PGL – Xorxe Oural cresceu na Marinha e agora mora em Barcelona, tem umha cunhada e um sobrinho com sotaKI, a sua estadia em Guimarães foi marcante, está por umha estratégia pragmática e social para o reintegracionismo e aspira a que a relaçom com a lusofonia deixe de ser cousas de fríquis.
Xorxe cresceu na Marinha e cresceu em galego. O teu irmao jogou um papel importante no teu labor de consciencializaçom. Como foi esse processo?
Bom, nasci em Viveiro, mas morei desde os quatro anos em Foz (Marinha Central). E ademais, num ambiente onde era consciente da degradaçom cultural e linguística que sofremos. Ainda que nom foi até a adolescência, pela influência do meu irmao, e polo trabalho realizado no interior de associaçons juvenis de recuperaçom de tradiçons culturais, musicais, trajes, etc que quando comecei a ser um pouco mais consciente do assunto. Ainda que hei de dizer que sempre me achei bem estranho do vitimismo ou do nacionalismo rançoso que escutava em algumas pessoas.
O meu irmao foi do MdL da Corunha, lá em finais dos anos 90, e cresci escutando a musica que tinha ele, e lendo em galego, e em “galego do sul do Minho” dos livros que tinha à mao. Mas por fora do plano “intelectual” ele tem a companheira que é do Recife, e tanto com ela como com o sobrinho falamos de forma naturalizada em galego-português.
É comum o caso de galegas e galegas que, no exterior, reparam mais na sua identidade. O teu caso nom é umha exceçom, pois nom?
Fui viver a Madrid com 17-18 anos. Sim, certamente é “no exílio” que nos volvemos um pouco mais conscientes das nossas origens e eu nom fum diferente nisso. Ademais, as pessoas do lugar onde estás perguntam cousas que te obrigam a refletir sobre o que conhecias, o que tinhas assumido como habitual/natural, e de forma inconsciente, fai-te consciente…
Mas nom peguei numa verdadeira consciência ate que fui de Salamanca ate Guimarães para um estágio de um curso. Naquele momento estava a estudar Engenharia Eletrónica. Foi a experiência de viver naquela evoluçom do galego em que reparei, de verdade, e profundamente, no potencial internacional da nossa língua. Foi um verdadeiro choque. Agora penso-o em perspetiva… ver umha placa com umha frase de Castelao no castelo de Guimarães que diz que o galego floresce em Portugal.
Também foi curioso voltar de Guimarães para Foz, e inconscientemente dizia alguma palavra ou expressom de além do Minho, e a gente velha me surpreendia dizendo que assim era como diziam aquilo quando eram pícaros.
Até há pouco tempo a tua visom do reintegracionismo nom era assim mui simpática. Por que mudou?
Mais que da visom, seria da estratégia social. Ate há uns 6 anos, mais ou menos, a percepçom que tinha da estratégia “re-integrata” era que desprendia um ar elitista, academista, ou hiper-ideologizada… Desde há um tempo que venho seguindo a mudança na estratégia, entendo que por umha mais pragmática e social, que é na que eu concordo, em geral, para qualquer movimento que queira ter incidência. Tenho o sentir que é a que está a funcionar, passinho a passinho.
Em tua opiniom, por onde deve caminhar o reintegracionismo se se quer tornar “sentido comum”?
Umm, penso que têm de manter essa linha atual de pragmatismo e de naturalizaçom do reintegracionismo como posiçom mais lógica. Fazer mais acesivel e natural a adopçom do modelo ao comum da sociedade. Tornando-se numha força social que dispute a hegemonia cultural ao isolamento e desrespeito. A médio prazo isso deveria forçar umha mudança do paradigma… ou simplesmente é o que gostaria que acontecesse.
Xorxe leva quase duas décadas a morar fora da Galiza e já nove anos na Catalunha. É umha boa escola este país em termos linguísticos?
Lembro-me de umha das coisas que me chocou mais quando cheguei por primeira vez a Barcelona: escutava o catalám, ainda que era umha cidade! …vindo de onde vinha foi umha verdadeira surpresa. Depois, ver que há muitos meios de comunicaçom, literatura, livros, publicidade de qualquer empresa, etc em catalám.
A verdade é que já gostaria que estivesse o galego a metade de bem que o catalám a nível de uso e de valorizaçom. Dam muito valor ao seu, e som muito “cap grossos” com isso, hehehe.
Em qualquer caso também há que reconhecer que o apoio institucional, os programas gratuitos para aprender o idioma, etc. fazem muito para os neofalantes. Por exemplo, a naturalizaçom do uso da língua na escola. É curioso ouvir famílias que se nota que falam só castelhano, que ao falar com a nena, ou neno, mudam para o catalám…som os nenos os que fazem falar em catalám, e nós ao invés.
O outro dia estávamos a falar umha amiga que é argentina, umha amiga sua que é cubana, e a minha companheira que é catalám, e estávamos a falar todas em catalám. Essa situaçom, penso que em outros contextos seria estranha, mas para mim lá é o habitual. Conheço gente “tuga”, mexicana, argentina que fala catalám sem nenhum complexo. Um mui bom amigo que é de Vallecas mas leva o mesmo tempo que a mim lá, comunicamo-nos completamente em catalám. Quiçá a minha percepçom pareça que esta condicionada polo meu ambiente, mas quando vou a bairros onde o catalám é residual, sabem catalám, e de facto se falas muitas vezes respondem-te em catalám ou podes manter umha conversa a duas vozes sem complexos por nenhuma das duas partes.
Entendo que aqui a questom idiomática é mais cultural e por cima de tudo social. Ainda que há pessoas e grupos…digamos “identitários”, existe umha massa, penso que maioritária, que nom se sente “identitária” nem nada parecido, mas percebe a questom linguística como lógica e natural, ainda que nom falem habitualmente o idioma.
Tenho amigos de bairros como Badalona, que som maioritariamente castelhano-falantes, que polo ambiente falam em castelhano mas que a questom da língua entendem-na de forma natural. Como dado curioso para exemplificar a separaçom da língua da questom ideológica é que nesses bairros onde o castelhano é maioritário é onde mais cresceu o voto independentista.
Xorxe Oural nas Fragas do Eume
Como mantés o contacto com a nossa língua?
Através da família, a que tenho em Foz, e a de Londres. Também, com o meu par. Estamos subscritos ao Novas da Galiza, as noticias pola Internet (Chuza, Sermos, Portal da Lingua, etc). Vou seguindo-as e, quando puder, vou ao que fai a gente da Assembleia Cultural Galega de Barcelona (acgb.cat). Penso que nos próximos tempos vou ir mais, sobre todo à Ludotega…
Ademais, mantenho contacto habitual com umha pequena comunidade “tuga” lá em Barcelona.
Xorxe move-se no ambiente libertário. Achas semelhanças entre este movimento, em termos de açom, e o reintegracionismo?
Uff, a verdade e que isso do “ambiente libertário”…há muitos “ambientes”, mas em geral, a minha percepçom é que ta muito por atrás da visom estratégica que o reintegracionismo está a aplicar de um tempo a esta parte. Polo menos o que conheço da península.
Graças ao uso do galego-português podo seguir informaçons de algumas organizaçons do outro lado do Atlântico, mantenho contato com pessoal do Brasil, e a cousa lá penso que é bem diferente. Tiram coisas muito interessantes onde ponhem ênfase no programa, na estratégia e na tática, mantendo um discurso de intervençom social, com aplicaçom prática. Por outra parte, cá na península, o que conheço tem muito de elitista/grupal e de identitario-mitificador… por sorte isto está a mudar, mas nom tam rapidamente, como eu entendo que mudou no caso do reintegracionismo.
Depois de umha travessia pelo deserto de mais de 30 anos, as inercias, os vícios… é difícil de mudar, assim de súbito. Muita gente foi-se para campos mais pragmáticos como o ambientalismo, cooperativismo…, cansados de “debates” mais filosóficos do que programáticos. Há muita mística e muitas “punhetas mentais”, muitas “verdades” inquestionáveis e tradicionalismo. Sinceramente, vejo muito melhor o reintegracionismo que o ambiente libertário (seja o que for isso).
Por que te associaste à AGAL? Que esperas da associaçom?
Pois, pensando em frio, suponho que por problemas de consciência de nom estar a dar mais apoios. Por contribuir com algumha cousa a um projeto que levo seguindo, desde a periferia, há muito tempo.
E espero, basicamente, que a AGAL continue como até agora melhorando a cada passo e fazendo-se mais popular.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?
Gostaria que fosse um vídeo, ou seja, fotografia em movimento… e em movimento até umha normalizaçom já efetiva da relaçom com o resto da lusofonia. Umha normalizaçom social e natural. Que em qualquer lugar da Galiza se poda ler livros, publicaçons, ver as televisons, etc que venham de além do Minho (ou de outras terras que falam a nossa língua), e que isso deixe de ser visto como estranhas anomalias, ou cousas de “frikis”, e sim como um facto habitual e popularizado. Isso, penso, já levaria associada a normaliçaçom do uso e recuperaçom da nossa língua como veículo comunicativo na própria terra, e ainda além.
Conhecendo Xorxe Oural
- Um sítio web: por nostalgia, alasbarricadas.org
- Um invento: O computador pessoal.
- Umha música: As Sete Mulheres Do Minho cantada por Ugia Pedreira.
- Um livro: A Violência e o Escárnio, de Albert Cossery, editado por Antígona.
- Um facto histórico: Difícil escolher só um, mas, por dizer um pouco nomeado, a criaçom do CRD de Aragom, no Outubro do 36, que intentou organizar as coisas em momentos tam confusos.
- Um prato na mesa: Ovos e patacas fritas.
- Um desporto: O caiaquismo.
- Um filme: La Haine.
- Umha maravilha: O bosque atlântico.
- Além de galego/a: Maníaco da ordem, em desintoxicaçom.