Matias G. Rodrigues, licenciado em História da Arte: «É preciso espalhar a mensagem, dado que esta está já conformada, e tem as de ganhar»

PGL- Matias G. Rodrigues é neofalante de 23 anos de Ponte Vedra, começou a falar galego na universidade uma vez vencido o medo à sua incompetência. Desde o começo, tanto influído polo contexto da corrente política em que ia penetrando como por textos, vídeos, livros como Do Ñ para o Nh de Valentim R. Fagim e algum curso na Gentalha. É licenciado em História da Arte e acaba de chegar de fazer um mestrado em Barcelona.

De Ponte Vedra, neofalante e dum contexto familiar e social onde o galego não existia em modo algum, com a excepção de ser a língua empregue por algum professor nalgumas poucas matérias durante o ensino secundário. Como foi o passo?

No centro de Ponte Vedra pode-se viver sem escutar galego em absoluto. No meu caso, cresci numa família onde todos falam castelhano, os meus companheiros de escola e liceu falavam castelhano, os meus livros estavam em castelhano, e mesmo algum professor do colégio dava as aulas de Galego em castelhano (por incrível que pareça). O passo, em consequência, foi lento, mui lento, já que até chegar a Compostela nunca vivera propriamente num contexto galego-falante, nem falara a língua durante mais de duas ou três frases seguidas (nas aulas do liceu e sem demasiada competência).

Como foi assumida esta mudança entre as tuas amizades, família…?

Com profunda estranheza, com certeza. A minha mãe, por exemplo, não sabe falar o idioma, dado que ninguém na família o falava e também não o estudara no colégio, pelo qual para ela era quase como se falasse uma língua estrangeira; muita gente criada em galego ignora a quantidade de gente na Galiza que está neste caso, pessoas que não têm propriamente nada em contra da língua, é só que esta não formou parte da sua infância, conformação pessoal, relações profissionais, etc. Seja como for, a maioria destas pessoas, em especial a gente nova, é muito receptível à mensagem reintegracionista; simplesmente, como vivi eu mesmo a respeito dos meus amigos, nunca tiveram a possibilidade de discuti-lo porque nem sabiam o que era, por mui razoável, ou mesmo óbvio, que lhes parecesse depois.

Acabas de chegar de Barcelona, de fazer um mestrado. Sempre se diz que havia que enviar aos galegos e galegas a Portugal, mas há muitas pessoas que morando na Catalunha, e em contacto com o catalão tiveram o insight. É o teu caso?

Embora eu já falasse e escrevesse em concordância com esta visão antes de ir embora, o certo é que foi toda uma experiência. Em realidade, basta com apanhar o autocarro do aeroporto à cidade para ver como poderiam ser as coisas na Galiza (digamos numa Galiza hipotética, culturalmente dirigida por gente que se preocupasse pela nossa língua mais do que pelas subvenções). Uma voz em off avisa das paragens em catalão e inglês, e vais observando como todas as lojas têm a rotulação no idioma do país; surpreendentemente, a gente parece saber que taronja significa “laranja”, ou lloguer “aluguer”, e também não se perdem os turistas.

Em termos gerais, a visão da língua é muito diferente lá, para começar porque a sua estruturação política e consciência nacional é muito diferente. A questão da “utilidade da língua” simplesmente não tem lugar: é o seu idioma, e usam este (tanto nos supermercados como na universidade), como em qualquer sociedade sã. Pelo que respeita ao meu caso, não podia deixar de pensar no triste que se tornava que, após um curso antes de ir embora, o próprio contato com a gente lá e um pouco de vontade, falasse catalão sem (demasiada) vergonha o primeiro mês, porque sei que provavelmente saiba eu mais catalão do que muitos galegos sabem o seu próprio idioma. As diferenças manifestavam-se constantemente; baste mencionar o facto absurdo de que em Barcelona há infinidade de livrarias nas quais podes pegar em livros escritos por portugueses, angolanos ou brasileiros no nosso idioma, quando isto não acontece em nenhum lugar da Galiza.

Que te motivou a viver o galego como sendo extenso e útil?

Num primeiro momento, como muita gente educada em castelhano, creio que foi antes bem uma posição “inteletualista”, por assim dizer, algo que achava evidente em termos argumentativos, mas não vitais. Tive que ter contato com a realidade em galego para tomar consciência da verdadeira natureza do problema, que é em realidade muito mais simples: é a minha língua.

Por outra parte, longe da retórica dos livros de texto do colégio e liceu, nunca senti a nossa língua como algo exclusivo da Galiza, como algo que rematasse magicamente onde o faz o nosso mapa. Nunca senti Pessoa como “menos meu” que o Manuel António, pelo que desde o começo optei pelo reintegracionismo como algo óbvio em si mesmo. Com respeito à ortografia, não é nada que um curso (uma hora no Pichel!) não possa arranjar, quanto menos para te poder manejar com maior soltura (estar a umas poucas normas ortográficas de distância de 250,000,000 de pessoas está bem, né?).

És licenciado em Historia da Arte, existem laços entre a Galiza e o resto da lusofonia no teu campo?

Em absoluto (quanto menos laços reais, isto é, os que existem entre iguais). Embora existindo evidentes e contínuos contatos com a arte portuguesa, um tudense poderia licenciar-se em História da Arte em Compostela sem saber absolutamente nada da arte do Porto, por exemplo. A nível investigador, o autismo é semelhante, e mesmo os congressos “ibéricos” costumam a se conceber como congressos de arte “espanhola” (ainda estou a aguardar pelo que pode isso significar), entendendo a portuguesa como uma sorte de “apêndice” pitoresco, em todo caso menor (e pior). Mesmo quando as conexões entre a arte galega e brasileira (talvez mesmo mais que com a portuguesa) sejam cada dia mais evidentes, é algo que se sai dos parâmetros discursivos (é dizer, ideológicos) da universidade galega, pelo que simplesmente se ignora.

Achas que se conhece a arte lusófona na Galiza e ao contrário? Como se poderia trabalhar este tema?

Na atualidade, os estudos de História da Arte contemplam três matérias obrigatórias sobre “arte espanhola” e outras tantas sobre arte galega (algo disparatado, ao entenderem por isto literalmente a arte que podemos topar nas fronteiras da atual C.A.G., o qual se evidenciava tão absurdo em termos artísticos como históricos). Conhecer a arte da Lusofonia a nível académico seria tão simples como inclui-la nos programas de estudo; isto possibilitaria que se publicasse mais e que se celebrassem mais exposições, para que assim o conhecimento popular (tanto o nosso como o das demais nações lusófonas a respeito da arte galega) se espalhasse. Porém, com muitos historiadores sucede o mesmo que com outros tantos filólogos: não existe vontade qualquer de tender pontes; preferem morrer com as janelas bem fechadas antes que reconsiderar a sua postura. Se não nos respeitamos nem nós, como estranhar-se de que o diretor do Centro Galego de Arte Contemporânea (de nacionalidade portuguesa) fale em castelhano?

Na tua opinião, por onde deve caminhar a estratégia luso-brasileira para avançar na sua sociabilização?

Creio que há que deixar de negociar com o carcereiro. A estratégia luso-brasileira está aqui para ficar e não há permissões nem concórdias que buscar com quem antepõe os seus interesses económicos e ideológicos aos da língua. É por isto que o labor da AGAL é importante, porque tem como vontade primeira somar forças, socializar e formar, reforçando assim o nosso lugar no mundo. Por isto, creio que o caminho está já marcado, e não é outro que a expansão progressiva duma muito feliz mensagem: crias que te podias comunicar com dois milhões e meio de pessoas, quando em realidade, podes fazê-lo com quase trezentos, e assim também escutar a sua música, ler os seus livros, aprender a sua História, etc. Numa palavra, o que é preciso é espalhar a mensagem, dado que esta está já conformada, e tem as de ganhar.

Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associar e que esperas da associaçom?

Eu via a AGAL como uma meta à que me ia levar muito tempo chegar, porque eu, como tantos outros, passei pela fase do “não sei escrever”. Porém, bastou-me com conhecer gente vinculada à associação para me dar de conta de que a coisa não consiste em fazer exames, e que todas e todos estamos lá para aprender e crescer. De súpeto, tudo se tornava óbvio e natural (é como diz o Hegel, a necessidade só é percebida de jeito retrospetivo).

Uma cultura, ou está viva, ou não é tal. Do mesmo jeito, as normas e as academias podem ser tanto uma plataforma de arranque como uma sentença de morte; para mim, desde o começo, era bastante evidente a diferença essencial entre o folclorismo inerte do “galego-está-onde-a-Galiza-estar” e o internacionalismo representado pelos reintegracionistas. Ainda sendo historiador (ou talvez precisamente por isso), se tenho que escolher entre uma língua para recitais, nostálgicos relatos medievais, subvenções e ortografia estrangeira, ou bem uma língua internacional, viva e concorde à fala da grande família de que formamos parte, creio que escolho o segundo. É por isso que só aguardo da AGAL que continue o seu labor, e estar aí para ajudar naquilo que puder.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

Uma imagem simples, embora muito eloquente, seria que pudesse fazer algo tão simples como saír da casa, atravessar um par de ruas, tomar um café com gelo sem o subsequente “¿café con hielo?”, e depois ir comprar na livraria o último de Gonçalo Tavares, sem traduções que não precisamos.

Conhecendo Matias

 

  • Um sítio web: http://www.discogs.com/
  • Um invento: O post-punk de Manchester e Liverpool.
  • Uma música: Qualquer coisa cantada por Alison Statton ou Kevin Rowland, ou gravada pela Velvet entre 1966 e 1968.
  • Um livro: Trópico de Capricórnio, de Henry Miller.
  • Um facto histórico: O desenvolvimento da cultura afro-americana desde o desenvolvimento do blues até o sucesso da Motown.
  • Um prato na mesa: Qualquer em que não intervenha a exploração animal.
  • Um desporto: Ler?
  • Um filme: Morangos silvestres, de Ingmar Bergman.
  • Uma maravilha: A coerência de Harold Pinter.
  • Além de galega: Comunista.

Comentários estão fechados.