimos anos, algumhas vozes apontam a que o galego está em crise nas aldeias por mor da rutura na transmissom entre geraçons. Acontece isto nos núcleos rurais onde tu te moves como Armentom, Loureda, Barranhám…?

APN: Nessas paróquias ainda se mantenhem uns padrons galegos, mas em perigoso retrocesso. Hoje nom existem distâncias físicas nem tecnológicas e a pressom do discurso único emanado do poder, que procura a homogeneizaçom cultural e lingüística, é esmagadora. Em conseqüência, é mui difícil fugir a isso, mesmo em áreas plenamente galegas e onde nom existe tradiçom “espanholista”. Além disso, às crianças nas escolas fala-se-lhes castelhano, e os seus referentes sociais e da internet também o falam, nom havendo umha presença social de referentes galegos tam necessária, para paliar esse efeito. Igualmente, muitos dos pais e maes dessas freguesias, som vítimas dos preconceitos criados polo poder como: “O galego nom vale para fora”, “É de má educaçom responder em galego, quando che falam em castelhano”, “O galego é de paifocos”…Portanto, como mostra desse complexo induzido, falam aos seus filhos em espanhol, com a finalidade de estes terem um futuro melhor. Esta experiência toca-me mui de perto.

PGL: Que visom tinhas da AGAL, que te motivou a te associares e que táticas achas deve seguir o reintegracionismo nos próximos anos?

APN: Pois realmente soubem da sua existência por um amigo. Quando conhecim o trabalho que está a fazer pola nossa língua e cultura, e apenas com meios humanos, decidim que era o momento de fazer parte disso, pois entendo que este é o caminho certo.

Quanto à tática, acho que a chave está em contactarmos com pessoas de diferentes países da lusofonia, para comprovarmos que nom estám a falar num sistema lingüístico alheio ao nosso, mas no mesmo. Essa variedade de falantes, com os seus sotaques múltiplos, mostrarám que tudo fai parte do mesmo idioma, e que essas variantes som as que realmente enriquecem a nossa fala. De facto, se a CRTVG nom estivesse tam politizada e na mesma tivessem cabimento debates com portugueses, brasileiros, angolanos…telenovelas, e outros programas em português, a realidade seria bem distinta. Nom obstante, devemos ter presente que os preconceitos som altamente resistentes às mudanças, inclusive com provas objetivas em contra, mas seria questom de tempo.

O que sim seria inútil, é entrarmos em guerras normativas, como se fijo no passado. Devemos demonstrar a evidência com factos irrefutáveis.

PGL: Para finalizar, queres engadir algo mais para os leitores e leitoras do PGL?

APN: Que a via do reintegracionismo é a mais dura, mas é a certa. Portanto devemos ser coerentes e assumirmos que o caminho do êxito é sempre angosto. O tempo dar-nos-á a razom.

Conhecendo Aniceto P. Nunes


  • Um sítio Web: Diário Liberdade
  • Um invento: O rádio
  • Umha música: Qualquer umha dos Beatles
  • Um livro: O Senhor dos Anéis
  • Um facto histórico: A aboliçom da inquisiçom
  • Um prato na mesa: Caldo galego
  • Um desporto: Karaté
  • Um filme: Braveheart
  • Umha maravilha: A natureza.
  • Além de galego: Nom preciso ser mais nada

 

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