Kike Martins, reintegrante graças a uma professora do ILG

PGL – Kike tivo a fortuna de ser filho de Mariluz e Valinho. O empurrão ao reintegracionismo foi-lhe dado, involuntariamente, por uma professora do ILG. Acha que as equipas de NL deviam ser multidisciplinares e menos filológicas e Cantos na Maré dar muito jeito para resolver contradições.

Os pais do Kike som de Melide mas sendo novos emigraram para Corunha. Isto implicou umha susbtituiçom da língua? Como educaram os seus filhos?

Emigramos para Corunha quando eu tinha pouco mais dum ano, ainda era eu um proto-galego-falante por questons etárias óbvias. Pouco lembro destes anos, do único do que estou certo é que nunca abandonei o galego, suponho que porque era (e continua a ser) o meu, o da minha gente; nunca sentim que fosse algo negativo, antes todo o contrário. Sempre estivem orgulhoso de falar o galego e de exercer de galego no mundo; isto só pode responder ao tipo de educaçom que tivem na casa, da qual ainda me sinto mais orgulhoso.

Agora moras em Santiago. Como é a experiência de ser galego-falante em Santiago a respeito da Corunha?

Nom vou negar que a experiência de ser galego-falante na Corunha nom seja dura por momentos (sobretudo quando criança), mas acho que foi muito importante no meu desenvolvimento individual. Tenho vivido momentos de discriminaçom e repressom linguística inúmeras vezes, mas sempre estivérom ai a Mariluz e o Valinho (minha mae e meu pai) dando-me forças, carinho, argumentos e orgulho para seguir avante, com mais entusiasmo se calhar.

Além disto, nunca deixei de ter amizades por causa da minha condiçom de galego-falante, nem me sentim discriminado por colega nengum, nem pola maioria do professorado ou pola gente do meu bairro; proletária e emigrada das aldeias. Sempre me sentim muito querido pola vizinhança, polas companheiras e companheiros do liceu ou do colégio e, sobretudo, pol@s colegas de toda a vida; questons todas que iam muito para além da língua que as pessoas falassem ou falam.

Mas fora da vida na Corunha também figem muita vida em Melide, onde a questom linguística nunca tivo muita importáncia no meu desenvolvimento pessoal. Quase toda a gente ao meu redor falava e fala galego mas si que observava que a gente mais nova ia e vai falando a cada passo menos galego.

Ao chegar a Compostela o que percebim é que estava a meio caminho, do ponto de vista linguístico, de Melide e Corunha; é como observar o processo de substituiçom linguística em movimento. Por força tivo que significar mais consciência e, por tanto, mais compromisso na defesa da língua.

Estudaste Filologia num momento em que a Licenciatura, a diferença da atualidade, atraía poucos estudantes. Qual a motivaçom?

Primeiro de todo dizer que quando me matriculei em Filologia na USC havia bem mais estudantado do que hoje na faculdade. O número de novas matrículas desceu severamente nos últimos 10 anos.

A motivaçom de estudar filologia foi muito simples; já que nom podia estudar química por causa do meu pouco amor pola física, decidim apostar na matéria em que tinha melhores qualificaçons.

Foi na carreira quando descobriste o reintegracionismo?

Nom. Por fortuna o reintegracionismo descubrim-no entre a família e o liceu. A família porque me explicava, quando criança, cousas que nom entendia (como podiam ser as faixas e colantes com nh que havia nas manifes do 25 de Julho) e no liceu por ter a sorte dum professorado de língua e literatura galega sensibilizada com a língua e o reintegracionismo.

Na carreira o que descobrim foi a defesa do reintegracionismo por causa do próprio professorado isolacionista. Se para o professorado do liceu eu era umha pessoa que “se saía da norma” e de “especial proteçom” por ser galego-falante na Corunha, para o professorado da faculdade era um tipo da Corunha que se devia acabar de passar ao galego por moda ou “radicalismo” (cousa que eu também entendo legítima -o de mudar de língua pola razom que for, nom o preconceito do professorado-).

Por sinal e por ter a oportunidade de o contar a mais gente, no primeiro exame oral de língua galega que padecim na faculdade, umha reputada filóloga do ILG, ao ouvir dos meus beiços “Galiza” dijo-me que lhe falasse galego e “nom essas cousas que che metem na cabeça”. É dizer, umha injúria à minha educaçom e aos meus princípios. Esse foi o momento adequado para virar defensor do reintegracionismo de vez; enquadrei o reintegracionismo nos valores em que fum criado, muito diferentes dos valores do Stablishment linguístico galego; mais próximo das pessoas que me tinham discriminado linguisticamente por falar galego na Corunha do que das pessoas que tanto me tinham dado para nom “perder a língua” lá.

Trabalhaste de bolseiro no serviço de Normalizaçom Linguística na USC. Quais as tuas satisfaçons como filólogo?

Principalmente forom duas. Dumha banda aprender o ofício de Técnico em normalizaçom linguística. Acho muito importante ter conhecido como se trabalha esta disciplina no ámbito institucional e como toda esta engrenagem funciona, tanto no nível teórico como no prático. Toda esta bagagem pode ser levada fora do institucional e inserir-se dentro de projetos normalizadores alternativos como o da Gentalha do Pichel (de que som sócio desde a sua fundaçom) ou como o da AGAL.

Por outra banda, lá conhecim gente fabulosa. Todas as pessoas ajudárom muito na minha formaçom técnica e teórica. Também devo indicar que esta é a gente do ámbito da normalizaçom que nom acostuma aparecer na foto e que trabalha em condiçons muito precárias em meios e financiamento. Por isto queria destacar, sem desmerecer o resto do coletivo, o exemplo do Xusto e da Isa; que me ensinárom a necessidade, a importáncia e o compromisso do trabalho das formiguinhas.

E quais os teus desesperos?

Pois muitos, na verdade. Desde a escasseza de meios que antes comentava, ao desleixo das instituiçons governativas em matéria de língua galega e mil cousas mais. Em todo caso há duas cousas recorrentes e conetadas com o anterior e entre elas.

Por umha parte a falta de pessoal trabalhando em normalizaçom a nível institucional em comparaçom com outras naçons do Estado e, pola outra, que as poucas pessoas que há som todas filólogas. O óptimo seria que as equipas forem multidisciplinares; filólogos, especialistas em marketing e mercadotécnia, publicistas, etc.

Já fora da normalizaçom estrita, também é desesperante olhar no mundo da filologia galega como poucas pessoas monopolizam postos de responsabilidade nas entidades institucionais que tenhem a ver com a língua. É preocupante porque muita desta gente procede da filologia románica de há 30 anos, umha rama na que ainda hoje tem muito peso a pseudo-ciência pidaliana, que se tem demonstrado como muito marcada por preconceitos nacionalistas espanhois. Para que se me entenda, a filologia espanhola (e a galega atual e oficial, por extensom) som à linguística o que o criacionismo é à biologia. Um claro exemplo do que estou a dizer é a explicaçom pidaliana de como o castelhano se espalhou pola península -o da expansom em triángulo devido às bondades intrínsecas e facilidade para aprender este dialeto latino- que o professor Moreno Cabrera desmontou recentemente num encontro organizado polo CCG. Por sinal, explicaçons com este cheirinho pré-conceituoso e acientífico pidaliano som também as que dam os romanistas galegos para explicar a “separaçom” entre galego e português já em época medieval.

Tens estado em vários grupos de rock. É a música umha via privilegiada para sociabilizar língua e reintegracionismo?

É que se algo está demonstrado é que a música galega -em galego, claro- do século XXI vai seguir o natural caminho da lusofonia, esse que nunca deveu abandonar.

Se durante a década passada a música galega que nos comunicava no mundo era simplesmente mediante as melodias do folque, hoje em dia está a ser a própria língua a que se está a comunicar com o mundo todo graças ao demo esse da lusofonia, no estilo que for.

Isto, do ponto de vista sócio-linguístico é muito significativo. Demonstra a validade da alternativa reintegracionista num caso concreto, na língua cantada (nem estritamente falada, nem escrita). Precisamente pode ser um indício para validar a teoria do galego extenso e útil do mestre Carvalho Calero com o fim de fazer fronte ao processo de substituiçom linguística (a forma menos dramática e “académica” de lhe chamar ao processo que leva, ainda hoje, à extinçom do galego na Galiza).

Se a língua cantada sobrevive naturalmente neste meio de jeito óptimo, e aliás move e comove; se cada dia se tem mais consciência no grémio da filologia de que há que levar esta naturalidade também à língua falada, nom sei que inconveniente pode haver em levá-lo ao plano da língua escrita. “Reintegratas” e “isolatas” temos demonstrado com umha prática tenaz que a nossa língua se pode expressar em alfabeto castelhano ou português -como se poderiam expressar em cirílico os estalinistas galegos ou em ideogramas chineses os maoistas-. O caso é elegermos, informada e democraticamente o alfabeto mais adequado segundo os nossos interesses coletivos como um passo autodeterminativo mais. Neste ponto é melhor que cada pessoa faga as suas próprias análises (de coerência, de justiça e memória histórica, de estratégia linguística, de comunicaçom internacional, etc.). No caso de surgirem contradiçons, sempre se pode ouvir o Cantos na maré para as resolver.

Como achas que se deve difundir a língua entre a rapaziada? Quais achas as melhores estratégias a médio prazo?

Quem puidera ter essa chave mágica, nom é? Em todo o caso acho que as estratégias de difussom ham ser análogas para a rapaziada e para o resto da sociedade.

Acho que vivemos numha sociedade muito ignorante em matéria linguística, inserida em velhos preconceitos que nada ou pouco tenhem a ver com esta ciência. Um indício do que estou a dizer pode ser a minha experiência pessoal. Estou certo de que pudem acabar a licenciatura em filologia galega sem ter noçom sequer do que umha língua é do ponto de vista estritamente natural (evidentemente isto nom foi assi por me tropeçar, por fortuna, com um professor que nada ou pouco tinha a ver com os departamentos de galego e português da faculdade). Se isto pode ser assi para um filólogo o que nom será para umha pessoa doutro grémio qualquer.

Entom, e na minha opiniom, haveria de começar por umha educaçom linguística mais acorde com esta ciência e menos baseada em velhos preconceitos próprios e alheios. Pode-se-lhe ensinar língua galega à rapaziada e à sociedade enquanto se ensina ciência linguística, e à inversa. Acho que neste ponto o reintegracionismo pode fazer muito (e está a fazer, o manual Do Ñ para o NH semelha apontar nesta direçom) e ser vanguarda no país; graças também à cultura linguística do Brasil e de Portugal, bastante mais avançada e democrática que a pan-hispánica (monopolizada polo imperialismo linguístico espanhol) e a galega oficial, o Acordo Ortográfico é um exemplo neste sentido.

Que está a fazer bem o reintegracionismo e que poderia fazer melhor?

O melhor que historicamente tem feito é derrubar os muros do silenciamento mediático, institucional e proselitista a base de trabalho desinteressado e, a diferença do oficialismo, sem procurar subvençons ou méritos.

Também foi importante sair da velha e aborrecida dialética normativa entre departamentos universitários. Atualmente acho que o reintegracionismo abandonou o debate inteletual e o discurso academicista para sair às ruas a propor e construir um modelo linguístico e de relacionamento internacional alternativo para a sociedade galega.

Que poderia fazer melhor? gerir o dinheiro público que leva ao ano La voz de Galicia para revitalizar a língua, quando menos melhor do que o próprio rotativo.

No momento de te associares à AGAL, qual era a tua visom da associaçom? Que esperas dela? Que projetos achas mais interessantes?

A minha resposta está relacionada coa anterior e tem muito a ver com a apariçom da AGLP. Com o nascimento da Academia semelhava claro que a AGAL ficaria libertada do trabalho estritamente académico -necessário mas ao que eu pouco podo contribuir-, polo que supugem que o trabalho da AGAL teria de ser o de ligar o reintegracionismo com a sociedade.

Olhei que a nova equipa diretiva ia andando esse caminho de construçom de discurso e de ligaçom com a sociedade ao que eu algo si que podia contribuir tanto do meu perfil profissional como do associativo, em que levo já vários anos. Achei o momento idóneo para me associar.

O que espero da AGAL é que continue a trabalhar nesta direçom de divulgaçom e conexom com a sociedade, criando uns argumentos e umha cultura linguística alternativa à oficial para a defesa dumha língua ameaçada no seu próprio território.

A respeito dos projetos, acho que todos estám a ser interessantes: desde a loja em linha, a editora, o concurso Musicando Carvalho Calero, a atividade na internet e nas redes sociais, a continuidade e modernizaçom do PGL; enfim, umha cheia de projetos que vam dando frutos. Suponho que mais e melhores ham vir, procuraremos ajudar todo o que se puder.

 

Conhecendo Henrique Martins

Kike com a sua namorada, Maria Abelheira

  • Um invento: a escritura
  • Umha música: O tema central da BSO de Novecento, de E. Morriconne
  • Um livro: Preconceito linguístico. O que é, como se faz de M. Bagno
  • Um facto histórico: a revoluçom galega (que há de vir)
  • Um prato na mesa: polvo com grelos
  • Um desporto: futebol
  • Um filme: Twelve angry men de S. Lumet
  • Umha maravilha: a linguagem humana
  • Além de galego/a: humano, para bem e para mal

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