PGL – Maria Sola reside e trabalha em Ponte Vedra. É uma pessimista ativa e apostatou da fé isolacionista. Pensa que a nossa língua é válida seja falada por 200 ou 200.000.000 pessoas. Não quer perder um braço, mas quer que as suas netas falem a língua que ela fala.
Maria José Sola é professora de português na EOI de Ponte Vedra. Que tem de diferente dar aulas de português na Galiza, quer a respeito da docente, quer a respeito das turmas?
Diferente a respeito de quê? Diferente em comparação com dar aulas de outra língua a pessoas adultas na Galiza? Ou diferente se comparado com ensinar português noutras partes do mundo? Na verdade, desta última diferença não posso falar, pois infelizmente ainda não tive oportunidade de ensinar nenhuma língua fora da Galiza.
Quanto ao primeiro caso, o ensino de português na Galiza quando comparado com o ensino doutras línguas, várias são as diferenças, quer do ponto de vista da professora, quer do ponto de vista das pessoas ensinadas. Como professora, uma das grandes vantagens que encontro é o rápido avanço das alunas no domínio da língua durante os primeiros meses/anos do estudo. Afinal, embora existam algumas divergências entre o padrão galego e os outros padrões lusófonos -nomeadamente na fonética, mas não só-, a língua está ainda mui presente na cabeça das galegas e galegos, e ainda bem.
Outra das vantagens é a atitude geral das pessoas que estudam português: embora queiram, com certeza, passar e obter o diploma, não se sente essa pressão que domina muitas turmas de outras línguas, e que por vezes acaba mesmo por condicionar a maneira como as docentes ministram as aulas.
Porém, uma coisa que invejo das outras línguas ensinadas nas Escolas de Idiomas é a enorme quantidade de material didático de que dispõem. Para nós existe bem pouco, e em muitas ocasiões não se adapta ao nosso tipo de estudantes. Isso obriga-nos a ter de elaborar muitíssimo material, o que, se por um lado desfrutamos, por outro exige de nós -ainda mais daquelas pessoas com poucos anos de experiência nas EOIs- uma dedicação e um esforço importantes.
Um galego, uma galega, quer estudar na EOI e não tem preferência por uma língua qualquer. Como a encorajarias a estudar português?
Essa é boa! Quanto a isso, eu sou bem insistente, quase até à exaustão. Não perco uma ocasião de tentar convencer as pessoas a estudarem português; ou de que não o deixem, caso já sejam alunas.
Mas tenho boas razões. Em primeiro lugar, porque eu gosto de turmas numerosas. Em segundo lugar, e centrando-nos já no encorajamento, porque penso sinceramente que a um galego estudar português merece-lhe mesmo a pena. Como já disse, avança-se mais rapidamente do que noutras línguas; permite comunicar-se com mais de 330 milhões de pessoas no mundo; num exercício de introspeção, ajuda-nos a aprimorar o conhecimento duma das duas línguas A da Galiza -quer seja língua materna, língua por eleição, segunda língua, etc.
Maria José Sola mora em Ponte Vedra. Como se vive em galego na cidade do Leres?
Mal. Não é só que a imensa maioria das pessoas de Ponte Vedra falem castelhano, mas -e bem pior- que muitas delas desconhecem a existência duma outra língua na cidade, quando não a tentam impedir diretamente. Desde ter que pedir três vezes uma torrada, e acabar por pedir em castelhano para que nos entendam, até ouvir dizer “Puentevedra”, experiências sobram para provar o que digo. Isto de “Puentevedra”, por acaso, foi-me vaticinado por um amigo, numa conversa sobre a situação do galego umas semanas antes, e eu não quis acreditar; pensei que viria a acontecer, sim, mas daqui a vinte ou vinte e tal anos. Como me enganei!
Maria José Sola é do clube pessimistas-com-vontade-de-agir. Que alimenta o teu pessimismo?
Devo dizer que a questão linguística, antes de mais, toca-me mesmo o coração e algum outro órgão menos romântico -depende do humor que tenha nesse momento. O engraçado é que eu costumo ser otimista e, quanto à língua, gostava de ser também. Porém, vejo a situação atual, a política linguística que existe (política evidentemente pró-castelhana e exterminadora, só que por vezes mascarada de harmónica e bilingue), a atitude das pessoas perante o idioma e as/os que o falamos, e dá-me vontade de chorar.
Que os meus próprios filhos, por exemplo, me perguntem porque eu falo galego se o resto das pessoas fala castelhano, se será que eu nasci em Galelândia, é razão suficiente para não ter muita esperança, ou não é?
Que alimenta a tua vontade de agir?
A dor imensa que me provoca pensar que nos estão a cortar um braço, são e em boas condições, e não só não nos queixamos como ajudamos na amputação. A necessidade de os meus direitos linguísticos serem respeitados, mais o desejo ardente de ver a língua numa imparável expansão antes do fim da minha vida. Que os meus filhos não acabem por falar castelhano mal entram para a escola pela esmagadora pressão dessa língua. Que eu não seja reconhecida entre as minhas vizinhas e vizinhos como essa que fala galego, por ser quase a única. Que o exemplo dalgumas pessoas convença muitas outras de que é possível viver em galego, em todos os âmbitos e a todos os níveis. E que os filhos das minhas netas ainda a falem.
Maria José Sola foi evangelizada na fé de Português-é-outra-cousa. Como foi o processo de apostasia?
O processo foi lento mas inelutável. Em primeiro lugar, devo dizer que, embora na minha casa só pontualmente se falasse galego, eu tive a sorte de o ouvir diariamente no pátio da escola, com bastantes vizinhos, etc. Daí eu não me considerar uma neo-falante strictu sensu. Quero esclarecer isto porque, em geral, as pessoas neo-falantes têm uma atitude mais aberta para a estratégia reintegracionista.
Depois, eu estudei sempre galego no padrão oficial e até, no curso universitário, os professores de galego eram abertamente contra o reintegracionismo e a relação do galego e o português. Eu fui evangelizada nessa fé. Por cima, os poucos reintegracionistas que conheci nessa altura eram chatérrimos, o que não contribuiu para a minha mudança de ideias.
Porém, conforme fui aprofundando os meus conhecimentos de português, através da minha experiência como professora, fui percebendo que aquilo que me tinham contado não era a verdade, ou toda a verdade. A pouco e pouco fui vendo como o espelho em que nos devíamos refletir era o português, como uma ortografia comum sempre seria uma vantagem e nunca uma desvantagem, como os laços entre as duas variantes são ainda fortes e bem evidentes, ainda mais para os falantes de zonas fronteiriças, como o Val Minhor e o Baixo Minho (de onde eu sou), como devemos fomentar e defender a relação com os padrões portugueses e o resto das culturas lusófonas, como uma excelente maneira de ganhar projeção no mundo.
Contodo, só fiz clique noutra conversa com outro amigo, por sinal também professor de português. Eu estava a explicar-lhe como estava convencida dos benefícios da ortografia comum, embora eu não fosse reintegracionista; e ele riu e respondeu: “Mas isso é reintegracionismo”. Foi aí que eu “saí do armário” e assumi que, afinal, era reintegracionista.
Que temos a ganhar com a estratégia luso-brasileira para o galego?
Muitos são os benefícios desta estratégia. Não falo apenas de benefícios etéreos e intangíveis, tais como o reforço da identidade ou a abertura a culturas irmãs, que de todas é sabido que a maioria das pessoas, infelizmente, não dá um cão por estas lérias. Os benefícios serão também económicos, laborais, tecnológicos, etc.
Assim, os principais benefícios são, do meu ponto de vista: por um lado, conseguir que a nossa língua passe a jogar na primeira divisão, a das línguas mundiais; por outro, e associado ao primeiro, reacender o orgulho e o amor por ela. Desta maneira, a estratégia utilitarista serviria também para, a médio prazo, incutir nas pessoas a ideia de que a nossa língua é válida porque é nossa, quer seja falada por 200 pessoas ou por 200 milhões; e que deixar que na Galiza morra é, como já disse antes, deixar que nos cortem um braço.
Por onde deve transitar o reintegracionismo para avançar socialmente e tornar-se “sentido comum”?
Na minha opinião, é fulcral difundirmos o conhecimento real dos outros padrões lusófonos; quanto mais soubermos deles, mais entenderemos que o reintegracionismo é pura lógica. Nesse sentido, considero importantíssimo o trabalho desde a infância, tal como os ateliês Percussões, que irá garantir esse conhecimento nas gerações futuras.
Convém, também, certa tolerância com os defensores da estratégia oficial, construirmos pontes em vez de muros. Além de que a razão não costuma estar toda de um único lado, com certeza a maioria dessas pessoas ama a língua tanto quanto nós.
De facto, a rejeição que ainda hoje provoca o reintegracionismo originou-se, em parte, em atitudes passadas mais radicais -a propaganda interessada também ajudou, é claro. O próprio nome mete medo a muitas/os, que o associam erradamente a posições e comportamentos que não compartem. Por isso me parecem tão acertadas as campanhas atuais da AGAL cujo objetivo é acabar com o preconceito das/dos reintegracionistas como um feixe de “friquis”, mostrando a diversidade da sua base social.
Que visão tinhas da AGAL, por que te associaste e que esperas da associação?
Associei-me porque gostei do trabalho que estavam e estão a desenvolver em prol da língua, e só espero que entre todas lhe consigamos dar continuidade.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?
2020? Mas isso é já! Se em 7 anos conseguirmos que todas aquelas pessoas cuja língua materna foi o galego esqueçam os preconceitos e voltem a usá-lo em todos os âmbitos da vida, muito teríamos andado. E se, através disso, as novas gerações o aprendessem desde os primeiros anos de vida, como a sua língua principal de comunicação, teríamos ganho uma importante batalha.
Conhecendo Maria Sola
- Um sítio web: Ciberdúvidas. Tantas vezes me resolve a vida!
- Um invento: O telemóvel.
- Uma música: Tómbola.
- Um livro: Qualquer um dos que me abriram as portas da aventura de ler: Astérix, William Brown, Mortadelo…
- Um facto histórico: A Guerra Civil.
- Um prato na mesa: um excelente presunto numa torrada de pão com tomate de casa; de sobremesa, um pedacinho de chocolate amargo com amêndoas.
- Um desporto: Natação.
- Um filme: Shrek.
- Uma maravilha: Três: os meus filhos e a alegria de viver.
- Além de galega: Outra cousa que também sou por acaso e que também me define: mulher.