Pau Roig é catalão de gema e tem um fraco pola nossa língua e as sociedades que as falam. A malta galega da Universidade e os vídeos breves gravados pola AGAL deixaram pegada nele. Segundo Pau, o isolacionismo valenciano não tem um Henrique Monteagudo. Escreve no seu blogue sobre a língua da Galiza. Enquanto alguém de Maiorca tem de visitar Barcelona para ver a sua língua desenvolvida livremente e em condições de normalidade, no caso da Galiza, temos de procurar em Portugal.
Não é a primeira vez que entrevistamos sócios catalães mas costumam ser galeg@s em origem. No entanto, neste caso trata-se de um catalão de gema. Assim sendo, a primeira pergunta só pode ser uma das que costumam aparecer no final: porque sobes ao navio agálico? O que esperas da associação?
Obrigado! Subo ao navio porque algumas coisas mudaram recentemente na minha vida e tomei uma série de decisões. Uma delas, simbólica, foi entrar na AGAL. O que estou a procurar com isso? Duas coisas, a primeira das quais é poder acompanhar de perto pessoas que amam, falam e escrevem muito bem uma língua que, surpreendentemente, já começa a fazer parte da minha identidade. A segunda, é apoiar um coletivo de galegos e galegas engajados com a língua própria da Galiza e cientes que a sua dimensão internacional é uma vantagem.
Em 2018 começas a aprender português de forma autodidata e nuns meses farás o exame de nível intermédio na UAB. Onde estão os motores deste vontade?
Eles estão na minha paixão pela Galiza (política), Portugal (história) e o Brasil (desporto e religião). Tudo começou devido à Copa do Mundo de 1994, à qual devo as minhas primeiras lembranças desportivas. Apaixonei-me da verde-amarela, e ainda hoje continua a ser minha seleção favorita.
Alguns anos depois, Galiza e Portugal cativaram-me também por muitos motivos, entre os quais sublinharia a minha passagem pela universidade em Barcelona, onde conheci galegos que falavam da história do galego e da opção reintegracionista, um debate que achei fascinante, porém esqueci quase por completo porque não fazia parte do meu ambiente habitual. Mais recentemente, o contacto com lojas portuguesas por motivos de trabalho e a nova procura de informação na Internet sobre o caso galego, significaram o impulso final em direção ao galego-português.
Em termos de estratégia e de comunicação, que caminhos, que ferramentas pensas que podem ser mais poderosas para irradiar a vivência global da nossa língua?
Sou mais de livros e artigos do que de vídeos. Agora, no meu caso a influência dos vídeos breves editados pela AGAL foi bem grande. Pensando nas novas gerações, a música e as animações talvez podam ser uma grande isca.
Em qualquer caso, seja bem-vindo tudo aquilo que melhore a autoestima dos galegofalantes. Uma autoestima forte é mais alcançável a través duma vivência global da língua, que é um dos motores de projetos admiráveis como as Escolas Semente.
Em qualquer caso, seja bem-vindo tudo aquilo que melhore a autoestima dos galegofalantes. Uma autoestima forte é mais alcançável a través duma vivência global da língua, que é um dos motores de projetos admiráveis como as Escolas Semente.
É comum, entre as pessoas que promovemos uma estratégia internacional para o galego, que façamos comparações com a casuística valenciana. Quais as semelhanças e quais as diferenças?
Em ambos os casos temos uma luta pela identidade linguística, e de certa forma o antagonismo que podemos estabelecer entre as posições de Ricardo Carvalho Calero e Ramón Piñeiro encontra o seu equivalente valenciano nos vultos de Joan Fuster e Xavier Casp. Além disso, uma segunda semelhança é a interferência do sentimento identitário no campo científico, o que, somado aos interesses e incentivos derivados da perspetiva de mudanças políticas na Espanha, leva Piñeiro e Casp a mudar de opinião e a enfraquecer os laços linguísticos entre povos vizinhos para afastar o perigo de uma hipotética aproximação política não abençoada por Madrid. Longe disso, Carvalho Calero e Fuster continuam a defender a unidade das faixas linguísticas peninsulares galego-portuguesa e catalã.
Entre as diferenças, podemos sublinhar que, enquanto o galeguismo das últimas décadas parece dividido nesta questão, a defesa da unidade linguística é um ponto comum no valencianismo (do nacionalismo fusteriano até o federalismo espanhol, passando pelo nacionalismo valenciano estrito). Um segundo aspeto diferenciador poderia ser a consistência das propostas isolacionista (Galiza) e secessionista (Valência): o afastamento fonético entre o catalão da Catalunha e o valenciano era e é muito menor do que o afastamento entre o galego da Galiza e o português. Também é vital o facto de que a escolha isolacionista galega tem ferramentas como a RAG ou o ILG, editoras como Galaxia; a sua norma é, de facto, oficial e a grande maioria das pessoas escreve em galego de acordo com essa proposta. É inegável que o chamado isolacionismo tem partidários com grande compromisso galeguista e um nível de conhecimento invejável. Para nos entender, se alguém procura um Henrique Monteagudo no campo do secessionismo valenciano, não o encontrará. O próprio Xavier Casp, provavelmente o secessionista mais lúcido, chegou a ingressar na Acadèmia Valenciana de la Llengua, razão pela qual sofreu ameaças e coerções da extrema-direita durante os estágios finais da sua vida. No entanto, o fracasso académico e cultural não implica que o blaverismo, como um sentimento de identidade expresso histrionicamente, não esteja fortemente enraizado em amplos setores sociais, especialmente na cidade de Valência e os seus arredores.
De qualquer forma, deixando de lado a história, penso que é mais importante falar valenciano do que falar do valenciano. O mesmo aplicá-lo-ia ao galego. Nas ruas, no trabalho, nas redes, em casa e onde for. Porque, como dizem os valencianos, “tota pedra fa paret”.
De qualquer forma, deixando de lado a história, penso que é mais importante falar valenciano do que falar do valenciano. O mesmo aplicá-lo-ia ao galego. Nas ruas, no trabalho, nas redes, em casa e onde for. Porque, como dizem os valencianos, “tota pedra fa paret”.
Pau tem escrito ao respeito do caso galego no seu blogue. Há interesse na Catalunha pola questão galega?
Sim, existe este interesse. Agora, do meu ponto de vista é um interesse muito condicionado por um aspeto fulcral: as eleições galegas costumam ser sinónimo de vitória e acesso ao poder regional de um partido pouco “popular” na Catalunha. Então, em ambientes informados ou mobilizados, a Galiza não tem o glamour que a Irlanda, o País Basco ou a Escócia podem possuir.
Contudo, a forte personalidade cultural e linguística galega é reconhecida. Nesse sentido, fora dos círculos académicos, ninguém vai discutir sobre o processo de unificação da língua basca ou a evolução linguística na Escócia e, no entanto, a situação do galego ou a relação entre galego e português são questões que podem surgir perfeitamente e eu tenho-as ouvido. Tudo isto, sem esquecer o peso da população de origem galega na Catalunha, um facto que se reflete na existência de programas de rádio em galego (como “Galiza… Algo Máis” ou “A Navalla Galega”), o Centro Galego de Barcelona e muitos espaços onde se respira galeguidade.
Falemos agora do catalão. Há, em geral, uma admiração pola sua situação entre as pessoas que desejamos a progressão social das línguas com direitos mas sem deveres, aliás, catalão, basco e galego. Como é que se vive aí a saúde social da língua?
É comum que os maiorquinos e os menorquinos que gostam da sua língua fiquem impressionados, ou até empolgados, quando veem a presença do catalão nos estabelecimentos comerciais catalães. Acontece o oposto, geralmente, quando os habitantes da Catalunha viajamos para essas duas ilhas. Isso pode ilustrar o prestígio desigual da língua catalã nos territórios onde é falada. Em termos de uso social, a situação muda muito dependendo dos bairros, comarcas ou regiões para os quais olhemos. As situações mais críticas podem-se encontrar na Catalunha do Norte (França), em grandes áreas do País Valenciano ou na Eivissa. Eu não sou especialista, mas a debilidade da transmissão intergeracional do idioma e a turistificação são dois pontos-chave.
As situações mais críticas do catalão podem-se encontrar na Catalunha do Norte (França), em grandes áreas do País Valenciano ou na Eivissa. Eu não sou especialista, mas a debilidade da transmissão intergeracional do idioma e a turistificação são dois pontos-chave.
Em suma, eu diria que, concretamente, na Catalunha, os galegos e galegas podem tirar algumas lições duma língua que resiste. Já uma língua, a sua própria língua, desenvolvida livremente e em condições de normalidade, terão de procurá-la em Portugal.
Vamos agora imaginar, um breve viagem no tempo: estamos em 2040. Como gostarias que fosse a fotografia linguística do catalão e do galego? Como pensas que será?
Gostaria que o catalão e o galego fossem as línguas de uso preferencial nos seus respetivos territórios. Apesar disso, a realidade sugere que será necessário resistir, sem perder a alegria, e garantir a sobrevivência dessas línguas. Pode ser cansativo, mas os períodos de resistência são necessários e fazem parte da vida das nações e das pessoas.
Conhecendo Pau Roig
Um sítio web: https://www.nationalia.cat
Um invento: A bicicleta
Uma música: De paso (Luis Eduardo Aute)
Um livro: Sempre em Galiza (Daniel Castelao)
Um facto histórico: A queda de Maiorca em 1715 (Guerra da Sucessão)
Um prato na mesa: Escudella i carn d’olla
Um desporto: Basquetebol
Um filme: The Wind That Shakes the Barley (Ken Loach, 2006)
Uma maravilha: A humildade
Além de catalão: do Barça até o fim