Borxa Colmenero: “Devíamos ter apostado na construção de um tecido social forte”

Borxa nasceu em Vilar de Santos onde o galego era a língua ambiental. Fez parte do local social Aguilhoar, em Ginzo. Os portugueses falavam em português quando vinham à Límia e eles em galego quando iam a Tras-os-Montes. Borxa é advogado e pesquisador, julga que as formas de controlo social são inseparáveis de um projeto económico-estatal. Gostaria de uma Galiza onde o galego continue vivo, que tenha conquistado espaços sociais e tenha capacidade para disputar a hegemonia ao espanhol.

Borxa nasceu em Vilar de Santos. É muito diferente a fotografia linguística da tua infância em relação ao presente?

É muito diferente. Até a adolescência morei em Vilar de Santos e na aldeia a língua ambiental era em exclusivo o galego, tanto na escola, quanto com as amizades e a família. O máximo contacto com o espanhol era alguma visita ocasional à cidade de Ourense ou a Vigo.

Já hoje vivendo e trabalhando no âmbito urbano a minha vida em galego é uma briga constante, tornando-se o espanhol quase na língua ambiental. Se bem, por fortuna, sempre há pequenos espaços de resistência e projetos a agromar polo país em defesa da nossa língua e da nossa cultura. Neste sentido, acho que o realismo com a situação atual deve ser completo, sem pessimismos que a nada conduzem: é certo que nunca Espanha estivo tão presente na Galiza como hoje, mas também somos um povo que ainda teima na sua existência.

Na juventude fizeste parte dum centro social em Ginzo, a principal vila da Límia, de nome Aguilhoar. Quais foram os principais desafios dum projeto como este? Que te deixou um melhor sabor de boca?

A Aguilhoar (2005-2014) foi, principalmente, um espaço de aprendizagem e conexão com o que o estava a acontecer no país. Só por isso já pagou a pena termo-nos envolvido num projeto como esse. Aliás, os centros sociais oferecem outras formas de ativismo fora da clássica militância nas organizações políticas, mais plurais e transversais, com debates mais abertos, mais focados na prática diária, e, sobretudo, mais permeáveis à sociedade.

Os centros sociais oferecem outras formas de ativismo fora da clássica militância nas organizações políticas, mais plurais e transversais, com debates mais abertos, mais focados na prática diária, e, sobretudo, mais permeáveis à sociedade.

O principal desafio, contudo, é manter materialmente os locais no tempo, especialmente, em zonas como a Límia onde a sangria migratória não se para. De facto, este foi o motivo do encerramento do local no seu dia. As pessoas que estávamos na Aguilhoar, na sua maioria por causas laborais, passamos a viver em Ourense, Vigo ou Compostela. No entanto, o mais positivo é que essas pessoas não abandonaram o seu compromisso com a língua, a cultura e o país, e envolveram-se, depois, noutras iniciativas nas suas cidades de residência.

Nesse período associativo já eras reintegracionista. Como foi a tua descoberta e assentamento nesta estratégia para o galego?

Foi muito natural. Vivendo na Límia o contato com o português não era excecional, e nunca o vim, realmente, como outra língua diferente do que eu falava. Os portugueses falavam em português quando vinham à Límia e nós em galego quando íamos, principalmente, a Tras-os-Montes, entendendo-nos sem maiores problemas. Por isso, quando tomo consciência linguística assumo esta estratégia sem dificuldades, descobrindo que quanto mais “lusificava” o meu galego limião, mais galego ele era. No entanto, a descoberta da norma reintegracionista véu das atividades do grupo da Agal de Ourense e da minha participação no ativismo juvenil, ainda que também tivera alguma referência desta estratégia no liceu em Ginzo na matéria de língua galega.

Quando tomo consciência linguística assumo esta estratégia sem dificuldades, descobrindo que quanto mais “lusificava” o meu galego limião, mais galego ele era.


És doutor em Direito pola Universidade da Corunha (ademais de doutor em Teoria Política pola USC). Os tópicos sobre a língua nessa área de formação universitária são verazes?

A presença do espanhol no âmbito do direito é quase total, especialmente no mundo profissional. Se bem há algumas exceções polo trabalho da associação de funcionários pola normalização linguística ou da Irmandade Jurídica Galega, a presença do galego continua a ser testemunhal. O “normal” são juízes, fiscais, letrados da administração e, de certeza, funcionários policiais e de instituições penitenciárias a desenvolverem a sua atividade integramente em espanhol.

Porém, no mundo universitário, seja na UDC ou seja na USC, sendo a presença do galego também minoritária, a situação é muito diferente e, com vontade, não há excessivos problemas para realizares o teu trabalho em galego e mesmo na sua versão internacional. Esta é, polo menos, a minha experiência pessoal.

Fazes parte do grupo de pesquisa ECRIM (Criminologia, Psicologia jurídica e Justiça penal no século XXI), és membro do Observatório para a Defensa dos Direitos e Liberdades ESCULCA e publicaste o livro Vidas Culpáveis. Uma das tuas linhas de interesse é o controlo sócio-penal contemporâneo. Que deveríamos saber a este respeito?

A minha tese é que as formas de controlo social, em primeiro termo, são inseparáveis de um projeto económico-estatal e, portanto, no caso espanhol existem mecanismos específicos de controlo e disciplinamento da “normalidade” espanhola. Em segundo termo, o controlo social não se limita às suas formas jurídicas, que ainda sendo necessárias, jogam um papel subsidiário de outras modalidades de controlo que circulam através da institucionalidade social. Por último, as formas de controlo não são principalmente repressivas, mas produtivas. Deste jeito, não se trata tanto de reprimir condutas, práticas ou subjetividades ameaçantes para a ordem constituída, quanto de produzir condutas, práticas e subjetividades “normalizadas”.

As formas de controlo social, em primeiro termo, são inseparáveis de um projeto económico-estatal e, portanto, no caso espanhol existem mecanismos específicos de controlo e disciplinamento da “normalidade” espanhola.

Levado ao terreno da língua e a cultura, diria, então, que antes do que reprimir o galego e a galeguidade -como agente deturpador da normalidade espanhola- o que se fai é, principalmente, produzir positivamente espanholidade. E isto muda, acho, a forma de organizarmos os modos de resistências e a transformação social como sujeitos subalternizados.

Antes do que reprimir o galego e a galeguidade -como agente deturpador da normalidade espanhola- o que se fai é, principalmente, produzir positivamente espanholidade.

Que te motivou a te tornares sócio da Agal e que esperas do trabalho da associação?

Antes de mais, diria que voltei à casa, pois já figera parte da Agal fai mais de quinze anos. O que motivou esta volta foi o trabalho atual da associação, muito inovador nas formas, mudando de uma estratégia mais defensiva para uma mais propositiva. Conquanto seja ciente dos limites e altos riscos de algumas das linhas de trabalho, como a aposta binormativista ou a colaboração institucional com a Xunta de Galicia, acho que ficar imóvel tampouco vai garantir um resultado melhor. E, neste sentido, quero dar o meu modesto apoio a esta estratégia.

Em termos de estratégia, que áreas e/ou grupos sociais deveriam ser os prioritários para o avanço social do reintegracionismo?

Ao meu juízo, a grande aceleração da espanholização da Galiza é consequência de uma transformação social e económica mais ampla que vivemos nas sociedades contemporâneas: as mudanças nas formas de socialização e aquisição informal de conhecimentos – com especial intensidade na juventude-, em que as novas tecnologias, as redes sociais e as transformações no mundo educativo e laboral estão provocando, entre outras cousas, uma homogeneização e espanholização sem precedentes, ao carecer o galego de “refúgios” suficientes onde nos abrigar.

A grande aceleração da espanholização da Galiza é consequência de uma transformação social e económica mais ampla que vivemos nas sociedades contemporâneas: as mudanças nas formas de socialização e aquisição informal de conhecimentos – com especial intensidade na juventude-, em que as novas tecnologias, as redes sociais e as transformações no mundo educativo e laboral estão provocando, entre outras cousas, uma homogeneização e espanholização sem precedentes.

Aliás, esta mudança está-se dando fora do controlo propriamente estatal, como assinalava anteriormente, operando por meio de uma nova institucionalidade social em fase de construção. O que fai mais difícil qualquer hipótese de reversão, mesmo apostando noutras políticas linguísticas, tal como lhe acontece também a outras línguas não hegemónicas com mais peso político do que nós.

Ora, a diferença de outras línguas, esta situação poderia enfrentar-se no nosso caso mudando de paradigma: colocando o galego no universo da lusofonia, a competir com a hispanofonia nesses mesmos espaços. Este é a grande achega que o reintegracionismo pode oferecer às galegas e aos galegos, sejam reintegracionistas ou sejam isolacionistas.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?

A minha opinião é muito crítica, pois a oficialidade significou, na prática, a subsunção definitiva do galego no espanhol, e não me refiro apenas à questão normativa. As causas foram várias e acho que cumpre fazer uma análise deste processo com rigorosidade se quigermos mudar esta situação. Neste sentido, recomendo algumas das leituras que na “Clara Corbelhe”, como espaço de produção e crítica, se tentam oferecer para responder a esta encruzilhada em que vivemos.

A partir dessa premissa, toda tentativa institucional por dotar o galego de status legal deve ser valorizada positivamente. Sem dúvida a situação seria mais grave sem este amparo jurídico. Mas sem um corpo social que o sustentar e, principalmente, agências para sua produção e reprodução, esta oficialidade converte-se em simples formalismo. Penso que isto foi o pior. Não termos apostado na construção de um tecido social forte, por cativo que ele fosse inicialmente. Parece que hoje isto está, devagar, mudando – centros sociais, Sementes e outras iniciativas autogeridas-, mas, infelizmente, não vejo uma aposta decidida nesta linha no conjunto do movimento galego.

Como gostavas que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050?

Gostaria de uma Galiza onde o galego continue vivo, que tenha conquistado espaços sociais e tenha capacidade para disputar a hegemonia ao espanhol. E para isto acontecer, acho, é requisito prévio, o sucesso da estratégia reintegracionista, mesmo em coexistência com outras estratégias.

Conhecendo Borxa Colmenero

Um sítio web: claracorbelhe.gal, o mais interessante projeto de pensamento crítico galego.

Um invento: vai uma resposta clássica, os livros.

Uma música: ultimamente estou escuitando, de novo, os NAO.

Um livro: Medo à liberdade (1941), de Erich Fromm, lido com 16 anos e sem dúvida um dos livros que mais me impactou.

Um facto histórico: ainda está por acontecer.

Um prato na mesa: devo confessar, o churrasco (e com criollo, é claro).

Um desporto: nunca fum muito desportista, se calhar, fazer algum roteiro.

Um filme: Em nome do pai (1993), dirigida por Jim Sheridan, um filme que vim na juventude e me sensibilizou especialmente contra as práticas repressivas dos estados.

Uma maravilha: a mente e a sua capacidade para imaginar outros mundos possíveis.

Além de galego/a: internacionalista, não acho contradição nenhuma.

 

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