Neal Baxter: «Acho que desde há tempo já as línguas são vistas como realidades sociais»

Robert Neal Baxter

Robert Neal Baxter

Quem fala a minha língua? Vol. 2 é o último volume da coleção Através da Língua, da Através | Editora. Conversamos com o seu coordenador, Neal Baxter, da Faculdade de Filologia e Tradução na Universidade de Vigo.

Que fala a minha língua 2 é a continuação de um volume que saiu em 2013. Que te motivou a coordenar o presente livro?

Assisti à apresentação do primeiro volume com Jairo Dorado em Compostela e gostei muito. Ao comentar ao Valentim Fagim outras línguas que eu incluiria, convidou-me a coordenar o seguinte volumem e aceitei.

Na introdução afirmas que os artigos que recolhe este livro evidenciam casos de plasticidade quanto à identidade das línguas que podem servir para alimentar o debate em volta do galego-português. Em que medida podem ser úteis nesta tarefa?

No caso de variedades linguísticas muito próximas com ou sem uma história comum, por razões ideológicas se pode codificar a variedade escrita culta destas variedades de uma forma intencionadamente convergente ou intencionadamente divergente. À diferença das línguas abstand, radicalmente diferentes entre si (caso, por exemplo, do chinês face ao finês) a possibilidade de interferência entre elas é mínima, por não dizer nula. Mas em casos como o galego, a respeito de outras variedades do galego-português moderno, existe uma espécie de membrana flexível que permite uma osmose permanente. Esta osmose pode regular-se para determinar em que sentido vão preferentemente as influências, determinando assim a forma que tome a variedade codificada final. Fatores como a diglossia afetam a pressão osmótica, com uma clara influencia sobre o galego. O isolacionismo, em parte, aproveita este facto para, baseando-se na escrita já conhecida do espanhol, alfabetizar mais rapidamente em galego ao tempo que, em teoria, foge de ‘castrapismos’, preferindo cunhar formas próprias que não coincidam nem com o espanhol, nem com o português. Acho que o galego pode manter a sua própria identidade como tal, essencial como elemento de coesão da identidade do povo galego, sem fundir-se nem no espanhol, nem no português, ambas as línguas percebidas socialmente como estrangeiras, ao tempo que tende para a recuperação de formas históricas em vez de recorrer a espanholismos, confluindo, na medida do possível, com o português padrão, mais ao mesmo tempo sem renunciar a ser galego. Assim, o galego existe enquanto o povo continua a identificar uma língua com esta denominação, mas o que é ou poderia chegar a ser é muito plástico e responde a fatores sociais e ideológicos.

O livro tem como centro a identidade, que é uma realidade social. Ficaram atrás as visões antropológicas das línguas como sendo seres vivos com pais, mães e demais família? Será que por fim são visualizadas como realidades sociais?

Acho que desde há tempo já as línguas são vistas dentro da disciplina da linguística como realidades sociais. As línguas existem, mas as fronteiras são linguisticamente ambíguas. Identificam-se socialmente: falo tal ou falo cal. A denominação importa, pois revela a perceção ideológica que tenha uma língua num determinado grupo de falantes. Sem nome (a fala…): dialeto, com nome próprio diferente do resto (galego vs. português).

Revisando as línguas que aparecem no volume, vê-se o peso fulcral de indivíduos e elites na sua criação e desenvolvimento. Qual o peso do “povo” neste processo?

As línguas são fundamental e originariamente criações populares. A codificação é realizada por elementos do povo que têm maior acesso à educação formal e dispõem de maior tempo do que muitos outros elementos do povo. Mas, acho que a elaboração não se deve fazer de costas ao povo, pois a língua pertence-lhe. A engenharia linguística é possível e até desejável em muitos casos, mas se não progride com um ritmo acorde com o que pode assumir a povo, pode causar rejeição e mesmo desafeição linguística. Isto é muito mais acentuado em casos carentes de normalidade linguística como o galego que sofrem o peso de um outra língua dominante.

Quem fala a minha língua - vol 2No seio do reintegracionismo, a Noruega e o norueguês é um referente de emulação sendo um dos poucos casos em que uma língua nacional, com estado, tem dous padrões. Em que medida se poderia importar esse modelo?

O caso da Noruega é muito complicado. Existem, por um lado, dois padrões cultos escritos muito similares e, pelo outro, unha fragmentação dialetal importante que não coincide totalmente com nenhum destes padrões. As zonas optam por um ou outro padrão, mais garantindo uma parte determinada do ensino na outra variedade. São muito similares entre si, mas também são a causa de um conflito quase permanente. Detetam-se tendências convergentes, onde a variedade dominante (bokmål) recolhe elementos da variedade minoritária (nynorsk), mas também existem outras correntes tendentes para acentuar as diferenças.  O certo é que o bokmål se poderia tomar como exemplo da variedade mais ‘integrante’, pois coincide muito mais com o dinamarquês, mas o certo é também que o dinamarquês representa, historicamente, mas o papel do espanhol trasladado ao caso do galego do que o português.

No caso das variedades germânicas presentes na França, na Alsácia e na Lorena, os autores defendem adotar um modelo de língua baseado no alemão padrão. Que entraves teria, ou tem, a opção de criar um padrão local?

O alemão, à diferença do português, por exemplo, é uma língua europeia de altíssimo prestígio, assim resulta mais fácil tê-lo como referencia culta. Para além do mais, também convém recalcar que historicamente o alemão padrão foi a variedade culta escrita das diferentes variedades locais. No caso da Suíça mantém-se uma harmonia entre as falas suíças orais e o escrito quase idêntico ao alemão padrão da Alemanha e da Áustria. No caso da Alsácia e da Lorena, porém, as variedades locais acham-se numa situação muito mais fraca e vulnerável. A implantação do alemão como variedade culta poderia suplantar as falas locais. Lembro que uma mulher falante de alsaciano me comentou um dia que se era o caso de trocar a sua fala pelo alemão, quase preferia optar pelo francês, igualmente estrangeiro… A situação social e a diglossia a respeito do francês dominante não sempre permitem a aplicação das propostas filológica e historicamente mais solventes.

Já para acabar, que línguas terias vontade de ter tratado neste livro e infelizmente ficaram fora?

Existem muitos mais caso de grande interesse. Num primeiro momento procurei incluir um capitulo sobre o processo de codificação diferenciador dos que não são mais que duas variedades nacionais de uma mesma língua,o bahasa Malásia em contraposição ao bahasa Indonésia, mas não consegui entrar em contacto com nenhuma pessoa perita no tema. Um caso que acho de especial interesse pessoal é o da codificação do azerbaijanês ao longo do tempo (arabização, cirilização, romanização) e a falta de coincidência total com o turco da Turquia, cuja história recente bem merece a pena parar-se a conhecer. Também seria muito interessante contrastar e analisar os processos de codificação diferenciada das variedades fínicas da Suécia (meänkieli) e da Noruega (kven) junto com o careliano. Existem casos também interessantes como a codificação da variedades grega excêntricas  da Itália (griko) escritas habitualmente com alfabeto latino a respeito do grego da Grécia. Acho especialmente interessante o caso da separação e constituição em língua própria do africânder (afrikaans) a respeito dos dialetos neerlandeses originários. A lista não é completa, ao tratar-se de um fenómeno muito estendido pelo mundo.

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