Iago Fraga: “Para a esmagadora maioria das crianças, o galego é umha língua tam estrangeira coma o francês”

img_0116Iago Fraga é cambadês. Atreve-se a falar em galego no ensino secundário onde tem, numa docente de galego, uma ótima aliada. Pola sua experiência discente julga que a diglossia é quase impossível de vencer nas escolas galegas. Começa este ano a estudar filologia clássica em Compostela. Para a sua passagem ao reintegracionismo foi importante um exemplar da História da Língua em Banda Desenhada que achou na livraria Lello no Porto. Vai estudar C2 na EOI.

Iago Fraga nasceu em Cambados. Como era a fotografia linguística na tua casa aquando criança? E a da vila?

A minha mae e a sua família sempre fôrom galegofalantes. O meu pai, nom, é neofalante. Medrei numha casa em que a língua era importante e onde o meu pai fazia um esforço constante para que o nosso galego fosse o mais correto possível. A minha mae é dumha aldeia de Rois, que pertence à área dialetal fisterrá, e por isso, mesmo sendo de Cambados, eu falo um galego que mistura traços dela (sou cheísta) e outros do Salnês (terminim, falim, etc.).

Fora da casa, na escola, ninguém falava galego. Estivem nove anos numha aula de 22 alunos em que a única comunicaçom em galego era com alguns professores e sempre por obrigaçom. Eu tamém nom o falava e mesmo rejeitava ativamente o galego.

Com os anos, contodo, fum descobrindo alguns companheiros que também falavam galego. Todos o ocultávamos e nom foi até a secundária que me atrevim a falar galego com eles e, depois, com todos.

Na vila de Cambados o galego está extinto na prática: nom o fala nengumha criança. Nas paróquias do arredor é bem distinto e por isso nom comecei a o falar até entom. Isto está a mudar, infelizmente, e também nas paróquias os rapazes falam menos e menos galego.

Na vila de Cambados o galego está extinto na prática: nom o fala nengumha criança. Nas paróquias do arredor é bem distinto e por isso nom comecei a o falar até entom. Isto está a mudar, infelizmente, e também nas paróquias os rapazes falam menos e menos galego.

É um processo triste e que qualquer pessoa pode observar.

No momento de te instalares no galego, lembras como foi o processo e quais os teus aliados e aliadas para o abordar?

Em primeiro da ESO tivem umha professora de galego maravilhosa. Lembro que um dia lhe perguntárom: “Profe, ¿tú siempre hablas gallego?”. Ela respondeu que si e em primeiro lugar fiquei surpreendidíssimo. Depois dei-me conta de que era absurdo que fosse tam estranho ser galego e utilizar o galego normalmente como língua.

Durante esse ano fum vendo muitos dos preconceitos que tinha para o galego, graças sobretodo a ela. Por exemplo, no meu grupo de amigos, falávamos castelhano entre nós, até que nos demos conta de que todos falávamos galego na casa e estávamos a manter um teatro ridículo. Aos poucos, fum deixando o castelhano nas relaçons sociais. É um processo que pode durar anos e mui complicado. Escutava constantemente perguntar “¿tú desde cuando hablas gallego?”, “¿y ahora por qué se te dio por ahí?”. Qualquer pessoa que passasse polo mesmo processo sabe o difícil e incómodo que pode chegar a ser.

Eu dei esse passo com treze anos, mas a maioria dos galegofalantes nunca o fai: a diglossia é quase impossível de vencer nas escolas galegas.

Tens 18 anos e vais começar os estudos de Filologia Clássica em Compostela. Quais as tuas motivações? E as tuas esperanças?

Nom tomei a decisom de estudar latim e grego até este ano (antes queria estudar história ou mesmo filosofia), mas, olhando para trás, pode-se dizer que era quase inevitável.

O meu pai também estudou clássicas e crescim rodeado de manuais de latim (meu pai já me dera algumhas aulas de latim com seis ou sete anos!), livros de Salústio ou César e a Odisseia de Homero. A minha mae é professora de francês e isso também motivou que as línguas se tornassem nalgo fundamental para mim.

As línguas clássicas estám a cair no esquecimento e há um certo toque romántico em as aprender. Penso que o grego, mas sobretodo o latim, ponhem-nos em contacto com as nossas origens, história e cultura. O latim foi praticamente a única língua de prestígio na Europa até o Renascimento e mesmo Newton escreveu a sua obra em latim.

As línguas clássicas estám a cair no esquecimento e há um certo toque romántico em as aprender. Penso que o grego, mas sobretodo o latim, ponhem-nos em contacto com as nossas origens, história e cultura. O latim foi praticamente a única língua de prestígio na Europa até o Renascimento e mesmo Newton escreveu a sua obra em latim.

Ter acesso direto a milénios de poesia, história e mesmo ciência sem ter de passar por umha traduçom (se há) é algo que me motiva muito.

Sei que o panorama profissional das línguas clássicas está a esmorecer. Gostaria de dedicar-me ao estudo e ser professor de universidade. O caminho é difícil, mas vale a pena.

A livraria Lello no Porto, que há quem diga inspirou Hogwarts de Harry Potter, também te inspirou a ti, em que sentido?

img_0062Com 15 anos batim cum exemplar perdido d’A história da língua em banda desenhada, editado pola Através Editora. Antes disso, sabia que o galego reintegracionista existia, mas nom o entendia e pensava que era um código reservado ao grafite dissidente nas cidades (Ser jovem nom é um delito cheguei a ver escrito nalgumha parede de Vila Garcia).

Graças a este livrinho entendim os porquês e os para quês do reintegracionismo. Também me ajudou a ver doutra perspetiva a história da língua. Depois, vinhérom outras leituras e, por cima disso, começar a aprender português na casa, só com umha gramática de Celso Cunha, e ver que aquilo que aprendia, as normas que memorizava, etc., nom eram outra cousa que re-aprender a língua que já falava.

O mesmo Celso Cunha, um dos melhores gramáticos do português, nom duvidava a incluir o galego e os seus blocos dialetais como parte dumha língua conjunta que abrange da Amazónia aos Ancares, e assi o registava no mapa linguístico que incluía o livro, em que os blocos dialetais do galego aparecem como umha variedade mais da língua comum.

Todas estas cousas, somadas à frustraçom pola incapacidade da norma isolacionista de normalizar a língua, figérom-me ver que precisamos de outra estratégia para o galego.

Com 15 anos batim cum exemplar perdido d’A história da língua em banda desenhada, editado pola Através Editora. Antes disso, sabia que o galego reintegracionista existia, mas nom o entendia e pensava que era um código reservado ao grafite dissidente nas cidades (Ser jovem nom é um delito cheguei a ver escrito nalgumha parede de Vila Garcia).

Este ano vais estudar C2 na Eoi de Compostela. É o nível mais alto. Quais as tuas expetativas sendo como serás, provavelmente, o aluno mais novo da turma?

Comecei a aprender português em janeiro de 2018 e em junho desse mesmo ano tirei o nível de B2 em Vila Garcia, aprendendo, como já dixem, dumha gramática de Celso Cunha e do YouTube.

Em 2019 decidim nom deixá-lo ficar aí, e matriculei-me no nível de C1. Eu já estudava alemám na EOI (continuo), mas tivem umha experiência fantástica com a minha turma e o meu professor. Tinha meia dúzia de companheiras, mulheres adultas (eu rompia um pouquinho com as caraterísticas do grupo), mas sempre me sentim mui cómodo.

Este último ano nom pudem seguir estudando porque nom havia turma em Vila Garcia, mas agora tenho a oportunidade de continuar a melhorar e continuar em contacto com o português.

Creio que o português nos achega a nós próprios. Ouvindo mulheres do Macau ou do Moçambique tenho escutado palavras que eu próprio escutava na casa dos meus avós ou à minha mae quando era cativo e que ficárom enterradas por baixo de castelhanismos.

Espero continuar aprendendo, escutando e melhorando. Quanto mais português souber, mais e melhor galego saberei.

Creio que o português nos achega a nós próprios. Ouvindo mulheres do Macau ou do Moçambique tenho escutado palavras que eu próprio escutava na casa dos meus avós ou à minha mae quando era cativo e que ficárom enterradas por baixo de castelhanismos. Espero continuar aprendendo, escutando e melhorando. Quanto mais português souber, mais e melhor galego saberei.

O reintegracionismo é umha estratégia para a nossa língua. Por onde julgas que deveria transitar para avançar ainda mais socialmente?

O reintegracionismo tem um grande problema onde nom vejo nenhum progresso: A gente nom o sabe ler. Quando lhe mostras um texto na norma AGAL a qualquer pessoa, a primeira reaçom é “isto nom é galego”. É umha reaçom natural.

Quando vemos “nom” escrito com –m, lemos instintivamente /nom/, e em galego nom pronunciamos /nom/ nem /em/. Isto cria um sentimento de afastamento e rejeitamento mui difícil de superar. Eu também pensava isso e tardei anos (!!) em me dar conta de que nom é assi. Pensa-se que o galego reintegracionista é algo que se fala e nom simplesmente um jeito alternativo de grafar a mesma língua, com os mesmos sons, com as mesmas palavras.

Se queremos que a estratégia reintegracionista tenha êxito, fai primeiro falta que a gente poda ler e ver que é o mesmo galego que já falam. Duvido que houvesse progresso percetível nas últimas décadas neste sentido.

Se quadra, se o grafite de Vila Garcia “ser jovem nom é delito” ou “Galiza, umha naçom” fosse “o –m final na grafia da AGAL lê-se como –n: bem=ben” eu teria, desde sempre, outra percepçom do reintegracionismo. Sei que é um grafite bem pouco dissidente, mas a ideia entende-se bem.

Há umha falta enorme de informaçom sobre o quê é o reintegracionismo e principalmente o “como” do reintegracionismo. Avançar nesse sentido seria um enorme progresso.

Por outro lado, mudar a mentalidade dominante de “o reintegracionismo é um decalque do português” a “a grafia ILG-RAG é um decalque do castelhano” é chave. Nom só porque achegaria muita gente ao reintegracionismo, mas também porque é a verdade.

Porque decidiste tornar-te sócio da AGAL? O que esperas do trabalho da associaçom?

Penso que as minhas ideias e o meu trabalho podem ser úteis para espalhar estratégia reintegracionista: no meu grupo de amigos, há vários que já passárom a escrever com “lh” e “nh”. Se umha única pessoa pode fazer isso, mais poderá umha associaçom.

Imagina que estamos no ano 2040. Como achas que será a presença social da nossa língua naquela altura?

O galego está numha situaçom desastrosa e praticamente irreversível. Tenho mui pouca fé no futuro do galego, mas nom deixo de trabalhar por ele e, muito menos, de o falar.

Para a esmagadora maioria das crianças, o galego é umha língua tam estrangeira coma o francês. Se isto é assi em 2020, em 2040 será quase com certeza pior.

À rutura da transmissom geracional soma-se outro problema igual de grave: umha intromissom tam grande do castelhano no nosso galego que podemos falar dum processo de dissoluçom do galego. Quando conjugamos os verbos sistematicamente à castelhana, quando substituímos “sorte” por “suerte” e rompemos a sintaxe e morfologia tradicional, que nos resta realmente do galego?

À rutura da transmissom geracional soma-se outro problema igual de grave: umha intromissom tam grande do castelhano no nosso galego que podemos falar dum processo de dissoluçom do galego. Quando conjugamos os verbos sistematicamente à castelhana, quando substituímos “sorte” por “suerte” e rompemos a sintaxe e morfologia tradicional, que nos resta realmente do galego?

Mas nom é apenas isso. Mesmo os falantes nativos perdemos a fonética galega. Nom importa o muito que cuide o meu galego nem todos os castelhanismos que evite, eu nom conservo a fonética galega da minha avoa e, ainda que faga um esforço ativo por a imitar (o qual fago) nunca vou consegui-lo realmente.

“O único galego mal falado é o que nom se fala” é um princípio terrivelmente prejudicial para a língua. Ter erros é normal e inevitável. Nom trabalhar nem fazer nada para o solucionar, nom.

Apesar disto, nom perdo a esperança. O hebreu estivo morto muitos séculos e voltou à vida. O galego também se pode recuperar. Esperemos que nom tenha de morrer no caminho.

Conhecendo Iago Fraga

Um sítio web: estraviz.org

Um invento: A imprensa.

Umha música: Paraísos artificiales

Um livro: Ensaio sobre a cegueira e Ensaio sobre a lucidez.

Um facto histórico: A queda do Império Romano.

Um prato na mesa: Qualquer que cozinhe a minha avoa.

Um desporto: Ciclismo.

Um filme: La estanquera de Vallecas e The Truman Show.

Umha maravilha: O sol-por em Cambados.

Além de galego/a: leitor.

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