Susana Álvarez: “Em Camarinhas é o professorado o que faz imersão linguística!”

foto1Susana Álvarez é de Redondela e cresceu castelhano-falante até que docentes dinâmicos no seu centro escolar fizeram-na entrar na república de Neo-falantia embora demora uns tempos em se instalar totalmente no galego. É professora de Geografia & História e muitas vezes tem que fazer mais do que dar aulas. Trabalha em Camarinhas com turmas quase 100% galego-falantes. Desde 2010 apostou e aposta forte no português. Como focos estratégicos o binormativismo e a escola.

Susana nasceu em Redondela na década de 80 e a sua língua materna foi o castelhano. Era assim entre todas as colegas da turma?
Era assim… Naquela altura, penso que isto já era o normal no âmbito familiar da rapaziada duma vila como Redondela, na periferia de Vigo, mesmo sendo um lugar com bastante vida cultural e social que usava, e usa, o galego como língua preferencial.
Com certeza, havia exceções… possivelmente em famílias com um nível cultural médio-alto ou com algum tipo de sensibilidade cultural, política… Mas infelizmente, o problema da transmissão entre geracional da língua começava a ser uma realidade. E minha família não era diferente. Nela o galego não estava ausente. Era parte da paisagem sonora da casa porque ainda o falavam o meu pai e a minha mãe entre eles, e com os meus avós. Contudo, já havia um certo desapego que se apreciava em decisões como a de educar os filhos e filhas em castelhano, e mudar de idioma segundo o contexto.
Nas aulas de galego comecei a me sentir retratada quando explicavam o que era a diglossia. A minha família merecia um prémio naquilo! Entendo que, desde os seus preconceitos, agiram para assegurar o melhor para nós. Nunca os reprovei por isso mas não posso deixar de sentir tristeza ante essa perceção das coisas.
Portanto, o castelhano que se falava na minha vila durante os anos oitenta, foi a língua dos jogos com outras crianças, embora o galego estivesse presente nos contos e canções populares da minha avó. Ela, que também se esforçava para falar comigo em castelhano quando menina, acabou sendo paradoxalmente o nexo emocional com a lingua que falo hoje. Gosto de vê-lo assim. Gosto de me lembrar dela assim.

Nas aulas de galego comecei a me sentir retratada quando explicavam o que era a diglossia. A minha família merecia um prémio naquilo! Entendo que, desde os seus preconceitos, agiram para assegurar o melhor para nós. Nunca os reprovei por isso mas não posso deixar de sentir tristeza ante essa perceção das coisas.

A tua neo-falantia, vamos inventar o termo, foi despoletado no teu centro educativo pelo corpo docente e as equipas de normalização. Lembras o processo, as dificuldades, os apoios? Foi um processo em solitário ou tiveste acompanhantes?

Adoro o termo neo-falantia! É tão eufónico! As línguas têm estas coisas maravilhosas: as palavras e a realidade nelas encerrada. Sempre a abrir-nos os olhos! …e com o galego, aconteceu o mesmo nas aulas de final da EGB. Dos anos anteriores não tenho lembranças, o qual dá para pensar.
A partir daí, já durante toda a adolescência, foi no âmbito educativo onde a possibilidade de falar galego diariamente se tornou normal. Penso que a simpatia do corpo docente e da equipa de normalização linguística facilitaram muito as coisas, e ajudaram a ir autoafirmando-me e ganhando confiança. Conversar com o professorado, tirar fotocópias, falar com o pessoal administrativo, pedir algo na cafetaria… eram pequenas conquistas das que saía fortalecida.
Neste caminho não estava soa. Ao contrário do que acontecia na EGB onde todas éramos de procedência urbana, ao instituto concorria alunado das paróquias que tinham o galego por língua primeira. Algumas destas pessoas foram o meu primeiro círculo galegofalante. E muitas delas continuam a sê-lo hoje em dia.
Termos contado com aqueles referentes positivos e o espaço para usarmos a lingua confortavelmente, tem sido importante para todas nós, quer para adotá-la quer para não a abandonar.
Mas não foi um processo nem rápido nem fácil. Quando as aulas acabavam, ficava o mundo familiar e, o da vila em geral, com todo o seu peso. Havia um obstáculo emocional, aprendido… que te levava a colocar limites e escolher espaços e pessoas. Acobardar-se, engrandecer, atuar timidamente… foram sensações habituais ao longo de todo aquele tempo que, com certeza, muitos neo-falantes conhecem muito bem.
Com o tempo, o galego ficou incorporado espontaneamente a mais situações da minha vida, até quase o normalizar.

foto2Ora, a tua instalação definitiva no galego demorou até que começas a trabalhar como professora no sistema educativo galego. Quais os porquês desta demora?
Quando comecei a trabalhar expandiu-se o meu círculo social galegofalante. Eu fomentava-o vivamente. Naquela altura, já só com a família e amizades de infância mantinha o castelhano porque na vida diária, o galego ocupava um lugar preferencial. Então foi que essa demora se tornou incómoda, na altura bloqueavam-me certos temores. Temia a reação das pessoas mais íntimas durante os minutos iniciais duma primeira conversa. Temia que fizessem algum comentário embaraçoso ou, simplesmente, temia que a situação derivasse em ter que dar explicações pola minha decisão… Mas os receios acabam por ser apenas isso e a coisa revelou-se menos dramática, com menos explicações pedidas [lembrar isto, faz-me rir!] e em certa medida, penso que não surpreendeu ninguém.
Enquanto penso sobre isto me dou conta de que apenas há onze anos que sou monolingue em galego na Galiza. Não sei se fico feliz ou triste… Seja como for, mudar de lingua foi no meu caso um processo lento, mais firme e convencido.

És professora na área de Geografia e História e desfrutas com o teu trabalho. Depois de um pouco mais de uma década de docência, que há de diferente com a Susana que acabou a sua formação universitária em 2005?
A realidade do trabalho diário demonstra que numa sala de aula se convive e se desenvolvem pessoas, e que há aspetos educáveis de mais alcance do que saber muitos conteúdos. Trabalhar com adolescentes no ensino secundário tem muito de trabalho social, de acompanhamento e de funções variadas, às vezes, mais do que académicas. Com o tempo, ganhei certa experiência, mas também desaprendi muita coisa da minha área que acreditava dominar… Voltar a ser aluna é sempre uma ideia muito atraente.

Dás aulas em Camarinhas. Que observas do ponto de vista linguístico entre as tuas turmas? Qual seria a fotografia?
Pois a fotografia é bastante atípica tendo em conta a situação linguística noutras zonas da Galiza, onde o galego está a sofrer um retrocesso imparável. Os dados são mui pouco encorajadores…mas as minhas turmas são quase cento por cento galegofalantes. Neste caso acontece o contrário do que eu vivi na escola, já que em Camarinhas subverte-se o papel galeguizador, e é o professorado o que faz imersão linguística!
Apesar disso, acho que muitos deles não têm consciência de se estar a expressar num idioma próprio e diferente do castelhano… A questão identitária fica um bocado esmorecida, e reconhecida por eles e elas noutro tipo de manifestações, não necessariamente na lingua. Eu gostaria de fazê-los entender que não é preciso renunciar a nada. Dá-me que pensar quantos serão capazes de manter o seu galego quando continuarem a estudar na cidade e também, por que não, o facto de turma após turma acabar o secundário, desconhecendo a oportunidade linguística internacional que lhes oferece a língua que falam.

Dá-me que pensar quantos serão capazes de manter o seu galego quando continuarem a estudar na cidade e também, por que não, o facto de turma após turma acabar o secundário, desconhecendo a oportunidade linguística internacional que lhes oferece a língua que falam.

Vamos agora com o lado escuro da norma. Como foram os teus primeiros contactos e quando se tornou numa realidade mais vivida?
Pois é uma relação muito jovem mas com certa presença nestes últimos anos. Algumas dessas amizades com as quais me relaciono em galego são reintegracionistas. Não a maioria, mas sempre houve alguém próximo que mostrava e falava desta opção com naturalidade, mesmo que não fosse a mais popular. As conversas alimentam a curiosidade.
Paralelamente, desde 2010 me atrevi com o português, algo que havia muito que queria fazer: um curso no Camoês em Vigo, uma estadia de verão em Lisboa, depois na Gentalha em Compostela e já o ano passado na EOI. Entendo que a soma destas experiências acabou por me aproximar mais!
No entanto, para mim escrever em reintegrado é quase novo, o meu conhecimento é passivo. De facto, não sei “reintegrar” o galego que falo e escrevo diretamente em português – que melhor ou pior- é a gramática que conheço. Tanto quanto sei, esta é também atualmente a opção de muitos e muitas reintegracionistas. Para além disso, do ponto de vista da estratégia binormativista, optar pelo português, é a aposta mais económica em esforço. Não sei… definir a forma, no meu caso, é um processo em andamento. Por enquanto, como nova proposta que é, tenho curiosidade de aprofundar mais nela para conhecer os prós e contras, que suponho também terá. De momento, eu alterno tão alegremente o meu galego em gramática oficial com o meu português!

Porque decidiste fazer parte da tripulação da AGAL? Que percurso achas que pode ter a proposta binormativista?
Eu sinto muita falta dum discurso otimista arredor da nossa lingua. Sem ignorar que a realidade é adversa, acho que precisamos de uma mudança na estratégia: abrirmo-nos ao mundo e valorizar o que já temos antes que seja tarde de mais. E nisto, encontro que o binormativismo apresentado pela AGAL é a proposta mais motivadora, inclusiva e construtiva que temos hoje no horizonte, aquelas pessoas que nos importamos pelo futuro do galego. Na medida do possível, gostaria de apoiar projetos arredor disto.
Acho que o percurso do binormativismo passa pela educação. Tudo é educável. Estou convicta de que na escola está a semente para uma sociedade mais capaz, também a nível linguístico. Penso que é importante que a sociedade conheça as suas possibilidades, que se forme uma opinião arredor das opções… Do meu ponto de vista, que família informada rejeitaria uma estratégia vantajosa para o futuro do seu filho ou filha? Portanto, considero que um assunto central é a divulgação e também um apoio mais determinado por parte da Administração Educativa.

Eu sinto muita falta dum discurso otimista arredor da nossa lingua. Sem ignorar que a realidade é adversa, acho que precisamos de uma mudança na estratégia: abrirmo-nos ao mundo e valorizar o que já temos antes que seja tarde de mais.

foto5Vamos deixar voar a mente até o ano 2040, duas décadas pola frente. Como é que gostarias que fosse a realidade linguística nessa altura? Como achas que vai ser de facto?
Não sei… A situação linguística geral piora com o tempo, mas seria ideal encontrarmos uma sociedade que tira proveito do esforço de tantas pessoas envolvidas atualmente no trabalho a favor da lingua. Que possamos falar de continuidade ainda… E com certeza, sentir entusiasmo por parte dos jovens para traçarem um horizonte alentador.

Conhecendo Susana Álvarez

Um sítio web: Pinterest, o espaço onde enredo até o infinito e, às vezes, encontro inspiração para as coisas mais insuspeitas.

Um invento: o smartphone. Diariamente, uma perdição e uma salvação em partes iguais.

Uma música: não tenho uma preferência muito definida. Acho engraçadas sonoridades muito díspares. Cada uma para o seu momento!

Um livro: vários!… por escolher um, “Middlesex” de J. Eugenides.

Um facto histórico: inverno de 2002, a resposta social ao desastre do Prestige.

Um prato na mesa: os croquetes caseiros!

Um desporto: adoro as caminhadas na natureza, embora o sedentarismo seja sempre uma ameaça.

Um filme:La virgen de agosto” de Jonás Trueba

Uma maravilha: o verão atlântico, de furgoneta, se possível.

Além de galega: mulher

 

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