Carlos Ndunmandun: desenhador gráfico, galego e banto-bisio

PGL – Carlos Ndunmandun Comesanha é galego da paróquia de Alcavre e banto-bisio. Desenhador gráfico. Na sua estadia em Barcelona decide tornar-se galego-falante; na sua estadia em Euskal Herria, aprofundou no reintegracionismo.

Carlos, é filho de guineense (da Guiné-Equatorial) e de galega, e nasceu e viveu a sua infância e adolescência em Alcavre, bairro periférico de Vigo. Em que língua vivias na tua família e em que língua se vivia em Alcavre?

Com a vossa licença, antes de nada precisar que para mim Alcavre é Alcavre e Vigo é Vigo, mas prefiro definir Alcavre coma paróquia não como bairro. Acredito nesta expressão do meu avo: “vou a Vigo, moro em Alcavre” e sendo conscientes de que ficamos a carão do super-monstro com tudo o que isso implica.

Respondendo a tua questão, na morada dos meus pais habitavam três línguas sendo o espanhol misturado com o galego o predominante. A mim e à minha irmã sempre se nos falou numa tentativa de espanhol mas com muitos portuguesismos, depois estava o meu avô que falava muito em português com a sua irmã mas sempre dirigindo-se a mim e à minha irmã e os seus filhos em espanhol.

E por outra parte, às vezes, soava um inglês informal quando o meu pai falava com os seus amigos, já que o meu pai criou-se em broken english. Mas a mim e à minha irmã sempre nos falou em espanhol. Atualmente o meu pai fala introduzindo muito português, mesmo quando fala broken english mete espanhol e português tudo por junto, algo digno de ouvir. Em conclusão, já de bem novo estou encaminhado a uma tolémia linguística que atualmente estou a reconduzir um bocadinho.

Quanto a Alcavre, de pequeno tenho a lembrança de ouvir algumas pessoas idosas a falarem a nossa língua mas não era o mais habitual. A grande maioria da população na rua fala ou tenta falar em espanhol. Já depois nas casas acho que isso pode mudar um pouco. Por exemplo, os vizinhos dos meus pais são relativamente galego-falantes ,já que os podes ouvir ao ficarem de portas para dentro.

Mas acho que o mais preocupante é o que acontece na escola pública da freguesia. Quando estudava somente ouvíamos português nas horas de galego e depois tudo era espanhol. Também temos casos isolados de pessoas que tenhem uma língua que para mim é um feitiço já que falam um português relativamente saneado ou vivo empregando palavras enxebres, mas isto é um reduto praticamente marginal com idades muito elevadas.

Sendo adolescente acometes a mudança de língua numa espécie de pacto com um amigo músico, o Ricardo. Como correu a experiência?

Pois não foi tanto na adolescência, foi mesmo quando lisquei para a Catalunha fará agora uns sete anos. Eu já morava em Barcelona e um dia de volta, acho que era polo Natal, tentei de falar com o Ricardo em português e dei-me mágoa de mim mesmo. A verdade é que fiquei abraiado com a experiência de ir a outro país, e ao não ter contato com o português ver como este se ia apagando de tal maneira que, caso não fizesse uma mudança, o pouco galaico-português que morava em mim ia morrer.

Não lembro como chegamos a iniciar essa conversa mas serviu-me para ver algo tão de perto que me cheguei a assustar. Então, comentei a Ricardo que polo menos ia falar com ele em português, porque se não, morando fora, ia ficar sem uma parte de mim da qual não era consciente que amasse tanto. Foi o começo de algo formosíssimo e depois num dos regressos ao País, sentindo uma energia que antes nunca sentira, decidim sair a fazer as compras e falar o que eu achava e acho que tinha que falar ficando na Galiza, e então pouco a pouco fum normalizando-me primeiro com a família, depois com mais amigos e finalmente com todo o mundo que sei que pode perceber o que eu falo.

E não foi doado. Os galegos podem ser muito fodidos quando uma pessoa está nessa metamorfose. Olhas umas cousinhas que noutrora não te pensavas que se iam dar, descobres aspetos de gente que achavas não ia ser tão preconceituosa.

A tua relação com o grafite como começou e em que deu?

Pois a minha relação com o graff começou duma maneira acho que bastante habitual para muita gente. Olhar umas cousas, gostar delas e depois querer fazê-las. Lembro-me que entre meados e finais dos anos noventa fizem as minhas primeiras tentativas de apanhar um pote de spray e fazer o malandro. Mas seria mais tarde quando estava no Politécnico de Vigo onde conhecim o Barbara, o qual me comentou mais ou menos coma ia o tema. Inclusive fum pintar com ele a um programa da TV onde levavam a grafiteiros.

Mais tarde comecei a fazer as minhas cousas à par que também ia conhecendo mais gente das redondezas de Vigo que pintavam e faziam música entre outras disciplinas. Esta foi uma época muito engraçada, mas quando fum a Ourense a estudar gráfica publicitaria foi onde abrim um bocado mais o miolo e comecei a misturar a ilustração manual com a digital. E pouco a pouco fum-me metendo mais no design, que é do que vivo agora, mas tampouco quero deixar de pintar e ilustrar, já que é algo do que gosto e complementa muito bem com o design.

Emigraste a Barcelona na procura de oportunidades. Deu certo?

Quando terminei o projeto final em Ourense fiquei muito saturado de Vigo e vim que tinha que estudar algo mais porque se não ia ter muito poucas oportunidades de trabalhar do meu. Já que o que estudara em Ourense era muito fraco, lembro-me que me rendeu mais a experiência de compartir conhecimentos com o Pequeno Lobato,com o simples facto de ir a aulas onde aprendim cousas, mas tinham que ser muitas mais. Então partim para Barcelona a viver com um amigo, estudar algo mais e depois procurar trabalho de design.

Para mim foi uma experiência muito importante, olhar e sentir Galiza desde fora serviu-me muito. Lá também conhecim gente muito interessante, muitos galegos emigrados e gente de outros países. Atualmente posso dizer que Barcelona foi chave no meu desenvolvimento pessoal, tivem momentos muito duros mas não seria quem sou se não passasse por ela. E sobretudo conhecer pessoas tão importantes para mim, como Maider Varela.

Fala-nos dos teus trabalhos artísticos e da sua difusão.

Trabalhos somente artísticos tenho alguns que me deram muitas alegrias. Eu comecei a enviar obras a ver se mas publicavam o último ano que residim na Galiza, sobretudo ativei-me porque olhava que os meus trabalhos podiam ser valorados positivamente em certas publicações. Foi uma forma de testar se ia na boa linha ou não. Deste modo envie a Belio Magazine e também ao Catálogo do OFFF, onde publicaram alguns dos meus trabalhos.

Por outra parte também tenho feito alguma exposição individual e participado nalguma coletiva. Por exemplo, individuais fizem uma em Miscelänea em Barcelona onde depois tivem obra na sua loja ou em Vigo no café Bizzarre. Quanto às coletivas, nas últimas em que participei foi a intitulada “Totem Revolotem” na associação Amalgama de Vigo e uma itinerante polo X aniversário da Belio Magazine. Por outra parte também participei como artista num evento organizado pola Fura dels Baus, e também tenho colaborado com fanzines de tiragem reduzida como a Chave ou Dot Magazine.

Participaste no concurso Musicando Carvalho Calero com um tema. Fala-nos da experiência.

No primeiro momento íamos ser vários a fazer a nossa pequena homenagem ao ilustre professor, mas afinal por A ou por B a ideia inicial não medrou e ficou guardada para ser retomada no Natal. Decidim continuar adiante já que tinha cavilado bastante sobre a cantiga e não queria deixar de aproveitar a ocasião de agarimar o professor Carvalho Calero. À hora de escolher a cantiga decantei-me pola “Orquestra filarmónica de Osaka” porque gostei da critica que faz Carvalho do pensamento eurocentrista. Também gostei dela porque tinha suficiente conteúdo para recitar numa música duma maneira pouco repetitiva.

A experiência de participar num concurso homenageando Carvalho Calero foi muito grata. Também queria dar o meu ponto de vista musical já que tinha a impressão, que depois confirmei, que muitas das músicas iam ficar em esferas diferentes da música que ia propor. Quanto mais variados sejam os temas do concurso, melhor.

Vives em Euskadi atualmente. Que têm de diferente e de parecido no aspeto sócio-linguístico os dous países?

Moro na Euskal Herria mas para o ano que vem tornarei à Galiza uma longa temporada para me reformular algumas questões. Respeito à vossa questão, acho que podia dar para escrever um livro. Mas também acho que não vou fornecer informações que muita gente já não conheça.

Vivo em Lezo, uma vila guipuscoana e relaciono-me mais com pessoas deste herrialde que dos outros seis e creio que posso sintetizar a minha experiência deste modo: temos dous carvalhos com um lenhador que esta a cortar neles com um machado amarelo. Um deles fica quase morto devido a que os golpes recebidos fizeram-lhe muito dano em partes vitais enquanto o outro carvalho, sendo golpeado com muita mais violência, tem umas vetas quase inquebráveis. Quando o vento vermelho sopra, um carvalho mexe-se muito mais que do que o outro mas a situação de cada carvalho é diferente já que os dous estão plantados em lugares com uma composição química variável.

Como foi o teu primeiro contato com o reintegracionismo e a visão da nossa língua como sendo extensa e útil?

Quando estava morando em Barcelona comecei a reparar nalgumas páginas cuja forma de escrever era um bocado diferente do que me ensinaram na escola. Mas isto foi um bom achado já que previamente ouvira dum companheiro de trabalho catalão que o “ñ” não era galego. Isto foi o detonante inicial porque me fijo estar mais atento à “nova” escrita que se punha diante dos meus olhos.

Um tempo depois confirmei em Euskal Herria a existência de duas normativas por mor dum amigo sociólogo basco, a que tinham que lhe dar no mínimo uma rua na Galiza. Pouco a pouco comecei a sentir-me muito mais cómodo na norma AGAL e finalmente no AO. Lembro-me de procurar manuais para aprender reintegrado e descarregar um manual em pdf do Maurício Castro. Então gradualmente fum achegando-me ou aprofundando numa forma de olhar a nossa fala da qual gosto muito mais porque atopei um caminho que tem muitíssimo mais percurso que aquilo que me ensinaram na escola.

Por outra parte olho que a estratégia reintegracionista é algo muito positivo para a dignificação do nosso povo, já que as cousas, no momento que olhas onde ficas, adquirem um valor muito mais amplo do que podias imaginar. Acho que também psicologicamente é algo curativo.

Que estratégias seriam mais adequadas para expandir esta visão da língua? De todo o que se está a fazer, que destacarias?

Há que olhar muito mais para Portugal e o resto de países de língua portuguesa tentando quebrar todos esses preconceitos que fazem que muita gente na Galiza não desfrute da sua própria natureza sócio-cultural. Também creio que à população que fica mais diluída por mor do desconhecimento temos que lhe dar ferramentas para que possam experimentar a formosura do amor-próprio.

Destacaria do que se está a fazer muitas cousas mas vou ressaltar duas: os cursos CPP neste verão, onde desfrutei muito e conhecim gente lindíssima. E sobretudo o discurso da funcionalidade que acho que pode ser uma estratégia muito mais popular.

Como visionavas a AGAL e porque decidiste associar-te? Que esperas da tua associação?

Pois eu visionava AGAL como atualmente a continuo a visionar, como um ente que trabalha pola cultura galega duma maneira muito potente com uns argumentos muito sólidos. E decidim associar-me para dar algo mais do que estava a fazer e poder oferecer o meu ponto de vista numas áreas que acho que podem reforçar um bocadinho a comunicação visual da associação.

Conhecendo Carlos Ndunmandun


  • Um invento: a câmara de fotos.
  • Uma música: “Gates of fire” de Stephan Micus, do álbum “The garde of mirrors” editado pola ECM Music.
  • Um livro: O pensamento politico de Castelao editado por Ruedo Ibérico.
  • Um facto histórico: Para bem e para mal, a Revolução industrial.
  • Um prato na mesa: muitos.
  • Um desporto: por inercia, o futebol.
  • Um filme: Johnny Got His Gun (Johnny vai à guerra) de Dalton Trumbo.
  • Uma maravilha: a compreensão das cousas.
  • Além de galego: banto-bisio.

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