PGL – Jeanne Pereira, brasilega, achava estranho o galego se escrever com ortografia castelhana e pensa que temos que ter a ousadia de dizer a verdade sobre a língua da Galiza. É uma magnífica embaixadora do nosso país e da nossa língua.
PGL: Jeanne Pereira é baiana. Que te motivou a vires para a Galiza e como sentiste a integração no nosso país?
Jeanne Pereira: Por questões pessoais necessitava sair do Brasil. Eu já sabia que aqui havia um idioma que era parecido ao português. Por que era exatamente o que pensava por ter pesquisado algo em relação a Galiza, à sua historia, em sites de pesquisas que nada tinham a ver com a realidade do país. Lembro bem que procurei saber da realidade política, e porque esse idioma ‘parecido’ ao meu. O que me chamou a atenção foi a ortografia, achava estranho um idioma com uma escrita igual ao espanhol, principalmente porque diziam ser ‘parecido’ ao português. E pensei como é possível?
PGL: Falando em integração, como foi o teu contato primeiro com o reintegracionismo?
JP: Através de José Alvaredo, que foi um pessoa muito especial que no seu momento se dedicou a mostrar a verdade em relação a realidade da Galiza. Uma pessoa que foi importante para que eu pudesse chegar à realidade sociolinguística. Era interessante o que ele fazia, era uma preocupação diária, ja que colocava como página principal o site da AGAL e Vieiros. Quando eu abria o computador, estavam ali, então lia e tirava as dúvidas com ele, mesmo quando chegava em casa cansado do trabalho, nunca se negou a explicar-me e dedicar todo o tempo possível para dar-me esclarecimentos com uma paixão pela Galiza, pelo nosso idioma em comum, que me contagiava.
Foi a primeira pessoa que me disse que…o português nasceu na Galiza. As dúvidas eram tiradas e muito bem esclarecidas ao ponto de me deixar mais curiosa. Inclusive a realidade política veio a través dele. O meu primeiro comentário sobre a língua foi em Vieiros, que passei a difundir a realidade do país através deste jornal.
O primeiro dicionário consultado foi o Estraviz. Comecei a comentar artigos em Vieiros para chegar a outros brasileiros que não conheciam a realidade da Galiza. Aproveito para agradecer todo o apoio dado por esse grande mestre que no seu momento, como disse, foi extremamente importante para mim. Um muito obrigada Zé! Sigo adiante e com muita força valorizando tudo que aprendi.
PGL: Estás a estudar galego, versão ILG-RAG, na EOI. Este formato de galego pode funcionar bem na interação com pessoas do Brasil e de Portugal?
JP: Não, pela ortografia, que é espanhola, que nada tem a ver com português. É uma norma isolacionista que foi imposta pelo Estado espanhol, já que a Galiza pertence ao Estado e o governo autonômico, em vez de aproximar o galego ao português, pretende aproximá-lo ao espanhol, diluindo assim a identidade galega. É uma estratégia política do pequeno império, uma forma de colonizar a população galega, separando o nosso idioma em comum. Inclusive alguns brasileiros dizem que é um galego ‘feio’, ‘mal escrito’. É uma questão tanto da fala como da escrita. Existem vícios de linguagem que infelizmente são muito utilizados pelos/as galegos/as pela influência do espanhol, daí que os/as brasileiros/as se aproximem ao espanhol e não ao galego, já que o galego raguiano é um dialeto do espanhol, e vista como uma língua ‘misturada’ do espanhol.
PGL: Não sei se sabias que nas EOI existe a figura de língua ambiental, aquelas que a priori existem na sociedade onde está inserido o centro. Na Galiza são três, galego, português e castelhano. Isto facilitou o teu dia a dia, não é?
JP: Deixemos de lado esse discurso ultrapassado dito por muitos galegos de que o português se parece muito ao galego e de que um galego pode aprender português por ser parecido, e mudemos para este: que o galego é português e o português é galego. A prova é que o galego já está no dicionário da Porto Editora desde 2008 no vocabulário comum e breve nos dicionários brasileiros.
A facilidade de entendimento é grande desde quando se abra a mente para isso. Para mim sempre tem sido fácil porque não importa se falam comigo em espanhol, eu falo em galego-português, estou na Galiza, e isso tenho claro. Já escutei muita gente falarem para mim “Não te entendo”. Eu respondo, “pois deveria, estamos na Galiza, a língua do meu país nasceu aqui, temos inclusive um vocabulário comum.
Palavras que foram levadas daqui para o Brasil, que surgiram aqui”. Infelizmente, por questões de imposição do estado espanhol, não podemos usar a nossa língua nas traduções juramentadas. Por exemplo, um título universitário do Brasil, tem que ser traduzido ao espanhol e não à língua própria do país.
PGL: No Brasil existe um desconhecimento da Galiza e da sua língua. Qual a reação média de uma pessoal do Brasil quando descobre?
JP: Muitos galegos que visitam o Brasil, de férias, para estudar, os emigrantes que vivem ali uma boa parte não são vistos como galegos e sim espanhóis. Inclusive Santiago de Compostela é destino para quem está a aprender espanhol. O pequeno império deixa claro que a Galiza é unha periferia de Madrid e não uma nação com identidade própria. Escuto de muitos galegos como uma brasileira pode saber tanto da Galiza ao ponto de dizer que o português e o galego é o mesmo e que eles sendo galegos não sabem nada da realidade e alguns se aborrecem afirmando que tudo isso é uma mentira, que a história mostra claramente as diferenças nas duas línguas que é impossível serem um único idioma com variantes diferentes.
Sempre cito como exemplo muitos galegos que estiveram ali no Brasil e que muitos brasileiros perguntavam de que região faziam parte, ou até mesmo de que estado. Infelizmente a realidade da Galiza ainda é desconhecida no meu país, mas faço minhas as palavras do José Carlos da Silva, que diz: “Reclamo um maior conhecimento da realidade da Galiza no Brasil”.
Agora, o dia 6 de novembro estarei de volta a Salvador, mas levo comigo o compromisso de mostrar essa realidade, a de um país que possui um idioma em comum com o meu, e de que a sua língua nasceu aqui na Galiza. É com muito orgulho e muita gratidão por um país que aprendi a amar como sendo meu, um país que me acolheu, porque sempre deixo claro que fui acolhida pela Galiza e não pela Espanha, que lutarei para que esse conhecimento seja real no Brasil.
PGL: Achas que existem diferenças entre a cidadania galega na sua perceção do Brasil e da lusofonia em geral?
JP: Muitos galegos veem o Brasil como um destino turístico, não como um país com uma língua em comum. O Brasil ultimamente é visto por ser a sétima economia mundial e nos meios de comunicação aparece muito este facto, mais nada em relação questão da língua. O Brasil infelizmente não conhece essa realidade.
PGL: Certos círculos sociais em Santiago falam da figura do(a) brasilego(a), uma pessoa que vive na nossa língua cá na Galiza frente a atitude mais habitual de desenvolver-se em castelhano no dia a dia. É exportável esta forma de viver a outras cidades?
JP: Em Santiago sim, mais noutras cidades não porque a fala predominante é o espanhol. Em Santiago também depende do ambiente que frequente ou que esteja. Há lugares que inclusive falo o meu ‘baianês’ com uma rapidez como se estivesse em Salvador. Chego a mudar completamente o meu sotaque e falar com uma desenvoltura que as vezes não me dou conta que estou em Santiago.
PGL: Tu segues os passos da estratégia luso-brasileira para o galego. Que tipo de táticas achas mais produtivas e quais achas que se deveriam implementar para a cidadania galega viver o galego como sendo extenso e útil?
JP: Táticas temos muitas, inclusive as redes sociais, são meios de grande importância para divulgar a nossa realidade. Há que sensibilizar e ter muita valentia e ousadia no falar, na hora de dizer a verdade sobra a realidade o país, sobre o seu idioma próprio e cultura, afirmando com muita força que “Galiza não é Espanha”, e que isso fique bem claro, não tendo medo de falar a verdade em alto e bom som,para todo mundo ouvir.
O incentivo a leitura dos jornais na nossa língua, dando prioridade as publicações em galego-português, também nas redes sociais. Ao invés de estarmos publicando notícias de meios espanholistas, publicarmos noticias com o nosso idioma.
Aproveitar o momento político do Brasil pode ser algo importante, para mostrar que além de um país em crescimento com ofertas de emprego, para os galegos, há a vantagem de termos um idioma em comum, o que facilita muito no mercado de trabalho. A ousadia e a valentia de sempre dizer a verdade, sobre a realidade da Galiza, é importante. Já passou da hora de vencer todo esse auto-ódio que nos contamina de forma negativa, tirando a coragem e a força de muitos em falar a realidade e de lutar pelo seu país, livrando-se da colonização mental imposta pelo ‘Reino de Espanha’, por um pequeno Império fracassado, prepotente e complexado, em que infelizmente a Galiza tem sofrido por estar sendo Desgovernada por um partido que em nada representa o país, levando a Galiza ao retraso.
PGL: Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associares e que esperas da associação?
JP: A nossa língua é extensa e útil, a nossa língua é internacional, e a AGAL cumpre perfeitamente esse papel como representante do nosso idioma, com muita seriedade e responsabilidade divulgando de forma séria o seu trabalho em prol da nossa língua e da realidade sócio-linguística do país. Levando ao conhecimento inclusive a nível internacional. Parabenizo a associação pelo grande trabalho que vem sendo realizado nesses 30 anos de existência, mostrando a internacionalidade da nossa língua em comum. Espero sempre o melhor e que esse trabalho cresça e continue recebendo todo o apoio merecido para dar continuidade a divulgação da nossa língua.
PGL: Como vai ser o Brasil do futuro?
JP: Espero que seja um país com menos desigualdade social, investindo em políticas sociais, fortalecendo a saúde pública como direitos de todos, com qualidade. Que o presidente ou presidenta que ali esteja, chegue a ONU, um dia no seu discurso, reivindicando e reconhecendo a liberdade e soberania de muitas nações como a Galiza.
Conhecendo Jeanne Pereira
- Um sítio web: são vários, principalmente os relacionados a política e escritos no nosso idioma em comum. Por exemplo, leio todos os dias a revista Carta Maior.
- Um invento: o que traga beneficio à humanidade
- Uma música: Apesar de Você (Chico Buarque)
- Um livro: O Golpe de 64 e a Ditadura Militar, de Júlio José Chiavenato. Esse livro foi uma grande referência para mim, a nível político e um grande presente dado por meu pai, quando tinha apenas 15 anos de idade.
- Um facto histórico: a independência da Galiza
- Um prato na mesa: um caruru completo (comida baiana)
- Um desporto: Fórmula 1
- Um filme: O auto da compadecida, de Ariano Suassuna.
- Uma maravilha: a descoberta da vacina contra o vírus da Sida
- Além de brasileira: brasilega