Comba Campoi, filmada e filmante: «A linha do humor e da criatividade, pola qual está a apostar o reintegracionismo, parece-me básica»

Valentim R. Fagim– A Comba Campoi o reintegracionismo vem de família, às vezes está no palco e outras atrás da câmara, a sua melhor manife foi com Sei o que nos Figestes, é ativista marinha bem como fam do dicionário e-Estraviz e do Novas da Galiza.

PGL: Comba Campoi é falante de berço, e segundo informações que temos, no que antes se chamava BUP, tornou-se numha ativista da língua. Que te movimentou a tomar essa atitude?

Comba Campoi: Suponho que a minha adolescência foi conflitiva, e refiro-me sobretudo a um conflito interior. Depois de todo um período de escolarizaçom esquizoide, em que me esforçara por ser umha mais —o que significava deixar o galego para os usos estritamente familiares—, a partir dos 15 ou 16 anos decatei-me do estranho dessa situaçom e de que, ocultando a minha língua própria, estava a ocultar umha parte muito importante de mim mesma. Assim que comecei a usar o galego nos 100% do meu dia-a-dia, o que, na altura e no meu liceu, era toda umha ousadia. Assim que dessa toma de consciência individual à militância mais ou menos organizada houvo apenas uns passos…

PGL: Atualmente trabalhas na revista Tempos Novos. Como se vive nesta publicaçom a crise económica dos meios de comunicaçom em galego? É possível criar meios soberanos a respeito das finanças públicas?

CC: Vive-se mal. A crise dos meios de comunicaçom impressos afeta todos, mesmo aos mais servis, como esse jornal corunhês de nome mentireiro. O problema é que esse e outros cabeçalhos afins ao poder político sobrevivem graças a quantiosas ajudas económicas que a Junta de Galiza lhes dá em recompensa polos serviços prestados. No caso de Tempos Novos, que é umha publicaçom crítica e independente, sem nenhumha empresa grande detrás, as descidas na contrataçom publicitária e a dramática reduçom das ajudas públicas às publicações em galego estám a fazer que passe por grandes dificuldades. Polo momento, resiste graças às subscrições e o apoio dos e das colaboradoras, mas o futuro é incerto. Acho que tem que ser possível criar meios soberanos, mas vai ser preciso um maior compromisso dos e das leitoras conscientizadas com este País e a sua língua.

PGL: Estás mui ligada ao mundo audiovisual, como atriz, diretora e produtora. Qual destas áreas dá mais satisfações? Que projeto te tem seduzido mais?

CC: Caim de casualidade no mundo audiovisual quando fui escolhida numha prova para a série Rias Baixas, a que me apresentara quase como um jogo. Botei seis anos trabalhando ali, e quedei fascinada pola linguagem audiovisual. Acho que, como jornalista de formaçom, sempre me atraiu mais o mundo de detrás da câmara, poder controlar a história que se conta, contar as minhas próprias histórias. Por isso, paulatinamente, fum-me centrando mais em trabalhos de guionista e de produtora, dado que a pequena indústria audiovisual do nosso país e o tipo de histórias que me interessam nom permitem um sistema de trabalho tam compartilhado como o das grandes produções comerciais.

Atualmente, junto com dous sócios, tento sacar adiante projetos escritos ou produzidos por mim, que se afastam dos assuntos habituais. Os meus companheiros e eu gostamos mais de temas culturais, queremos empregar o audiovisual como ferramenta de divulgaçom da nossa memória histórica, que nom é só a memória da Guerra Civil mas a dum povo cuja história está ausente dos livros de história e das escolas.

PGL: Como estudante de jornalismo, dentro do teu trabalho de doutoramento, elaboraste um trabalho que tinha como alvo umha experiência de televisom participativa em Chantada. Que recordações guardas daquela experiência?

CC: Foi umha experiência muito boa. É complicado coordenar tanta gente, que o processo fora verdadeiramente participativo. A minha proposta aspirava a que os vizinhos e vizinhas fossem os autores daquela série, que participassem em todas as fases da produçom, da escrita do roteiro à montagem. Como a experiência durou mais de três anos, é logico que houvesse períodos em que o interesse decaíra, ou que as circunstâncias pessoais de cada quem impedissem um compromisso permanente com o projeto. Mas os seis capítulos da série fôrom finalmente concluídos e emitidos com sucesso na televisom local de Chantada. Acho que esta experiência gerou umha inquedança em muitas pessoas moças, que descobrírom umha vocaçom polo audiovisual ou a interpretaçom. Depois de Cabodomundo, tenhem-se gravado várias curtas em Chantada. Eu penso que algo tivo que ver a experiência.

Instantâneo de um espetáculo de Barriga Verde

PGL: Recentemente, nas Jornadas de Língua, Cultura e Ensino, organizadas pola AGAL e a faculdade de Ciências da Educaçom, tens apresentado um dos teus últimos projetos: Barriga verde. De onde nasce o teu interesse polos monicreques?

CC: É o que tem andar a tantas bandas! O meu projeto de tese tem a ver com o teatro como forma de comunicaçom das comunidades, o que me levou a escolher o caso de Barriga Verde como o derradeiro personagem de títeres populares que ainda permanece na memória de muitas pessoas na Galiza. Paralelamente, com os meus companheiros de TINTIMAN estamos a produzir um documentário sobre esta personagem.

Acho que os títeres de luva, que é o tipo de monicreque mais habitual no teatro popular e itinerante, constituiu umha expressom muito interessante da cultura popular nos contextos rurais e onde a cultura era de transmissom maiormente oral. Esse foi o casso da Galiza até bem entrado o século XX. Interessam-me muito as formas de expressom do povo, o jeito em que muitas vezes se apropriaram de formas ou de textos da cultura elevada e os subvertiam para os tornar numha forma de contestaçom contra o poder.

PGL: No concelho de Barreiros tens desenvolvido um “ativismo marinho”. Mais talento e menos cimento?

CC: É como se o cimento, e toda a conceçom do território que este representa, estivesse a tapar todo o talento da gente deste País. Nom é umha metáfora, é umha realidade palpável. Destruindo a paisagem destruímo-nos nós mesmas, mostramos um desprezo imenso polo que somos. Os governantes deste país já demonstrárom a sua falta de sensibilidade, a sua ignorância e incultura, fomentando politicas urbanísticas selvagens que estám a destruir as nossas costas. Barreiros é um exemplo dramático disso, e por isso foi o berço deste movimento, que acho que se vai estender a outros lugares da Galiza.

Para mim, participar neste coletivo na terra da minha mãe, que eu vinculo a muitos momentos mágicos da infância, significa retornar às raízes. E nom quero que um fato de governantes corruptos acabe de destroçá-la. O talento, que pode soar algo abstrato ou mesmo pretensioso, significa para mim a força criativa que todas as pessoas tenhem, a energia que acaba com a passividade e devolve o poder às cidadãs.

Roteiro contra o cimento na Marinha

PGL: Como foi a tua chegada ao reintegracionismo? Para além da via familiar, que outros projetos ou pessoas te tenhem seduzido?

CC: A via familiar foi muito importante, eu criei-me sabendo que, além do galego que me ensinavam na escola, existia outra opçom mais coerente. O feito de o reintegracionismo começar a ser naturalizado por coletivos diversos, que o usavam publicamente, ajudou-me a pensá-lo como umha opçom possível. É o caso do Novas da Galiza, umha das propostas mais interessantes da comunicaçom independente neste País, que com os anos foi ganhando em variedade de conteúdos e pluralidade.

Também o ridiculismo de “Sei o que nos Figestes…” contribuiu a eliminar muitos preconceitos que arrodeavam o coletivo reintegrata. Acho que nengum sector da sociedade galega desenvolveu um sentido do humor tam inteligente como eles. Para mim, a comparsa de 8 de fevereiro de 2009 (Sunday-Pottery Sunday), formada por toureiros e faralaes “acompanhando” a de Galicia Bilingüe, foi a manifestaçom mais divertida em que participei nunca. Acho que outros movimentos sociais e políticos deviam de tomar nota.

Comba na Fundaçom Artábria, apoiando
o Dia das Letras de 2009 para Carvalho Calero

PGL: Na tua biblioteca figura o Dicionário Estraviz, tem-te ajudado muito?

CC: Sempre. Atualmente uso mais o dicionário eletrónico, que é completíssimo. Acho que é o mais completo e fiável de todos os dicionários que se tenhem feito de galego. Sem dar nomes, alguns dicionários “oficiais” mudam dum ano para outro muitas entradas, e o que em 1999 era válido agora é um castelhanismo. Nom sei se o fam para venderem mais exemplares, mas nom acho sério. Com o Estraviz isso nom se passa, ademais de que tem em conta todas as possíveis opções normativas da usuária, o qual é de agradecer.

PGL: Que linhas estratégicas pensas que devemos seguir as pessoas e instituições que estamos por umha via galego-brasileira para a nossa língua?

CC: Acho que a visibilizaçom é fundamental. Os meios e as instituições oficialistas teimam em invisibilizar o reintegracionismo, marginando pessoas e coletivos mui valiosos para a cultura galega polo simples facto de defender a norma reintegrata. Por isso é fundamental que o reintegracionismo se dote de ferramentas de expressom próprias (publicações, portais, editoras) e que podam interessar ao público que desconhece ou receia do reintegracionismo. A linha do humor e da criatividade, polas que penso que se está a apostar atualmente, parecem-me básicas.

O sistema cultural galego peca, a meu ver, dum excesso de seriedade; no fundo há toda umha série de “persoeiros” —todos homens, por sinal—, encantados de se perpetuarem nos seus cargos, de que nada se mova para manterem o seu poder. É como umha ordem eclesiástica, amante dos rituais pomposos e valeiros de conteúdo. Fronte a isso, cumprem formas de expressom mais livres e menos institucionalizadas, e aí o reintegracionismo tem muito que dizer.

PGL: Que te motivou a te associares? Que esperas da associaçom?

CC: Motivou-me a “boa onda” que transmitem todas as atividades da AGAL, sobretudo na etapa mais recente. Também o facto de considerar que, de todos os coletivos que andam a defender a língua nestes momentos de regressom, a AGAL é a que fai umha proposta mais coerente. Nom é que espere nada da associaçom, assim, em abstrato, mais do que o facto de eu sentir o respaldo dum coletivo. Espero que o facto de que cada vez sejamos mais pessoas a apoiar esta opçom contribua a fazê-la mais visível e que comece a ser tida em conta como umha possibilidade real.

Conhecendo Comba


  • Um sítio web: Nestes tempos de saturaçom informativa, mais que um sítio web recomendaria algumha rede social coletivamente construída… Acho que já há algum intento, mas ainda nom se conseguiu criar umha alternativa ao Facebook sem os riscos de controlo que esta tem…
  • Um invento: Debato-me entre Internet e a bicicleta! A primeira porque abre a possibilidade dumha comunicaçom livre e nom mediada, mas também entranha os seus riscos… A segunda, porque combina um meio de transporte limpo e um exercício saudável… Ambos som o futuro!!
  • Umha música: Os cantos tribais dos pigmeus, ou qualquer forma de canto tradicional dos povos do mundo.
  • Um livro: Custa-me escolher um só! Em literatura, Merlim em família ou Se o Velho Simbad volvesse às ilhas, de Cunqueiro —ainda nom topei nada que o superasse!—. Em ensaio, Decrescimento, crise e capitalismo, de Carlos Taibo.
  • Um facto histórico: as revoluções dos povos do mundo que começam a erguer-se contra as injustiças. Estám os exemplos mais próximos dos países árabes, mas também, ainda que mais calados, os movimentos indígenas na América Latina… Entanto, em Ocidente, ficamos diante da televisom…
  • Um prato na mesa: Som um bom garfo, mas os meus hits som um bom cozido ou umha caldeirada de peixes variados.
  • Um desporto: Ioga, nadar, dançar, andar na bicicleta, andar… E se podem ser ao ar livre, muito melhor.
  • Um filme: “Aquele querido mês de agosto”, de Miguel Gomes, ganhador no festival de Filminho de 2008. Gostei muito do jogo que fai entre a ficçom e o documentário.
  • Umha maravilha: As ondas batendo na ponta do Castro, na costa de Sam Miguel de Reinante.
  • Para além de galega: virada ao mundo e a todos os seres que o habitam, à luita contra todas as injustiças e formas de opressom.

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