PGL – Pablo Blanco é corunhês, namora com uma portuense e em Portugal descobriu que feixe não se usa só para os grelos. Conheceu o reintegracionismo através da Gralha. Sendo soberanista e de esquerdas, propõe desligar o projeto linguístico e comunitário reintegracionista de projetos políticos soberanistas e de esquerdas.
Para que os leitores te conheçam, por que não te apresentas, Pablo ?
Olá, sou o Pablo, tenho 34 anos, sou da Corunha, morei lá até os 23 anos e depois em diferentes lugares da península, incluindo Porto e Lisboa. Atualmente resido em Compostela mas estivem até há nada em Barcelona. Tenho trabalhado nos âmbitos de gestão de projetos educativos e culturais e de formação e desenvolvimento profissional, a minha ocupação atual.
Que visão tens da AGAL? O que esperas da associação?
Não tenho um profundo conhecimento da AGAL, mas entendo que é, e deve ser, o espaço dinamizador da estratégia integracionista. Espero da associação que se constitua como um espaço diverso e influente que transmita a oportunidade e utilidade da integração no âmbito lusófono, em termos linguísticos, culturais e sociais. Com esse fim, penso que deve desenvolver a sua ação de forma aberta e prática, em contacto com todos os sectores da sociedade.
Qual é a tua relação com a língua? Sabemos que és professor, fala-nos um pouco sobre docência e língua.
A nível pessoal, apesar de a língua galega ter estado sempre presente na minha vida familiar, fui alfabetizado em castelhano e cresci em contextos sociais de uso dessa língua. Só no início da época universitária incorporei-me ao uso quotidiano do galego. Posteriormente, tenho desenvolvido a totalidade da minha vida profissional galega nesta língua com bastante naturalidade (suponho que devido ao carácter peculiar do meu âmbito de trabalho, sector educativo e cultural). Por outro lado, no âmbito privado, sempre preferindo o galego, alterno o uso de galego e castelhano.
No tempo da minha residência em Portugal, pude desenvolver atividade como formador para diferentes entidades privadas, fazendo uso do meu conhecimento do galego, encontrando grande facilidade na comunicação. Até recentemente, morava na Catalunha, onde não usava o galego na minha atividade profissional, contudo, fora muito útil para o contacto com pessoas de países de língua oficial portuguesa, que são numerosas em Barcelona.
Em termos comunitários, aspiro a uma sociedade galega bilingue com especial proteção jurídica do galego e, no mínimo, equilíbrio em relação ao uso de galego e castelhano. Penso que isto só será possível graças a políticas públicas de discriminação positiva para o galego, nomeadamente práticas de imersão, para além de medidas dirigidas a garantir à população o domínio do padrão internacional da língua galega (português) e a facilitar o acesso direto ao conhecimento produzido nos países de língua portuguesa.
Como chegaste ao reintegracionismo?
Os primeiros contactos foram na adolescência, a partir da leitura dos boletins “a gralha” da associação Meendinho de Ourense, que recebia por via postal, mas não me relacionei com pessoas do âmbito reintegracionista até muito tempo depois. Nos últimos anos, o contacto com pessoas implicadas, somado ao facto de a minha parelha ser portuguesa e de passar períodos de residência no Porto, levaram-me ao compromisso com esta estratégia. Na realidade, sinto que só completei a minha aprendizagem do galego durante a minha estadia no Norte de Portugal. Outras experiências que vivi em Lisboa, como conhecer pessoas africanas falantes de português e senti-las muito próximas, reforçaram o meu posicionamento.
Quais achas que devem ser as linhas estratégicas do reintegracionismo? Que âmbitos devemos privilegiar?
Sendo eu de esquerdas e soberanista e, considerando que as pessoas galeguistas temos muito pouco tempo para ativar um projeto que viabilize a existência de duas línguas na Galiza (os jovens dos maiores núcleos de população, Corunha e Vigo, são já monolingues em castelhano), considero que as linhas estratégicas do reintegracionismo devem ser:
1 – Desligar o projeto linguístico e comunitário reintegracionista de projetos políticos soberanistas e de esquerdas. Comunicar esta ideia sem agenda oculta e renunciar à propriedade sobre ela. Desta forma, a proposta, que é da máxima utilidade, poderia chegar a ser apoiada pela maior parte da população, e particularmente pelos agentes mais poderosos e/ou dinâmicos da sociedade, que não são, na sua maior parte, soberanistas ou de esquerdas.
2 – Alargar a implementação da ideia de comunidade linguística e cultural internacional, do âmbito cultural reduzido (expressão literária, musical), a um âmbito cultural mais amplo (geração de conhecimento, ciência, tecnologia) e económico (parcerias, empreendedorismo e internacionalização, particularmente direcionados ao Brasil e a Angola). Isto permitiria transcender a reduzida instrumentalidade atual do galego.
3 – Partindo de 1 e 2, privilegiar a expansão da proposta a âmbitos sociais referenciais para o conjunto da sociedade e com maior potencial de intervenção política, particularmente os ligados a organizações empresariais e partidos políticos maioritários. Agindo assim, conseguiríamos mais apoios financeiros e estruturais e faríamos com que a proposta aparecesse como mais desejável para muitos sectores da população.
Moraste vários anos em Barcelona. Qual é a situação do catalão que observas no teu dia a dia?
O catalão é a língua de uso comum no âmbito profissional. É muito difícil encontrar um emprego cá se não acreditares um nível C, ou seja, de plena competência nessa língua. É uma língua prestigiada, falada e defendida com naturalidade praticamente por todas as pessoas, mesmo pela população com origens não catalãs (1 de cada 3 pessoas na Catalunha). Os adolescentes falam-na massivamente, o qual é um dado sintomático.
Trata-se de um contexto muito diferente do galego mas acho que se pode extrair desse caso uma aprendizagem útil. O catalão é uma língua fortemente normativizada e a sua aprendizagem é bastante custosa. Acho que é precisamente por isso que as pessoas têm grande orgulho em aprendê-lo e avançar no seu domínio, nomeadamente as pessoas de fora. Tenho conhecido galegos com um catalão mais completo e correto do que o seu galego. Penso que o fomento da aprendizagem de um padrão de galego-português internacional, estandardizado, rico e útil, levaria mais pessoas galegas a interessar-se por esta língua.
Acho que o galego em solitário não é percebido como útil pela população, e esta perceção não me parece errada, dadas as dimensões da sociedade galega e a projeção da sua identidade linguística. Entendo que a tentativa de defender esta língua pelo seu valor intrínseco, à margem da sua instrumentalidade, é muito fraca e tende a perder o debate social. Acho que esta tem sido a estratégia maioritariamente adoptada pelo galeguismo face aos últimos ataques dirigidos à língua galega. Invocar emoções que a maior parte da população não experimenta não é eficaz. O galego, apresentado como variante do português, representa uma enorme vantagem competitiva para a população da Galiza e acho que nós galeguistas devíamos difundir esta ideia em todos os foros e mostrar a sua viabilidade nas nossas práticas profissionais.
A tua namorada é portuguesa. Quando vos conhecestes, como foi a vossa relação respeito a língua que um e outro utilizava?
Desde o momento em que nos conhecemos, falamos galego e português respetivamente e nunca tivemos qualquer problema de comunicação. Às vezes, a falar por telefone, não percebíamos alguma coisa, mas só mesmo no início. Ela já conhecia o galego, contudo não deixava de achar curioso que eu utilizasse frequentemente palavras que ela conhecia da fala de pessoas idosas do Norte de Portugal, como a sua avó. Quanto a mim, fui descobrindo como muito vocabulário que eu tinha escutado ou lido remotamente na Galiza, era de uso habitual em Portugal. Igualmente, foi para mim engraçado ver que muitas palavras e expressões que para nós têm um toque enxebre, popular ou até rural, lá têm plena vigência nos âmbitos mais prestigiados. Assim, por exemplo, não há muito descobri que existe, no âmbito da filosofia da mente, uma teoria que entende a mente como um conjunto de estados percetivos, e que em português se chama “Teoria do feixe”. De forma que “feixe” não serve só para os grelos.
Contudo, apesar da facilidade que temos para comunicar-nos, galegos e portugueses, é preciso ter em conta que o português de Portugal tem um registo muito rígido, de forma que eles só consideram que tu falas português na medida em que usas a terminologia e as expressões mais comuns lá e és capaz de aproximar-te foneticamente a essa variante. Por isso, se quisermos comunicar plenamente com portugueses, não podemos pensar que é suficiente falar o galego que aprendemos na escola (no meu caso, pouco e altamente castelhanizado). Acho que aprender o padrão do português internacional é um desafio divertido e útil: enriquece o nosso galego, oferece-nos muitas possibilidades de desenvolvimento e abre-nos a sociedades muito próximas da nossa.
Conhecendo Pablo Blanco
- Um sítio web: MIT OpenCourseWare e The New Economics Foundation
- Um invento: a agricultura
- Uma música: Tô, de Tom Zé
- Um livro: Um de cá: “Vida conversável” de Agostinho da Silva, e um de lá: “A um deus desconhecido” de Steinbeck
- Um facto histórico: Um atual: o movimento de transição (transition network)
- Um prato na mesa: qualquer um com alho, azeite e sem uso animal. Por exemplo, massa com pesto de rúcula.
- Um desporto: Melhor que desporto: Ioga.
- Um filme: “El cielo gira”, de Mercedes Álvarez.
- Uma maravilha: A marginal do Douro entre o Porto e Matosinhos.