Joel R. Gômez | Foto: Xoán A. Soler (LVG)
No livro Ernesto Guerra Da Cal. Do exílio a galego universal, o jornalista e investigador Joel R. Gômez, estuda «uma personalidade muito valiosa e atrativa» do século XX. Ao valorizarem a sua produção, Otero Pedrayo assinalou-o de «mestre da nova galeguidade» (página 114); Antônio Houaiss de «gramático, lexicógrafo, filólogo, erudito do campo ibero-românico, professor sem jaça, Ernesto é homem múltiplo, que no fazer completa seu saber» (p.119); o ensaísta e diplomata português Eugénio Lisboa referiu-se a ele como «grande trabalhador e dinamizador da cultura, galaico-português de dimensões universais, mestre supremo de língua e literatura, sage sedutor, grande civilizado que é também um invulgar mestre de viver»v(p. 251); e o académico norte-americano Odón Betanzos Palacios frisou «su decidida voluntad y acción en defensa de la libertad» (p. 290).Publicado sob a chancela da editora Através, já teve lançamento a 10 de maio na Feira do Livro de Compostela e repetirá a 6 de junho na de Ourense.
Esta é já a tua segunda obra sobre Guerra Da Cal, a terceira se temos em conta a tua tese de doutoramento. Onde começou o teu interesse pela sua figura? Por que Guerra Da Cal?
Sempre me interessou Ernesto Guerra Da Cal. É uma personalidade muito valiosa e atrativa. Comecei a pesquisar sobre ele em 1999, como objeto de estudo da Tese de Doutoramento na Universidade de Santiago de Compostela, sob orientação do professor Elias Torres Feijó e no Grupo de Pesquisa Galabra.
Como se encontravam os estudos sobre Guerra Da Cal naquela altura? Como foi a experiência de pesquisa de uma obra ao mesmo tempo tão grande e tão desconhecida?
Em 1999 Da Cal era reconhecido internacionalmente por contributos sobre Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Rosalia de Castro, García Lorca, e outros assuntos. E também a sua produção literária atingiu alargada projeção e é um referente, por exemplo, para o movimento do neotrovadorismo.
Guerra Da Cal é muito pouco conhecido na Galiza, embora a sua figura adquiriu uma grande importância em Portugal, no Brasil e mais nos EUA, todos eles lugares onde foi oficialmente reconhecido. A que achas que se deve isto?
No livro referencio mais de 50 trabalhos muito valiosos sobre Da Cal publicados no nosso país entre 1959 e 1999, assinados por Fole, Otero, Piñeiro, Risco, Del Riego, Aquilino, Manuel Maria, Franco Grande, Ferrín, Alonso, Bodaño, Casanova, Xosé Estévez, Célia Díaz, Maceira, Durão, Alcalá, Montero Santalha, Henríquez, Posada, Rabunhal, Dacosta, Salinas, Guisán, Gil, Fontenla, Estraviz ou Carvalho, por citar alguns; os portugueses Jacinto Coelho, Lapa, Montezuma e Elsie Da Cal; e de historiadores e especialistas diversos; para além de volumes de homenagem das Irmandades da Fala de Galiza e Portugal e da Associaçom Galega da Língua, e citações em diferentes repositórios e estudos. E o reconhecimento acrescentou-se após 1999, com muitos outros trabalhos, mesmo com alguma distinção oficial, como dedicarem-lhe uma rua e homenagens que patrocinou o Concelho de Ferrol. E ele emerge frequentemente na atualidade galega. É, pois, valorizado, sobretudo como nome principal do exílio galego, como perdedor da Guerra da Espanha de 1936.
Porém, no livro destaca reconhecimentos académicos e institucionais como ter sido membro das Academias das Ciências de Nova Iorque e de Lisboa, dirigente da Hispanic Society of America, na Fulbrigth, na Modern Language Association of America, homenageado polos seus pares na UCLA, condecorações, doutoramentos honoris causa, e outras muitas distinções. Na Galiza o reconhecimento institucional é mínimo.
É verdade, é um dos valores mais desaproveitados da cultura galega. Está numa posição muito secundária para as instituições galegas. É assim porque a solução para o idioma galego que ele defendeu não foi objeto de atenção da agenda política galega até a aprovação por unanimidade, em março de 2014, da Lei Paz-Andrade no Parlamento Galego.
Durante muito tempo, a figura de Da Cal foi associada nomeadamente ao campo literário. Por que crês que sucedeu isto? Há algum motivo além do literário que explique esta caracterização tradicional da sua obra?
Foi, e é, associado ao campo literário, e ao campo científico, por ter contributos muito valiosos nesses campos. Com a singularidade e o valor acrescentado de ser plurilingue, com produção científica e literária em português e galego, que para ele eram o mesmo idioma, além de em espanhol e inglês; e que trabalhou para favorecer o entendimento entre pessoas de diferentes línguas e culturas.
O que significou Da Cal para os estudos sobre Eça de Queiroz?
A Universidade de Coimbra editou os seus principais estudos. São Lengua y Estilo de Eça de Queiroz, de 1954, depois traduzido para português duas vezes em Portugal e outra no Brasil, considerado fundador nos estudos literários lusófonos, como introdutor da estilística e da literatura comparada; e dos 6 volumes e mais de 3.000 páginas da Bibliografia Queirociana, publicados entre 1975 e 1984, muitos críticos e investigadores de referência têm dito que nenhum outro autor, nem Shakespeare, nem Cervantes, nem Camões, nem qualquer outro internacional, dispunha na altura de um repositório semelhante para o seu estudo e investigação. Por esses e outros contributos publicados em Portugal, nos EUA, no Brasil, na França, em Moçambique, também aqui, tem-se escrito que Da Cal significa um antes e um depois no estudo de Eça de Queirós, e da própria Literatura Portuguesa. Ele continua na atualidade no centro dos estudos queirosianos, como referência principal para os especialistas.
Sabemos, e aqui os teus trabalhos são muito relevantes, da estreita colaboração de Guerra Da Cal junto com Lorca nos Seis poemas galegos do granadino. Poderias explicá-lo?.
Também é um assunto já bem estudado, embora se tardassem décadas em conhecê-lo bem. Resumindo: hoje existem seis poemas em galego de Garcia Lorca porque Da Cal foi o diccionario viviente, por utilizar as suas próprias palavras numa conhecida carta a Eduardo Blanco Amor, e o colaborador literário que fez possíveis esses poemas. A ideia de Lorca era escrever talvez um ou 2 poemas galegos, mas em castelhano. Há muitos anos que Ian Gibson, Méndez Ferrín e outros o têm dito: sem Da Cal não existiriam os Seis Poemas Galegos. Neste livro dedico atenção ao tema.
Em que contribuiu Guerra Da Cal para a teoria e a prática reintegracionistas? Que podemos tirar da sua obra na atualidade?
Ele é também centro indiscutível para o reintegracionismo. Já foi indigitado por Rodrigues Lapa, no artigo de 1973 que provocou a famosa polémica com Ramón Piñeiro, como o modelo que se devia tomar de conta aqui. Da Cal presidiu a Comissão para a Integração da Língua da Galiza no Acordo da Ortografia Unificada e, graças às gestões que ele realizou, assistiram representações galegas às reuniões dos Acordos Ortográficos do Rio de Janeiro de 1986 e de Lisboa de 1990. Nenhum outro autor se implicou tanto para a reintegração, que defendeu em numerosos trabalhos e depoimentos aqui e em vários países, como também se esclarece neste livro.
Em relação com o anterior, vens trabalhando no seio do grupo Galabra desde 1999. Quais crês que são as potencialidades e quais os limites da academia em favor do reintegracionismo atual?
Potencialidades, todas, é claro; e a aprovação da Lei Paz Andrade poderá porventura abrir novas possibilidades. Os limites são os próprios de qualquer pesquisa: que haja pessoas com tempo, interesse, dedicação e apoios.
E por último: Que poderão encontrar as novas gerações neste livro e na figura de Guerra Da Cal?
O livro estuda a biografia e a trajetória de Da Cal. Está alicerçado no meu estudo de doutoramento, com atualização até finais de 2014, organizando a informação para favorecer a visibilidade e a divulgação da sua produção e realizações. Confio que resulte uma surpresa valiosa e contribua para incorporá-lo a uma posição de relevo na nossa terra, ele que foi chamado por Otero Pedrayo «mestre da nova Galeguidade». Evidencia assim mesmo, através das muitas publicações periódicas de vários países que se citam, o valor do jornalismo para a construção de uma comunidade e de uma personalidade. E espero que também sirva para potenciar as possibilidades que pode abrir a Lei Paz Andrade para atingirmos uma maior e melhor qualidade de vida e riqueza na nossa comunidade, pois esse é para mim o objetivo central do reintegracionismo.