Diego Garcia: “É importante que a sociedade portuguesa conheça a situação da língua da Galiza e o que está em causa”

2 Diego Garcia é um simbiose galego-portuguesa, Mesquita e Santa Comba de Dão. É dos poucos galegos que desfrutou de aulas de português no ensino primário. Atualmente mora no distrito de Viseu e trabalha nos distritos de Viseu e Castelo Branco como funcionário do Bloco de Esquerda. Tem muita curiosidade pola figura de Carvalho Calero e o que entusiasma da AGAL é a luta polo reintegracionismo.

Diego Garcia é um luso-galego. Nasceu em Ourense. A sua família materna é da Mesquita e a paterna de Santa Comba Dão, distrito de Viseu. Como vivias, em criança, esta riqueza?

Vivia esta situação com muita naturalidade. Vim para Portugal em 2009, mas mesmo vivendo na Galiza passava muito tempo em Portugal, nomeadamente durante as férias de verão. Na altura, se calhar não a via como uma riqueza em si ou não pensava nesse conceito para a definir, mas sim como uma coisa natural até porque passando a minha infância e adolescência entre a Mesquita e Verín sempre houve muito contacto com as gentes de Portugal, seja de âmbito comercial, social e cultural. 

A tua ligação com uma perspetiva galego-portuguesa da língua é antiga. Para além de questões familiares a variedade de Mesquita também ajudou, não é?

Sim, é verdade. Por exemplo, quando estava no CEIP Augusto Assia, na Mesquita, a fazer o meu ensino primário tive alguns anos de português, com uma professora portuguesa. Se calhar também ajudou o facto de ser um concelho raiano.

A língua na Mesquita é bastante peculiar, já que em termos de fonética e escrita desviávamo-nos um pouco do galego normativo. Por exemplo, usávamos o “teis” em vez de “tes”, “dá-te” em vez de “dá-che” ou “camiois” em vez de “camións”. Quando em Portugal se utiliza o “tens”, “dá-te” ou “camiões”, havia uma proximidade maior ao galego-português. As crianças da Mesquita tinham verdadeiros problemas nas aulas de língua galega, pelo menos na escrita! eheh 

Por outro lado, é curioso que quando íamos até Verín ou Ourense já sabiam de onde éramos pela forma como falávamos.

A fala não é exclusiva da Mesquita, já que nas localidades raianas de Portugal e de Zamora, como por exemplo Lubián, ainda se vai falando da mesma maneira.

Qual era a língua das crianças que te rodeavam quando ainda eras um petiz?

3Penso que 100% (não quero exagerar, mas não andará longe disso) dos meus amigos e amigas da Mesquita, quando éramos crianças sempre falamos o galego-português que se falava na nossa terra. Sendo que a medida que iam saindo para estudar no ensino secundário ou superior iam perdendo essa fonética. Agora, que vou lá 3 ou 4 vezes por ano, sei que já não é tanto assim, com muita pena. Cada vez há mais crianças galegas a falar o castelhano na maior parte do seu tempo.

Atualmente resides e trabalhas em Portugal, em que medida foi importante este facto na tua forma de ver e de viver a língua da Galiza?

Ganhei consciência para uma coisa: o lugar certo da língua na Galiza é o galego-português porque é o que é natural. Tenho acompanhado muito, neste últimos tempos, o trabalho que fez Carvalho Calero e há uma frase marcante para mim, “o galego ou é galego-português ou é galego-castelhano”. O desvio para a língua castelhana é perder um pouco da nossa identidade.

Penso que os e as portuguesas também têm um papel fundamental neste processo de aproximação.

Diego é funcionário do Bloco de Esquerda. Que conhecimento e interesse achas que existe, em geral, no quadro político português relativamente à Galiza?

Penso que é como tudo, os assuntos têm de ser trazidos a debate porque com tanta coisa a acontecer no mundo e em tão pouco tempo é normal que algumas coisas se percam.

1No final do ano 2019, o Bloco de Esquerda questionou por escrito o governo, com a ajuda das deputadas Alexandra Vieira e Beatriz Gomes Dias, sobre a implementação da Lei Paz-Andrade em território português nomeadamente com as parcerias nos audiovisuais e o ensino do português na Galiza, teve como objetivo isso mesmo, começar a promover o debate em torno a este tema também Portugal.

Entre as tuas tarefas, fazes parte das equipas editoriais dos dois órgãos de comunicação social do Bloco, o Esquerda Net e o Interior do Avesso. No primeiro meio vais entrevistar o Eduardo Maragoto na sua qualidade de presidente da AGAL. Qual seria a melhor forma de dar a conhecer a situação da língua da Galiza entre a sociedade portuguesa?

Sobretudo é importante abrir e promover estes espaços de debate e discussão, como o vai ser a entrevista do Eduardo ao Esquerda Net, que vai puder falar um pouco sobre tema de várias perspectivas, até numa perspectiva de base. Acho que a comunicação entre Portugal e Galiza, no âmbito da língua, deve ser prioritária.

Depois com o envolvimento de todos, as coisas vão surgindo e vão-se dando passos. Mas é importante que a sociedade portuguesa conheça a situação da língua da Galiza e o que está em causa.

Que te motivou a te tornar sócio da Agal e que esperas do trabalho da associação?

O que me entusiasmou na AGAL e, consequentemente me levou a tornar sócio foi, sem prejuízo do restante trabalho desenvolvido, a luta pelo reintegracionismo.

À medida que fui conhecendo o trabalho da AGAL, ao longo dos últimos anos, e com a referência de Carvalho Calero, uma figura que considero central no tema da língua, no Dia das Letras Galegas fui-me apercebendo que é aqui que me sinto bem.

Para além do trabalho público da AGAL, que toda a gente pode ver se fizer uma breve pesquisa, vi-me surpreendido, depois de me tornar sócio, com uma proximidade incrível por parte dos seus membros e numa capacidade integradora que é impossível sentir que não tomamos a decisão correcta.

Espero que a AGAL continue a trabalhar de forma entusiasmante e integradora como o tem feito, pelo reintegracionismo.

Imagina que estamos em 2040. Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Mesquita e da Galiza nessa data? Como esperas que realmente seja.

Gostaria que esta aproximação da língua da Galiza ao castelhano não fosse a estratégia política e linguística vigente porque toda uma sociedade está a perder um fator de identidade e é disso que também se faz um povo. Gostaria que a Lusofonia tivesse um papel mais importante na Galiza e isso consegue-se com o trabalho que a AGAL faz, sem dúvida.

Seria bom que na Mesquita se continuasse a fortalecer a ligação natural que tem com a língua galego-portuguesa e com Portugal.

 

Conhecendo Diego Garcia

Um sítio web: Interior do Avesso e Esquerda Net

Um invento: A imprensa

Uma música: O Tempo Vai Esperar – Os Quatro e Meia

Um livro: Sempre em Galiza de Alfonso R. Castelao

Um facto histórico: Penso que a Revolução Francesa é um facto importante, onde os ideias que serviram de mote ainda hoje nos acompanham

Um prato na mesa: Polvo da Feira da Mesquita

Um desporto: Futebol

Um filme: Um que vi recentemente e explica o cenário político atual do Brasil: Democracia em Vertigem

Uma maravilha: A Galiza

Além de galego/a: Português

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