PGL- Roberto Pardal Coca, é natural de Briom e atualmente mora em Madrid. Durante anos teve responsabilidades políticas e orgánicas no BNG. Cursou o ano passado português na EOI de Compostela o que mudou a sua percepção do português e a sua relação com a variedade galega.
Roberto estudou este ano português na EOI de Compostela. Em que medida tem mudado a tua percepção do português e a sua relação com a variedade galega?
O certo foi que a minha percepção tem mudado e muito depois de cursar português na EOI. Mas penso que mudei dum ponto mais emocional que racional. Já levo tempo a pensar que a lusofonia é um elemento estratégico importante para a fortaleza do galego no futuro, mas agora acho que essa visão forma parte de mim.
O contato com a língua é o contato com a cultura e com a identidade dum povo. É quando tive esse contato com a língua portuguesa confirmei o que já suspeitava desde há tempo -e que todos e todas suspeitamos em maior medida: que as semelhanças com a lusofonia são além das linguísticas, também sociais e culturais. E em segundo lugar o português é uma ferramenta com um valor estratégico realmente importante para nós, e não me refiro só dum ponto económico.
Um dos pontos da ILP Valentín Paz Andrade é o ensino de português no ensino púbico. Pensando em ti, e sobretudo na tua rede social, que teria implicado o contato com o português na escola?
Acho que o ensino de português no liceu ou na escola teria dado uma ferramenta muito importante –e não apenas a nível profissional-, um contacto com outras culturas teria reforçado a nossa identidade como povo no mundo. Mas, sobretudo, no que se refere à minha gente o galego e o português seriam vistos com normalidade e como uma vantagem neste mundo que nos tocou viver.
Há gente hoje em dia que não vê a porta grandíssima que nos abre o galego-português ao mundo e não só na lusofonia, e prefere tentar fugir por pequenas janelas que, ademais implicam um trabalho de aprendizagem muito superior. Ao deitar a vista atrás, parece incrível, quase aberrante que nem sequer existisse uma optativa de língua portuguesa no liceu.
Durante anos tiveste responsabilidades orgánicas e políticas no BNG, por que achas que a visão internacional do galego, e a construção de um padrão convergente com as falas portuguesas, não tem muito calhado no nacionalismo maioritário?
Considero que sou um pouco profano nesta matéria. Mas posso falar como vivi ao longo desses anos dentro do BNG essa visão internacional do galego.
Acho que durante esses anos não percebi um debate aberto e sincero dentro da organização sobre o reintegracionismo. Quando comecei a minha militância no Bloco não tinha quase contato com o reintegracionismo excepto um par de companheiros da faculdade. E excepto pessoas concretas não encontrei uma visão coletiva e desenvolvida sobre o tema. Era mais uma escolha pessoal, mais ou menos respeitada mas não uma escolha coletiva.
Foram contatos pessoais no seio do BNG (e companheiros agora na AGAL) os que foram mudando a minha visão sobre uma língua inserida no mundo, na Lusofonia. Passei a ser consciente da origem comum dum corpo linguístico a acreditar na necessidade de uma visão internacional do galego. E agora entendi que toca trabalhar neste objetivo.
Se fosse hoje, é possível que tivesse participado e alentado estes debates, polo menos na minha localidade. E também no meu trabalho com a mocidade ou na minha faculdade.
Muito tem luitado o Miguel Penas comigo!
Achas que se está a produzir umha viragem nesta focagem? por que?
Acho que sim. Não sei se a curto prazo, mas vejo que cada vez há mais pessoas, moços e moças que partilham esta visão. Os partidos e as instituições devem ser as ferramentas que tem a sociedade civil para mudar o mundo em que vive e convertê-lo no mundo onde quer viver. Com a língua também.
Tu procedes de um concelho rural, periurbano -Briom- de maioria galegofalante mas tens morado durante anos numha cidade como Compostela, e agora na emigração em Madrid. Como é a situação do galegofalante nos diferentes ámbitos?
Em Briom a maioria dos habitantes falam em galego. Quando eu era um cativo a maioria dos moços e moças falávamos em galego e hoje isso não é assim. Existiu uma importante imigração castelhano-falante nos últimos anos e não se tem feito trabalho algum que corrija esta situação. Mesmo a gente que fala galego não é consciente da importância de fazer.
E mais, em boa medida, estes novos vizinhos e vizinhas, unha classe meia alta com profissões liberais, professores de faculdade ou advogados, são a imagem da modernidade. Tenho medo que as crianças de Briom acabem detestando o galego por imitação.
Sendo eu monitor de tempo livre a um menino da Luanha de 3 anos ensinaram-no a dizer nomes de frutas e legumes no lugar de insultos. Era uma delícia escutar o seu sotaque (sotaque cabreado, isso sim!) berrando Cenoura! Pêssego! Não quero que isso se perda.
Em Compostela, nos vivíamos no bairro das Fontinhas e fazíamos muita vida no bairro de Sam Pedro e na Cidade Velha. A imagem que nós tínhamos não se adapta a situação real do conjunto da cidade. Acho que o galego está a perder posição entre os vizinhos e vizinhas de Compostela, sobretudo na zona urbana. Se calhar esta situação faz-se mais preocupante entre a mocidade.
Porém, podes olhar como a gente galega deslocada em Madrid costuma a falar mais em galego, se calhar por não poder usa-la de maneira habitual. Mas esta é apenas a minha opinião, é possível que em outros âmbitos isto não seja assim.
E como achas que pode ser assimilado o discurso reintegracionista em cada um destes espaços?
Acho que o elemento fulcral é o orgulho. Quero dizer, no momento em que a nossa língua e a sua visão internacional seja vista como um elemento de extraordinário valor e um elemento próprio, a gente assimilará este discurso como seu. Mas este é um trabalho muito complicado.
O certo é que hoje o galego e mesmo o português não se vêem com a utilidade que têm nem em muitos âmbitos da sociedade galega os vêem como um orgulho. Estou certo que muita gente gostaria de falar castelhano no lugar de falar galego. E muita gente gostaria de aprender a falar alemão, checo ou italiano antes do que aprender a falar português.
Penso que tanto Compostela como a diáspora galega em Madrid estão mais inclinados a assimilar o discurso reintegracionista do que no rural galego.
Na tua opinião, por onde deve caminhar a estratégia luso-brasileira para avançar na sua sociabilização?
Na minha humilde opinião, devem-se fixar referências conhecidas e reconhecidas por todos os galegos e galegas. A gente não precisa escutar o que têm que fazer nem como devem pensar. Não o querem fazer.
Acho que tem que ser um discurso positivo, que ponha sobre da mesa aqueles elementos próprios que nos unem com a lusofonia e que nos fazem diferentes ao tempo. Mas com normalidade, com uma conversa de tu a tu sem apriorismos nem sentença de cátedra.
Porém, acho que a chave situa-se na gente nova. Para bem e para mal.
Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associar e que esperas da associação?
O certo é que sempre vi com bons olhos o trabalho da AGAL. Ainda que não o sentia como próprio, sempre entendi que era uma boa estrategia como País e como povo. Um trabalho que alguém tinha que levar para a frente.
Como já disse, o Miguel leva muito trabalho feito. Porém, acho que pouco a pouco fui entendendo como próprio todo esse trabalho que vinha desenvolvendo a AGAL. Estudar a língua portuguesa e ter que deslocar-me a Madrid foram elementos muito importantes, sem dúvida. Mas acho que foram as relações pessoais e os ativos humanos com os que conta a associação os que me fizeram tomar a decisão. Tanto o Miguel como o Valentim Fagim deram-me a certeza de que a decisão era a ótima. E também outros amigos como o Saul Santim ou o Inhigo Ansoategi –e muitos outros.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?
Gostaria muito de ver milhares de cativos e cativas de 3 anos a berrar centos de frutas e legumes em galego para calmar o seu enfado. Cenouras! Cogumelos e pêssegos!
Acho que este seria a primeira pedra e a vez a pedra chave que daria firmeza a uma ponte que nos uniria com a lusofonia e com o mundo. E sobre esta ponte poderíamos levar todas essas ferramentas que necessitamos para trabalhar no agro ou nos centros tecnológicos e de investigação, nas empresas e nos meios de comunicação e com as nossas crianças e amigos e com os nossos chefes.
Conhecendo Roberto Pardal Coca
- Um sítio web: Agora que estou em Madrid, praza.com
- Um invento: a borracha de apagar.. Não, é brincadeira. Acho que a Internet vai ser um elemento chave nos anos nos que estamos. Mas se usássemos mais a borracha e apagar…
- Uma música: Uuuff! Se tenho que dizer uma, “Óleo de mujer con sombrero” mas a lista pode ser interminável. Ultimamente não tiro da cabeça “39 grados” de Quique Gónzalez…cousas de Madrid.
- Um livro: Tenho que reconhecer que adoro “Onde vivem os Monstros” desde que era um menino.
- Um facto histórico: Não sou muito de factos históricos. Prefiro as pequenas cousas que movem o mundo. Vale como reposta? Não? Sim?
- Um prato na mesa: Eu vou muito por épocas, mas dum tempo para aqui faz-me crescer água na boca ao pensar numa boa empanada de milho com zamburinhas.
- Um desporto: Tenho que reconhecer que gosto muito de futebol.
- Um filme: Gosto muito do cinema mas não sou uma rata de “videoteca”. Se calhar vou dizer “Reservoir dogs”. Mmmm, também “Cinema Paradiso”…
- Uma maravilha: Tenho saudades do mar…
- Além de galega: Um pouco sonhador….